Acompanhamento do Projeto Artinclusão no AR7
As oficinas ocorreram uma vez por semana de junho de 2019a janeiro de 2020. Seus participantes foram crianças e adolescentes que vivenciaram rompimento nos vínculos e participam de audiências judiciais para que seus futuros sejam decididos. Por ser um abrigo de passagem, a cada semana o grupo se modificava: uns participavam por somente uma ou duas vezes, outros por um tempo mais longo, de forma que toda semana chegavam novas crianças. Para que o projeto alcançasse seu potencial terapêutico era necessário que tivesse um enquadre muito bem definido. Ou seja, que os encontros fossem realizados em um ambiente fechado e acolhedor, onde a porta permanecesse na maior parte do tempo fechada e que os adultos e educadores que estivessem presentes direcionassem a atenção dos participantes para o coordenador quando houvesse distrações, evitando conversas paralelas. Dessa forma, utilizou-se sempre a mesma sala, mantendo o mesmo horário e dia da semana e o coordenador lembrou a todos sobre a importância de manter o foco na oficina para que as crianças e adolescentes pudessem ter um bom aproveitamento. Algumas vezes não foi possível manter a porta fechada por muito tempo em função da rotatividade de membros da equipe do abrigo. Ainda assim, as crianças tiveram uma ótima participação, evidenciando interesse em pintar e experimentar as técnicas propostas pelo coordenador.
Os encontros foram muito esperados pelas crianças e adolescentes. Com frequência eles perguntavam quando ocorreria aoficina novamente. Observou-se um grande interesse por criarem suas próprias obras de arte, principalmente depois de participarem da oficina pela primeira vez, aguardando ansiosamente a continuidade dos encontros. Demonstraram gostar dos trabalhosassim como se identificaram com muitas das histórias dos artistas nacionais e internacionais contadas pelo coordenador como parte das atividades. Observou-se que a oficina contribuiu como oportunidade de resignificar o próprio sofrimento através da pintura, integrando sentimentos ambivalentes e promovendo saúde mental. As experiências de descontinuidade nos vínculos e exposição a situações traumáticas deixam marcas no psiquismo. Dessa forma, a oportunidade de instigar a “capacidade criadora” dos participantes no sentido mais básico – entendendo a “capacidade criadora” como uma disposição para entrar em contato com os mais precários estados psíquicos através da arte -, ajudou a promover a construção de novas redes e conexões emocionais que permitissem lidar com angustias relacionadas aos vínculos familiares. Romper um vínculo assim como vivenciar experiências traumáticas nas relações afetivas pode ser equivalente a perder uma parte do corpo: os vínculos são carregados de veias e sangue invisíveis, mas que estão aí pulsantes entre nós, marcando nossas existências. A criança e o adolescente que passou por situações traumáticas precisa de espaços para experimentar novos investimentos e a arte chega com todo esse potencial, ainda mais este projeto coordenado por um educador e artista acostumado a trabalhar com jovens em situação de vulnerabilidade.O espaço artístico possibilitado pelo coordenador – que se mostrou sensível as necessidades dos participantes -, ofereceu elementos psíquicos através de cores, formas e movimentos que podem ser análogos a novas lentes para enxergar uma situação difícil. O clima de um abrigo de passagem, em função das vivências de seus moradores, pode ser de muita angustia, urgência, correria, desesperança, pois o medo de como será o dia de amanhã consome a capacidade de tolerância. “Será que vou sobreviver a tudo isso?”, muitas crianças se indagam. Sendo assim, esse projeto foi uma intervenção mais do que artística. Ofereceua oportunidade para experimentar diferentes formas deser na presença do outro, bem como entrar em contato com a própria vulnerabilidade de uma maneira saudável e criativa. Segue abaixo alguns depoimentos escutados durante os encontros: “Eu sonhei com isso. Sonhei que eu chegava num abrigo grande muito grande, me davam arroz e feijão e eu pintava assim como estou pintando…eu gosto dessas cores”. (Menina de 5 anos). “Esse é o meu monstro. Ele é muito brabo e faz cara feia quando alguém chega perto. Se chama Momo. O da minha irmã ficou parecido…mas é Mama…” (Menino de 7 anos). “Estou fazendo sangue…muito sangue…o monstro gosta de sugar o sangue dos outros. Tipo um vampiro. Não deixa ninguém em paz.” (Menino de 9 anos) “Eu estou gostando bastante de pintar…dá trabalho, mas depois a gente olha e vê que ficou legal…que ficou bonito” (Menina de 12 anos).
Marília S. Krüger Psicóloga e Especialista em Psicoterapia da Infância e Adolescência pelo CEAPIA
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2020
Fotos em: https://www.artinclusao.com.br/post/aprecia%C3%A7%C3%A3o-psicol%C3%B3gica-do-artinclus%C3%A3o-no-ar7