Afeto na relação familiar: Indenização por abandono afetivo

Artigo publicado na 42º Edição do Jornal Estado de Direito

Álvaro Villaça Azevedo

Doutor em Direito, Professor Titular de Direito Civil, Regente de Pós-Graduação e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP); Professor Titular de Direito Romano, de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo; Professor Titular de Direito Romano e Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo; Advogado e ex-Conselheiro Federal e Estadual, por São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil; Parecerista e Consultor Jurídico.

O abandono afetivo paterno tem sido reconhecido pelos Tribunais como causador de indenização por danos morais. Assim, não basta o pagamento regular de pensão alimentícia, mas é preciso que existam cuidados pessoais com os filhos pensionados, como um dever inafastável decorrente da paternidade ou da maternidade.

Os pais não são obrigados a amar seus filhos, mas a cuidar deles, material e imaterialmente. O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, exige esse respeito devido à pessoa. Os direitos e deveres da personalidade devem ser cumpridos, para que se valorize a pessoa com a dignidade necessária no convívio social.

Muitas decisões existem nesse sentido (In Revista Consultor Jurídico, de 14 de junho de 2004),como a do juiz Mário Romano Maggioni, da 2ª Vara de Capão da Canoa (RS), de agosto de 2003 (proc. 1.030.012.032-0) que “condenou um pai a pagar 200 salários mínimos à filha que alegou abandono material e psicológico” e a do juiz Luís Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível de São Paulo- SP (proc. 01.36747-0) que “condenou um pai a pagar à filha indenização de R$50 mil por danos morais e para custear tratamento psicológico”.

Em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, pronunciou-se a Ministra Nancy Andrighi (In JT Cidade, Jornal da Tarde de 03 de maio de 2012, Reportagem de Mariângela Gallucci, p. 9 A. julgamento do STJ, 3ª Turma, no REsp 1159242),que “Amar é faculdade; cuidar é dever”. Nesse caso, a decisão favoreceu uma mulher de 38 anos, que litigava há 12 anos, sob fundamento de que ela deveria ter sido cuidada em sua infância e juventude por seu pai, que foi, por esse descuidado, condenado a pagar indenização de 200 mil reais de danos morais.

Essa filha obteve o reconhecimento da paternidade por via judicial.

Declarou a Ministra Relatora em seu voto que “O cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente”… “Não se discute mais a mensuração do intangível – o amor -, mas sim, a verificação do cumprimento, descumprimento ou parcial cumprimento de uma obrigação legal: cuidar”.

E acrescento, também, quanto aos filhos na paternidade e na maternidade afetiva, em que o dever paterno e materno nascem do amor e do respeito à pessoa, que não pode ser abandonada e esquecida.

Nessa reportagem fui consultado e me manifestei favorável a essa decisão, lembrando, na oportunidade, que “Estamos na era do afeto, tudo é afetivo. A Justiça decide agora sobre uma série de problemas que antigamente não se consideravam”.

E acrescentei quanto ao valor da indenização fixada que o juiz leva em conta o poder econômico do pai, destacando “O STJ deve ter avaliado a vida do pai, se ele é um milionário, se leva uma vida de vantagens e se privou sua filha de certos benefícios”.

Em 50 anos de advocacia, tenho presenciado casos dolorosos de rejeição de paternidade, de pessoas que colocam o patrimônio à frente do sentimento ou que usam o interesse material para tirar vantagens indevidas, geralmente à época da morte dos responsáveis.

Reconhecer-se a paternidade, nem sempre, justifica o reconhecimento de direitos materiais.

A dor pelo não reconhecimento do amor é constante nos atos de nossa existência e necessitam de uma indenização, para penalizar a negligência, ao descaso, ao desamor, que deve ser medido de caso para caso, ainda que sua configuração material seja pro forma, simbólica.

Ninguém pode ser obrigado a amar, pois esse é também um direito da personalidade de quem exerce esse sentimento. Por tal razão, como menciona a Ministra Nancy Andrighi, a falta de cuidado deve ser apenada, para que não se desrespeite essa verdadeira responsabilidade social.

Quem gera um filho não está autorizado, pelo Direito Natural, a desprezá-lo, seja qual for a origem desse nascimento, se querido ou não.

O ser humano deve ser respeitado, essencialmente, como obra da Natureza, que precisa ser preservada, além das querelas e das fraquezas do ser humano.

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