Artigo Publicado na 46 edição do Jornal Estado de Direito.
Jorge Luiz de Oliveira da Silva – Juiz-Auditor da Justiça Militar Federal (2a Auditoria da 3a CJM, com sede em Bagé/RS).
O fenômeno do assédio moral no ambiente de trabalho, ao longo da última década, tem sido destinatário de inúmeros estudos. Atualmente o fenômeno já está consolidado no Brasil, encontrando uma jurisprudência segura, além de suporte doutrinário satisfatório. As leis protetivas, em especial destinadas aos servidores públicos, além do manejo das leis gerais, aplicadas de forma genérica, completam o acervo aplicado à delineação do assédio moral no ambiente de trabalho.
A partir da consolidação jurídica do fenômeno, os estudos passam a recair sobre questões específicas, fins estabelecer um melhor delineamento sobre o tema. Neste contexto, exigem uma especial atenção os desdobramentos do assédio moral no que se refere às suas múltiplas consequências.
Um ponto específico a ser abordado é, sem dúvida, o dano existencial gerado a partir do processo de assédio moral ao qual é submetido a vítima. Considera-se dano existencial aquele decorrente de conduta que gera lesão incidente, parcial ou totalmente, sobre um projeto de vida da vítima, inviabilizando-o ou tornando-o de concretização muito mais difícil. Essa espécie de dano imaterial, em razão de sua gravidade, por atingir verdadeiros protocolos de vida projetados pela vítima, gera um vazio interior e uma frustração em relação aos destinos pretendidos para o futuro do indivíduo e das pessoas de sua relação. Em suma, o dano existencial gera um gravame na vítima, alterando substancialmente suas escolhas de vida e sua própria dinâmica existencial.
Neste diapasão, o dano existencial pode ser gerado a partir de múltiplos fenômenos, sendo um deles o assédio moral. O processo que envolve e dinamiza o assédio moral, via de regra, impõe ao assediado estruturas rigorosas de degradação da autoestima, provocando em sua vida consequências negativas nos mais variados segmentos, englobando as questões afetas à saúde física e mental, social, econômica e familiar. Com tão amplo espectro de violações, não raramente as consequências do assédio moral subtraem da vítima possibilidades reais de continuidade de seus projetos de vida, dos mais simples, como a convivência sadia com familiares e amigos, aos mais complexos, vindo, nesse momento, caracterizar a geração do dano existencial.
Não comungamos com o entendimento no sentido de que o dano existencial jamais pode derivar de uma conduta ilícita, mas seria tão somente peculiar da imposição de jornadas de trabalho exaustivas e exageradas. Defendemos a ideia de que o dano existencial também estará caracterizado quando a conduta do agente, consistente na prática do assédio moral, vier a impor à vítima uma alteração significativa de seus objetivos de vida, com danosas repercussões em sua vida social e familiar. Logo, o dano existencial decorrente do assédio moral ocorrerá ante a impossibilidade de se concretizar planejamentos de vida ou mesmo de dar continuidade às atividades sociais e familiares, em especial, típicas no fluxo normal da existência daquele ser humano. Ao se aferir a potencialidade lesiva do processo de assédio moral, a ocorrência do dano existencial torna-se uma possibilidade significativa, reclamando uma indenização de maior vulto.
Outro ponto que deve ser ressaltado é o fato do dano existencial exigir a comprovação de ocorrência efetiva do gravame ao projeto de vida da vítima. Portanto, trata-se de uma abordagem diferenciada daquela ensejada pelo dano moral, posto que o dano existencial não pode ser presumido, devendo ser extraído da análise do caso concreto, com as devidas cautelas.
Assim, defendemos uma concepção de dano existencial mais ampla que aquela tradicional, inclusive com a real possibilidade de vir a despontar como consequência da prática do assédio moral, diante dos protocolos de degradação da dignidade da pessoa humana caracterizados nessa relação. O tema está aberto aos estudos em busca de uma futura consolidação.