Avanços, retrocessos e perspectivas

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Aflição e alegria

Semana passada, em Porto Alegre, quem luta, se organiza por direitos, viveu momentos de aflição e alegria. Primeiramente, foi a audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da FUNAI e do INCRA, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Uma CPI fomentada pela famigerada “Bancada Ruralista”. Em seguida, foi a iminente desocupação da “Lanceiros Negros”, localizada no Centro da Cidade, no antigo prédio do Ministério Público. Felizmente, frustrada.

Lanceiros Negros

Créditos: Fanpage FB – Ocupação Lanceiros Negros MLB – RS

A referida CPI visa fortalecer a ficção jurídica da propriedade, dos registros em cartório e do ordenamento jurídico frente à realidade fática e o direito dos povos tradicionais e originários em ocuparem seus territórios. Na justificação do requerimento de criação desta Comissão, percebe-se isto em diversos trechos. Por exemplo, quando fala das terras quilombolas:

“Contudo, estabeleceram-se processos administrativos de titulação de terras para quilombos subjetivos e até fraudulentos, onde a simples opinião de um antropólogo se sobrepõe a tudo e a todos e a registros públicos seculares, onde os direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa dos atingidos, inclusive dos entes federados, não são respeitados. O resultado é o que se conhece: reservas imensas, sem qualquer justificativa, atritos entre os próprios grupos indígenas e expulsão de agricultores de suas propriedades.”

A mesma postura se dá em relação às terras indígenas, com o requerimento resgatando material de um CPI de 1999:

“Como se pode perceber, facilmente, o processo de demarcação das terras indígenas é notadamente arbitrário. Concentrado o poder de decisão no órgão de assistência ao índio, os demais entes públicos não  participam  do  processo.  A única oportunidade para a manifestação da  sociedade  brasileira  encontra-se  na brecha aberta pelo Decreto nº 1.775/96,  que  prevê,  ainda  na  fase  da  identificação da área, a contestação das áreas atingidas pelos estudos desenvolvidos no âmbito da FUNAI. O que se torna inócuo diante do fato de que é a própria FUNAI quem aprecia e dá parecer sobre a contestação de seu próprio ato. Rejeitados os fundamentos da contestação pela FUNAI, nenhum outro recurso está previsto, a não ser o ingresso em juízo. Como o ato administrativo é discricionário, em  sua essência, a possibilidade de sua anulação, mesmo na instância  judicial, é mínima. Temos, então, em nosso ordenamento jurídico, uma das maiores manifestações de arbitrariedade. É inacreditável que, no momento de  vigência da mais democrática constituição de todos os tempos, os atos da FUNAI não possam ser contestados efetivamente em outra instância da administração  pública,  com  a  devida  imparcialidade”.

Ataque às comunidades

Este requerimento da atual CPI é dos Deputados Alceu Moreira, Marcos Montes, Nilson Leitão, Valdir Colatto, Luiz Carlos Heinze e outros. A justificativa do requerimento destaca ainda a Terra Indígena de Mato Preto, localizada nos Municípios de Erechim, Erebango e Getúlio Vargas; e as terras quilombolas dos Municípios de Osório e Maquiné. Ficou clara a intenção desta audiência da CPI no Rio Grande do Sul em atingir os direitos destas comunidades. Contudo, os Movimentos Indígena e Quilombola conseguiram, no dia 25 de maio, trazer a realidade para a audiência da Assembleia Legislativa gaúcha que, por isso, terminou não ocorrendo. Indígenas e quilombolas, militantes do movimento negro, defensores de direitos humanos em geral demonstraram toda a insatisfação com o debate violador.

Há muito a sociedade brasileira organiza-se de modo a ser um empreendimento a serviço do sistema capitalista internacional, beneficiando uma parcela pequena da sua população. Isto desde o Brasil Colônia, passando pelo Império, chegando a atual República. A Lei de Terras, em 1850, inaugurou, formalmente, este sistema em nosso ordenamento, em que se beneficia a ficção da propriedade e, assim, quem explora e especula a terra, em prejuízo de quem vive dela e lhe dá função social. Hoje se tem o instituto da função social da terra, disposto na Constituição de 1988. Todavia, ele é sistematicamente descumprido e esquecido. Por isso, a importância dos movimentos sociais organizados, para reivindicarem direitos postos ou insurgentes, como no episódio da audiência pública da CPI da FUNAI e do INCRA, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Da mesma forma, segmentos violados e invisibilizados também se organizam na realidade urbana. Fruto disto é a ocupação do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas- MLB, denominada “Lanceiros Negros”. As dezenas de pessoas, que dão destinação ao prédio, há anos fechados, foram ameaçadas de desocupação na madrugada do dia 25 para o dia 26/05. A ação do Governo Sartori, por meio da Brigada Militar, iria passar por cima do entendimento do Tribunal de Justiça e Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul em privilegiar a mediação nestes casos e procurar assegurar o Direito Social à Moradia (art. 6º, da CF). Felizmente, conseguiu-se uma liminar, instantes antes da desocupação ser perpetrada, impedindo o que seria uma tragédia para as famílias que ali resistem.

CPI FUnai 2

Créditos: Gilnei J. O. da Silva

Resistir e Temer

Estes dois acontecimentos, que ocorreram semana passada, demonstram como as instituições do Estado são, por vezes, instrumentalizadas para manter a histórica realidade de violações e desigualdades. Mesmo assim, os povos organizados resistem e lutam por seus direitos, conseguindo também suas vitórias. Mas, agora, a luta por direitos está sob mais uma ameaça. A matéria da Folha de São Paulo de 30 de maio traz em sua manchete “Chefe do GSI nomeado por Temer é de ala que vê MST com preocupação”. Esta chamada já é pra causar preocupação em qualquer pessoa ou instituição afeita à Democracia.

mst

Créditos: Raul Golinelli/ GOVBA (10/05/2014)

A matéria ainda afirma que o novo Chefe do GSI, General Etchegoyen, recebeu a missão de “monitorar os movimentos de esquerda”. Missões como estas foram próprias do Fascismo ou do Macartismo. Se não bastasse tal missão, a pessoa indicada é conhecida por declarações depreciativas a países vizinhos e amigos do Brasil, parceiros estratégicos em várias dimensões, como a Venezuela: “O bolivarianismo só deu certo na Venezuela pelo baixo nível de suas Forças Armadas”. Comentário não condizente com o preparo exigido de quem ocupa uma patente tão elevada ou um órgão ligado à Presidência da República.

Pelo visto, apesar da resistência e luta dos movimentos populares, ainda há muito que se avançar na sociedade brasileira, ainda pautada pela desigualdade e injustiça social. Avanços conseguidos por algumas políticas públicas que estão agora ameaçadas pela reforma ministerial do discutível “Governo Temer”. O que se têm são perspectivas nada boas para a constituição de um país mais inclusivo. Isto não é novidade na História do Brasil. Como também não é a persistência de segmentos da população por autonomia e direitos.

 

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS). Foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de Fortaleza. Foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de Sindicatos de Servidores Públicos Municipais e de Trabalhadores Rurais. Atuou na área do Direito da Criança e do Adolescente na Pastoral do Menor e no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará. Prestou serviço Association pour le Développemente Economic Regional- ADER, junto às comunidades indígenas cearenses Jenipapo-Kanindé, Pitagury, Tapeba e Tremembé. Participou do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará-FDZCC na defesa de comunidades de pescadores. Contribuiu com o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza pela OAB-CE.  Também prestou consultoria à Themis-Gênero e Justiça, em Porto Alegre-RS. Integra a Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB e o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH. É consultor da UNESCO junto à Secretaria-Geral da Presidência da República.
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