Agosto Lilás: mês de conscientização e combate à violência contra a mulher

O mês de agosto é dedicado à conscientização e combate à violência contra a mulher, a partir da campanha Agosto Lilás, criada pelo Governo Federal. A intenção é mobilizar as instituições e a sociedade, informando e convocando a nação a dar atenção às mulheres em situação de violência. Assim, estabelece-se ao longo do mês uma série de eventos e políticas públicas para pensar e atuar contra esse tipo de violência.

A campanha se dá no mês de agosto em razão da publicação da lei Maria da Penha (n. 11.340/2006) nesse mesmo mês (em 07 de agosto de 2006). Lei esta que representa um marco no combate à violência doméstica no Brasil e que completa, este ano, dezenove anos.

Nesse sentido, é importante lembrar dos avanços dessa legislação, que criou mecanismos para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, alinhado ao §8o do artigo 226 da Constituição Federal e aos marcos normativos internacionais como a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Assim, criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e trouxe importantes alterações ao Código Penal (arts. 61, II, f, 129, §§9o e 11o) de Processo Penal (art. 313, IV), à Lei de Execução Penal (art. 152, parágrafo único) e outros avanços que mais adiante se aponta.

Portanto, diante deste mês, convém destacar os números atuais de violência contra a mulher no país e também apontar ambientes, normativos e institucionais, de proteção e cuidado, a fim de enaltecer a necessidade dessas medidas e informar seus espaços.

Nesse sentido, a partir Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 (que analisa dados de 2024), houve uma diminuição da taxa global de mortes violentas no Brasil, mas o número de feminicídio e tentativas de feminicídio aumentaram no país. Foram 1.492 vítimas de feminicídio (aumento de 0,7%) e 3.870 vítimas de tentativa de feminicídio (aumento de 19%), além de 51.866 registros de violência psicológica (aumento de 6,3%) e 95.026 de stalking (aumento de 18,2%). No entanto, a tipificação do feminicídio se deu pela lei 13.104/2015 e, a partir de 2016, completando um ano da vigência da lei, o aumento vem desalecelerando nas últimas análises (com exceção).

As taxas de incidência de violência contra a mulher também apresentam preocupação global. No mundo, o anuário da ONU aponta aumento da violência contra a mulher em todos os continentes, sendo mais de 51 mil pessoas do gênero feminino mortas por seus parceiros ou membros de sua família em 2023. São 140 mulheres mortas todos os dias no mundo.

Ainda sobre os crimes de feminicídio praticados no Brasil, é importante fazer três destaques: (1) dentre as vítimas, a maioria é negra (63,6%); (2) a cada dez mulheres mortas, oito são por companheiros ou ex-companheiros; e (3) a maioria (64,3%) delas são mortas em casa.

Ou seja, a maior parte da violência contra a mulher é praticada por aqueles que mantêm um vínculo afetivo, a indicar uma lógica de relação baseada na objetificação da mulher, tornando-a posse do homem e/ou subjugada por um valor supostamente menor. É dizer, relações amparadas na lógica patriarcal e machista que permeia a vida social. É por essa razão que o enfrentamento da violência contra a mulher na sociedade brasileira deve passar por um profundo debate e educação de gênero, ensinando, desde cedo, o respeito e o importante valor da dignidade humana e da igualdade de gênero, que deve reverberar na sociedade brasileira para além do texto constitucional. Acolher as vítimas e punir o agressor são medidas, evidentemente, indispensáveis para enfrentar a violência contra a mulher, mas medidas educacionais representam além da esperança, mecanismo apto a mudar, permanentemente, essas taxas que nos empurram para uma realidade dura.

Esses dados alarmantes revelam a necessidade de políticas públicas contínuas, a fim de proteger as mulheres dessas situações e conferir o devido acolhimento às mulheres vítimas de violência. Assim, a própria Lei Maria da Penha estabeleceu a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, proibiu as penas de multas ou cestas básicas para esse tipo de crime, determina que a vítima esteja sempre acompanhada de advogado, possibilitou a decretação de prisão preventiva em caso de riscos à integridade física e psicológica da mulher, que a mulher será avisada do ingresso e saída do agressor da prisão, ademais, conferiu a possibilidade de se determinar a participação, do agressor, em programas de recuperação e reeducação, além da possibilidade de aplicação de medicas protetivas de urgência.

Dentre as medidas protetivas, destaca-se a restrição do porte de arma de fogo, à luz do artigo 12o, VI-A, da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda (Ato Normativo n. 0007751-33.2021.2.00.0000) a apreensão de arma de fogo que esteja sob poder do agressor e suspensão da posse ou restrição do porte de armas. Além disso, a proibição do agressor de se aproximar da mulher, filhos, parentes ou testemunhas, seu afastamento do domicílio e proibição de frequentar determinados lugares. Essas medidas protetivas de urgência podem ser pedidas sem advogado na delegacia de polícia (especializada ou não), podendo ser solicitadas também online. A equipe da delegacia deve encaminhar o pedido ao juiz que terá o prazo de 48 horas para tomar uma decisão a respeito.

Para além da lei Maria da Penha, destaca-se também outras legislações que enfrentam a questão da violência doméstica contra a mulher:

  • lei n. 14.847/2024: dispõe sobre o atendimento de mulheres vítimas de violência em ambiente privativo e individualizado nos serviços de saúde restados no Sistema Único de Saúde (SUS);
  • lei n. 14.847/2024: determina o sigilo do nome da vítima de violência nos processos que apuram crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, a lei n. 14.887/2024 estabelece prioridade à mulher, vítima de violência, no atendimento para cirurgia plástica reparadora;
  • lei n. 14.986/2024: altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incluindo a obrigatoriedade de abordagens fundamentadas nas experiências e nas perspectivas femininas nos conteúdos curriculares, instituindo a Semana de Valorização de Mulheres que Fizeram História;
  • lei n. 14.540/2023: instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública;
  • lei n. 14.542/2023: estabelece prioridade no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine);
  • lei n. 14.674/2023: dispõe sobre auxílio-aluguel, a ser concedido pelo juiz em razão de situação de vulnerabilidade social e econômica da vítima afastada do lar;
  • lei n. 14.713/2023: altera o Código de Processo Civil e estabelece o risco de violência doméstica ou familiar como causa impeditiva do exercício da guarda compartilhada;
  • lei n. 14.717/2023: institui pensão aos filhos e dependentes, crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a ¼ do salário mínimo;

Ademais, espalhadas pelo país, existem os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (CREAM) que prestam os mais diversos serviços de atendimento à mulher vítima de violência. Nesses espaços, há profissionais de diversas áreas qualificados para uma escuta especializada, acolhimento, inclusão em atividades pedagógicas, orientação jurídica e para inclusão em programas sociais e para acesso a instituições competentes.

A realidade violenta à mulher nessa sociedade só poderá mudar com a soma dos esforços institucionais e da sociedade civil. Há bons caminhos nesses sentidos já percorridos, mas ainda há muito por fazer. Que a sociedade e o Estado estejam mobilizados e sensíveis a esta causa permanentemente, até que todas as mulheres possam viver suas diversas relações e exercer suas liberdades com segurança, respeito e dignidade.

Picture of Jessica Fachin

Jessica Fachin

Em Estágio Pós-Doutoral (UnB). Doutora em Direito Constitucional (PUCSP). Mestre em Ciência Jurídica (UENP). Graduada em Direito (PUCPR) e Licenciada em Letras (UEL). Professora Substituta na Universidade de Brasília (UnB) e professora Permanente no Programa de Mestrado em "Direito, Sociedade e Tecnologias" das Faculdades Londrina. Membro do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP. Advogada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias + lidas

Cadastra-se para
receber nossa newsletter