Autor Aloizio Pedersen idealizador e coordenador do Projeto Artinclusão no AR7.
Na sétima oficina do Artinclusão no AR7 os carretéis de Iberê Camargo (1914-1994) se transformam em protagonistas, repaginados pela visão de dezesseis crianças e adolescentes de 4 a 17 anos.
Elas ficaram sabendo que o artista em foco, mesmo nascendo em uma pequena cidade, conheceu o mundo. Filho de um pai ferroviário, atividade que exigia transferências da família por muitas cidades, mas nem por isso o menino Iberê deixou de estudar e frequentar a escola, o que foi preponderante para seu sucesso e reconhecimento internacional.
Os carretéis só surgiram na sua pintura aos cinquenta anos, quando teve uma hérnia de disco, que o imobilizou, obrigando-o a limitar-se ao seu atelier, quando lembrou de sua infância, onde vasculhava as gavetas de sua avó para brincar com seus carretéis de linhas.
O tema mobilizou o grupo em versões e cores bem diversificadas, demonstrando iniciativa, coragem de decidir por fazer diferente do seu colega. Só duas meninas combinaram fazer em dois tons de rosa, o que seria comum num ambiente escolar, onde geralmente brigariam pela mesma cor. Nesse espaço quanto mais diferente for a cor escolhida melhor. Ou já vem com a sua cor escolhida ou olha em torno para escolher uma cor diferente dos demais. Credito essas atitudes a vida de vulnerabilidade e de abusos que tiveram até aqui. O quanto tinham que suportar sozinhos e decidirem por si, para resistirem aos infortúnios a que foram submetidos. Amadureceram na dor. E alguns, num esforço hercúleo, estão com escolaridade normal. Como o menino “A”, com 11 anos, 5ª série. Me chamou a atenção por vários aspectos, como todos me chamam, mas vou exemplificar por ele. Primeiro, logo ao pegar a tela para projetar seu desenho em giz de cera, criado no próprio papel pardo em que estava sentado, me pediu a cor preta. Para vencer os medos, pensei, me valendo do meu referencial Kandinsky, em sua obra “Do Espiritual na Arte”. Quando projetou o quadrado em perspectiva, em acrílica sobre sua tela preta, comum numa idade bem mais a sua frente, indicativo de originalidade, possibilidade de inteligência acima da média, desembaraço, determinação, independência, entre outros quesitos, conforme Marília Etchepare em “Desenho, um instrumento de trabalho”. E utilizando as cores: amarelo limão (necessidade de sair da situação em que se encontra, ou parar de patinar no mesmo lugar) e vermelho (impulso, agressividade, movimento – novamente amparado em Kandinsky), quis saber sua escolaridade, quando comprovei minhas elucubrações.
Algumas dessas características de “A” estão presentes nos demais desse grupo de participantes, os colocando, só que, com muito mais mérito, em condições de conquistarem o mundo. Sim, com muito mais mérito que eu e que de Iberê, que não passamos nem um terço de privações que eles passaram, por estarem protegidos pelo Estado, afastados da família, mas não da escola e entre audiências judiciais para saberem de seus destinos. Como o menino “E”, 10 anos, chegou quase no fim da oficina, correndo me pedindo uma tela para pintar. – Mas de onde surgiste, guri? Querendo dizer-lhe que estávamos nos encaminhando para o final e que. Me interrompeu antes que o encaminhasse para oficina da próxima semana. ” – É que eu estava na audiência até agora, só pensando em chegar para não perder a pintura, porque na próxima semana talvez não esteja mais aqui!” (AR7 é um abrigo de passagem) Mais que depressa contei-lhe a historia de Iberê, na certeza que ele conhecerá o mundo! E pintou lindamente uma fileira de carretéis com bolas, e toda a percepção que tive com o menino “A’, se repetiu com “E”.
Artinclusão no AR7/Fasc é financiado pelo Edital Porto Alegre Amanhã, do Fumproarte da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.