Assédio ambiental: ao empate!

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Empatar: impedir as derrubadas (1)

A modalidade Assédio Ambiental já fora delineada em artigo “Assédio Ambiental Greenpeace e Flecheiros” e, assim definiu-se:

“Trata-se do assédio que alguém pode sofrer ao defender o meio ambiente, mostrando as dificuldades daqueles que pretendem garantir o direito ao meio ambiente. Assim, o assédio origina-se em virtude de reivindicações por causa de incumprimento ou insuficiência da normativa ambiental. Pode este assédio ser perpetrado por Estados ou quaisquer outros sujeitos. Os ativistas são as vítimas mais frequentes desta modalidade de Assédio Ambiental, sofrendo desde ameaças de morte, encarceramentos e outros entraves burocráticos.” (2)

 

Senado Notícias

 

Aliás, naquele texto, fez-se menção ao caso mais simbólico de Assédio Ambiental no país com infeliz resultado: a brutal morte de Chico Mendes.

Agora, depara-se com novo capítulo de Assédio Ambiental, novamente contra um dos maiores defensores do meio ambiente, que sacrificou a própria vida em prol da floresta e da natureza e, o mais odioso e repugnante neste ínterim: o acosso fora perpetrado sobre a memória do notório seringueiro e sindicalista.

Como sói acontecer, à ínfima estatura do assediador, contrapõe-se a grandeza da vítima. Vejamos:

Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como “Chico Mendes”, foi um ativista ambiental brasileiro. Seu árduo combate pela preservação da Amazônia o fez conhecido e reconhecido no mundo todo, acarretando sua morte violenta aos 22 de dezembro de 1988, em Xapuri.

Acompanhando seu pai também seringueiro, aprendeu desde cedo o ofício. Autodidata, apreendera a ler somente aos 20 anos de idade, afinal, não havia escolas nos seringais.

Impactado pela devastação de inigualável patrimônio, principia na luta pela floresta, que tem nos seringueiros – como de conhecimento universal – signo associado à preservação em experiência secular.
Trago as palavras de sua filha, Angela Mendes:

Chico Mendes, com sua capacidade e os apoios iniciais, convocou, como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, o I Encontro Nacional dos Segingueiros, realizado entre os dias 10 e 17 de outubro de 1985, na UnB, em Brasília, com mais de 120 seringueiros e seringueiras da Amazônia toda.
Naquele Encontro, além de mostrar ao mundo que a floresta amazônica não era um ‘vazio demográfico’, como diziam as políticas oficiais, mas sim, que havia populações residindo dentro dela e que a faziam produtiva, ao mesmo tempo em que a preservavam e conservavam para as gerações futuras, lançaram ideias novas.
Ameaçados pela ‘politica de ocupação da Amazônia’, promovida, desde a implantação da ditadura militar, com a facilitação da devastação para os ‘grandes fazendeiro’ que expulsavam os posseiros e ocupantes tradicionais, os seringueiros discutiram que queriam uma garantia de que poderiam cotinuar vivendo como seringueiros, na floresta, usando-a sem destruí-la e sem necessidade de serem os ‘donos da terra’, e sim, apenas e tão somente, que pudessem usufruir das riquezas da floresta, que deveria continuar como ‘BEM PÚBLICO’, patrimônio da União, de todo o povo.
Portanto, conservado pelas populações tradicionais, como eram – e este foi o exemplo – as Resevas Indígenas. A partir dessa ideia, criaram o conceito das RESERVAS EXTRATIVISTAS, que era – e continua sendo – extremamente avançado, pois propõe a possibilidade de CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE através das POPULAÇÕES TRADICIONAIS, que já o manejam há séculos, ao mesmo tempo em que o faz produtivo, serando emprego e renda a MILHARES DE FAMÍLIAS e, mais, como uma REFORMA AGRÁRIA adequada para a Amazônia, sem a busca da PROPRIEDADE DA TERRA, um dos pilares da nossa sociedade semariana, que se estende ao longo de mais de 500 anos.
A proposta, inicialmente vista com reservas pelos ‘ambientalistas puros’, que sempre acharam que o ser humano não consegue ser conservacionista e produtor ao mesmo tempo, foi, exatamente em função da atuação de Chico Mendes como porta-voz, explicando a todos como isso era possível, passou a ter o apoio dos mais diferentes setores da sociedade brasileira e dos ambientalistas do mundo.
” (3)

 

Em 1987, a Organização das Nações Unidas (ONU) conferiu a Chico Mendes o Prêmio Global 500. Tal premiação objetivava parabenizar personalidades com contribuições extensas a partir de projetos concebidos com o fito de conservar o meio ambiente da destruição humana, sendo Chico Mendes único brasileiro a conquistar esta honraria.
Pensador de política pública original – RESERVAS EXTRATIVISTAS -, imaginou fórmula para obstar a concentração fundiária e o êxodo rural com atrelada marginalização urbana, frutos dos conflitos de terra tão antigos quanto ainda hoje, comuns, tudo inserido numa relevante demanda socioambiental.
Destarte, estão elas legalmente disciplinadas consoante artigo 18 da Lei 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC):

 

Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
§ 1o A Reserva Extrativista é de domínio público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionais conforme o disposto no art. 23 desta Lei e em regulamentação específica, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
§ 2o A Reserva Extrativista será gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade.
§ 3o A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área.
§ 4o A pesquisa científica é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, às condições e restrições por este estabelecidas e às normas previstas em regulamento.
§ 5o O Plano de Manejo da unidade será aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.
§ 6o São proibidas a exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional.
§ 7o A exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista, conforme o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade
. (g.n.)

 

Noutros termos, as RESEX expressam comunidades injustiçadas e carentes gerenciando defensivamente uma riquíssima biodiversidade – convenhamos um perigo para os apedeutas:

Esta política de criação de áreas protegidas para o uso sustentável de populações tradicionais teve êxito politicamente porque criou um mecanismo institucional de resolução de conflitos em torno da terra e da floresta; socialmente, porque assegurou meios de vida para as gerações atuais e futuras; culturalmente, porque respeitou formas tradicionais de uso dos recursos naturais; e ambientalmente, porque impediu o avanço dos desmatamentos.” (4)

A importância de Chico Mendes centra-se por conseguinte, numa inteligente estratégia de uso da força do inimigo contra ele mesmo: alçar o componente econômico como aliado da saúde ambiental, em absoluta justiça social.
De novo, para quem não entendeu: resolveu a equação desenvolvimento sustentável (pobreza x meio ambiente). Em ecossistema precioso para o Brasil e para o planeta, as RESEX garantem autonomia produtiva, uso tradicional do seringal, extrativismo sustentado, direito à terra, inclusão nas ações governamentais daqueles sem voz, e dão “(…) à questão ambiental um nível de inserção social que nunca estivera antes presente em nenhum outro país do mundo.” (5)
Aliás, para os ignorantes de plantão, Chico Mendes é reconhecido como um dos grandes homens de nossa nação, estando seu nome no respectivo Livro dos Heróis e das Heroínas da Pátria, exposto no Panteão da Pátria, leia-se, Praça dos Três Poderes, ao lado de outras personalidades imortais como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Santos Dumont, Getúlio Vargas, Villa-Lobos, Anita Garibaldi, Leonel Brizola, Zuzu Angel, Machado de Assis, Carlos Gomes, Euclides da Cunha e outros, 43 gigantes de nossa história.
Em tempos criminosamente enlameados, conspurcar a imagem de uma efígie desta envergadura, e mais desastrosamente, não se desculpar ou calar-se mas, estender a agressão para aqueles que direta ou indiretamente devotam respeito ao seu legado perfaz mais um capítulo deste filme de terror que se iniciou em 01 de janeiro de 2019.
Ao Empate!

Referências
(1) Empates: manifestações de ativismo político em prol da preservação da floresta amazônica pelos seringueiros. Consistem em correntes de pessoas com as mãos dadas em torno da área a ser devastada e assim impedem o seu desmatamento, ou ainda cercam os trabalhadores encarregados do desmatamento e levam seu líder a assinar um documento assegurando que o trabalho será paralisado.
(2) Disponível em: http://estadodedireito.com.br/assedio-ambiental-greenpeace-e-flecheiros/ . Publicado aos 18 de setembro de 2017.
(3) Disponível em: https://jornalistaslivres.org/angela-filha-de-chico-divulga-dura-nota-do-comite-chico-mendes-o-ministro-do-meio-ambiente-e-hoje-o-porta-voz-dos-que-pensam-que-podem-matar-um-imortal/ . Acesso em: 15 fev. 2019.
(4) Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/13423/9048 . Acesso em: 15 fev. 2019.
(5) Ibidem.

 

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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