Era a oficina destinada a criar grafismos – que é a maneira de desenhar de um artista, e aplicá-los a tela já pintada a partir da técnica “action painting”. Para tal cada criança e adolescente recebiam uma tela de 30×40, para exercitar, antes de aplicarem na tela maior, de 90cm x 1.20m.
“Simbolicamente o desenho espelha seu criador. o indivíduo reconhece-se e identifica os aspectos mais difíceis de si mesmo, bem como as suas “áreas cegas” A criação artística facilita o estabelecimento de uma linguagem própria”.(Daniela Martins/Portugal) Mesmo com dezesseis participantes, de 4 a 17 anos, espalhados pelo chão e pela mesa, onde iam os que já tinham feito seus desenhos individuais e discutido comigo sob o local que aplicariam, no espaço pictórico maior, quatro adolescentes me chamaram a atenção. E como os símbolos me pareceram tão claros, que resolvi investir, respaldado pelo meu curso de programação neurolinguística(*). Adolescente 1 pintava um sol entre nuvens e uma linda flor e lhe instiguei com uma pergunta: – Vou te fazer uma pergunta prá confirmar o que estou vendo em teu desenho: tem tanta briga e discussão assim em tua casa? Sorriu, espantada e surpresa:. -Demais Professor, insuportável! Discutimos um pouco a respeito para relativizar sua realidade, onde todos colocam suas expectativas no outro e não se modificam e a importância de terminar bem sua 8ª série e investir em si, que tinha certeza que se daria bem na área humana. Concluímos que uma das coisas que faltavam em sua família era o conhecimento, a educação, ainda bem que ela estava em caminho oposto, para não repetir no futuro a mesma coisa. Me olhou e sorriu satisfeita, consentindo. – Deus me livre! Adolescente 2 pintava um lindo sol, cheio de raios e duas flores embaixo. – Me diz uma coisa, tua mãe é mãe e pai ao mesmo tempo? Titubeou impressionada… – É, … é sim! – Uma mulher forte, hem? Tens que agradecer ao Papai do Céu por ela! Duas lágrimas despencaram de seus olhos. Acho que fez algo em contrário ao que ela queria, pensei. – Tem mais irmãos? – Tenho uma irmã! – Percebi pelas duas flores sob o sol! Depois escolhe um lindo lugar na tela grande prá colocar este teu desenho! Abriu um sorriso em seu rosto ao mesmo tempo que secava as lágrimas com a parte superior das mãos, que não tinham tinta. Adolescente 3 pintava uma figura feminina que lhe deixava muito irritada, querendo pintar outra tela. E eu estimulando que continuasse, que nada é errado na arte, que tudo tem saída… Seria anti-terapêutico lhe alcançar outra tela, mesmo ela vendo que sobrara algumas. Ela estava num debate sério e necessário consigo mesma, naquele momento. De enfrentamento. Como ela silenciara sua irritação, fui ver o que estava acontecendo. Surpreso vi que acrescentara muitas flores no cabelo de sua personagem. – Parabéns guria! Viu como está ficando linda? Ela, rindo muito… – Fiz do cabelo dela uma árvore florida! Não quis investir mais por todo o sofrimento e esforço que passou frente a seu desenho. Senti alegria e esperança na sua figura, embora ainda esteja de olhos fechados. Personagem que deve ter uma realidade muito dura para enfrentar, mas está a caminho, se preparando para isto. Adolescente 4, desenhando uma corrente com os elos partidos. – Nem precisa falar da minha mãe! Ela me deixou prá ficar com seu namorado! Disse isto desmanchando seu desenho passando tinta preta por cima! Não pude nem fotografar! – Que lástima prá ela! Deixando de ver uma menina tão linda desabrochar! – Não vou desenhar esta corrente ali! Indicando com os olhos a tela maior! – Outra lástima, porque também tenho algumas correntes partidas na minha vida! Era justamente sobre isto que pensava enquanto acompanhava o teu desenho. E que também já tinha partido a corrente na vida de outra pessoa. Disso que me arrependia muito, pois podia ter sido diferente. A gente dá mancadas na vida. Tua mãe e eu já demos. Ela deu de ombros, ainda irritada, percebi que era pela sua mãe. – Mas gostaria que deixaste a tua marca na tela grande. Tens sofrimento, que é a própria marca do artista que fazia a action painting, o Jakson Pollock, lembra da história da vida dele, que contei no início? Que sua corrente se partiu quando o pai saiu de casa e nunca mais voltou? E me voltei para o mar de crianças, no chão, totalmente envolvidas, pintando, trocando potes de tinta com o vizinho, mas sem sujarem a cor! Porque trocavam de pincel também. De repente ouvi alguém me chamar, diante da tela maior: – Professor! Posso desenhar uma borboleta bem no meio da tela? – Claro! Vai ficar lindo! Era a Adolescente 4! Pensei, pela primeira vez uma borboleta tem como casulo elos partidos. Que linda metamorfose! (*) A programação neurolinguística, também conhecida pelas siglas PNL, é um modelo terapêutico da psicologia. O conceito neuro se refere às percepções sensoriais da mente, das quais determinam nosso estado emocional. Já o termo linguística se refere à comunicação humana, tanto verbal como a não-verbal. (…) Esta visão sobre nosso mapa mental serve como modelo terapêutico para resolver problemas psicológicos. As técnicas da PNL permitem que os indivíduos possam mudar seus comportamentos indevidos, melhorar a autoestima, superar uma fobia, ter relações mais harmoniosas e, finalmente, sentir-se melhor.
Artinclusão no Abrigo AR7/Fasc ocorre graças ao Prêmio Fumproarte conquistado por mim e Carmela Grüne, que administra o Projeto. Com Jeanne Luz da Silva, Vera Ponzio,
Fotos em: https://www.artinclusao.com.br/post/cada-desenho-uma-senten%C3%A7a-e-uma-metamorfose