Artigo publicado na 45ª edição do Jornal Estado de Direito – http://issuu.com/estadodedireito/docs/ed_45_jed./
Pedro Demo – Possui graduação em Filosofia – Bom Jesus (1963) e doutorado em Sociologia – Universität Des Saarlandes/Alemanha (1971). Professor titular aposentado da Universidade de Brasília, Departamento de Sociologia. Professor Emérito. Fez pós-doutorado na UCLA/Los Angeles (1999-2000). Tem experiência na área de Política Social, com ênfase em Sociologia da Educação e Pobreza Política. Trabalha com Metodologia Científica, no contexto da Teoria Crítica e Pesquisa Qualitativa. Pesquisa principalmente a questão da aprendizagem nas escolas públicas, por conta dos desafios da cidadania popular. Publicou mais de 90 livros.
A noção de aprendizagem como autoria foi reforçada pelas novas tecnologias digitais capazes de promover a geração de conteúdo próprio. O uso mais comum na escola/universidade não é este, mas o clássico instrucionista – repassar conteúdo curricular de modo mais excitante para memorizar ainda mais eficientemente. A Wikipédia é um clube de autores – todos podem editar e para ser participante há que produzir alguma coisa. Mas autoria sempre foi parte essencial das grandes teorias da aprendizagem, desde a maiêutica, passando pelo construtivismo e sociointeracionismo, e chegando à neurociência atual que define aprendizagem como dinâmica “autopoiética” (na versão de Maturana), ou seja, como movimento de dentro para fora, na condição de autor. Pressões e condições externas são também importantes, porque vivemos em sociedade e ecologicamente, mas a motivação maior é a intrínseca. Assim, o estudante aprende se estuda, pesquisa, elabora, participa, não escutando aula. Esta pode servir, mas sempre em posição supletiva, no máximo. O que faz a aprendizagem do estudante não é a fala do professor, que serve de estímulo externo apenas e nisto pertinente. Para aprender é boa ideia fazer o estudante pesquisar/elaborar, exercitando autoria, todo dia, para que se torne protagonista da sociedade/economia do conhecimento.
O sistema instrucionista que temos vigente no país aposta em repasse de conteúdo (ambiente de “cursinho”), via aula (em geral copiada, para ser copiada), mantendo estudante como “objeto” de transmissão de cima para baixo e de fora para dentro, cabendo-lhe escutar atentamente, tomar nota e fazer prova. Isto tem sido enormemente reforçado pelos testes padronizados (tipo Ideb) que pedem memorização de conteúdo, não sua elaboração autoral. O fato de tanta gente tirar zero em redação retrata a falta de autoria na escola, começando pela do professor que, em sua (de)formação, não lhe foi solicitada. Com o domínio da “apostila”, o conteúdo vem pronto e envelhecido, bastando ser repassado e memorizado, encontrando na prova a verificação da reprodução. No último Ideb de 2013, a escola privada – a que mais badala o ambiente de “cursinho” instrucionista – não conseguiu atingir a meta prevista para 2013, nem nos anos iniciais do ensino fundamental, nem nos anos finais e muito menos no ensino médio. No ensino médio, além de não atingir a meta prevista para 2013, a cifra caiu de 2011 para 2013. Embora o Ideb não seja grande coisa em termos pedagógicos, indica um fracasso redondo de um sistema reprodutivista arcaico e moribundo. A escola pública saiu-se um pouco melhor, mas também é vítima do mesmo instrucionismo, mantendo cifras abaixo da escola privada. Ocorre, então, que a escola não é lugar de aprendizagem; é de aula. Aula temos um monte, sempre mais, mas contraproducente. A série histórica do Saeb/Ideb, desde 1995, aponta que em 1999 teria ocorrido a maior queda de desempenho conhecida ultimamente: em língua portuguesa a queda chegou a quase 20 pontos e logo depois que a LDB passou o ano letivo para 200 dias. O aumento do ano letivo – que, na prática, é apenas aumento de aula – teria sido flagrantemente contraproducente. Mas temos obsessão por aula. Inventamos um 9o ano (para dar mais aula), e há dois anos o MEC acrescentou mais 20 dias. Confundimos aula com aprendizagem – nada contra termos 220 dias de aprendizagem, não de aula.
Problema central é que nossos professores não são autores. Pedagogia e licenciaturas rivalizam entre os priores cursos da universidade, no que os candidatos a professor não têm qualquer culpa. A universidade é que deveria cair em si e perceber que não oferece chances de aprender, apenas aulas copiadas para serem copiadas. O programa PIBIC, do CNPq, é exemplo de como se pode melhorar a aprendizagem via pesquisa, porque oferecemos ao estudante a chance de autoria: além de aprender a pesquisar e produzir ciência, forma-se melhor. Todo professor de escola hoje precisa ser pesquisador, autor, produtor de conhecimento próprio, para poder estar à altura das expectativas da sociedade e da economia, estando assim capacitado a fomentar a autoria do estudante. Autoria, é preciso dizer, tem limites – ninguém é autor consumado, porque ninguém é propriamente “original”. A natureza produz novos seres a partir de outros existentes; não cria do nada. Isto se tornou ainda mais claro com autorias coletivas (da Wikipédia, por exemplo), tecidas a muitas mãos, e com as análises mais recentes de que gênio isolado não existe. Tal qual o desafio da autonomia, autoria deve ver-se como maneira de compartilhar conhecimento com outros autores, de forma rival e participativa, agregando ao bem comum. É preciso retomar a visão maiêutica da autocrítica. Sócrates achava que conhecimento útil é aquele com desconfiômetro, que sabe dos limites e faz dos limites desafios, indefinidamente. Conhecimento último não existe, muito menos autor último. Somos todos transeuntes que precisamos de todos. Autocrítica é a coerência da crítica – crítica que não aceita crítica, nunca foi crítica. Autoria é promovida por pedagogias alternativas como da problematização, projeto, pesquisa, nas quais o estudante é o protagonista da própria aprendizagem, que, a rigor é sempre autoaprendizagem. Professor passa a ocupar seu lugar próprio, de orientador, avaliador, motivador, parceiro, agindo como motivação externa fundamental. Quem não produz conhecimento próprio, copia dos outros. É a “essência” do subdesenvolvimento!