Acumulação por espoliação

Coluna Democracia e Política

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Foto: pixabay

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Vivemos tempos de crise dos direitos sociais, mas o neoliberalismo vai bem, obrigado. As vitórias do governo Temer em propor reformas para a CLT e a Previdência significam que o neoliberalismo tem obtido sucesso em seu objetivo, o de cooptar o Estado para ampliação do rendimento do capital. Por isso é necessário mais uma vez, voltarmos a estudar o neoliberalismo e as formas de seu funcionamento.

O neoliberalismo sempre foi um prato cheio para as análises de esquerda. O quadro das análises foi resumido por Ruy Braga na última edição da revista Cult e vale apena rever. Para ele, as teorias marxistas de Tony Smith à Karl Polanyi caracterizam o neoliberalismo a partir de suas necessidades de acumulação, que são mais ou menos problemáticas em relação as formas políticas do estado capitalista. A ideia central é que,  espalhadas em várias cadeias de produção pelo mundo, as empresas terminam por concentrar poder em uma plutocracia internacional capaz de financeirizar a economia do planeta. O efeito é o aumento das desigualdades entre as classes sociais, crise econômica e formação do estado neoliberal.

Nesse contexto, o Estado nacional se torna refém das necessidades empresariais em tempos de crise ”Do ponto de vista das dinâmicas políticas, teríamos uma transição das formas de proteção social e solidariedade fordistas para um tipo de gestão pós-fordista concentrada em políticas de criminalização, punição e encarceramento massificado dos pobres”. Essa subordinação do estado ao capital iniciada nos entre-guerras ainda prossegue com diferenças a partir dos anos 80. Nesse contexto emergiram teorias de autores como David Harvey que veem a ascensão de práticas econômicas por espoliação caracterizadas pela “ privatização de empresas estatais, da moradia popular, dos recursos naturais, além do aprofundamento da mercantilização do trabalho por meio de ataques à legislação trabalhista e aos direitos previdenciários em escala global”. Para Ruy Braga, essas políticas impulsionaram a “terceira onda da mercantilização, ao dirigir processos de acumulação por espoliação por meio de estímulo à politicas privatizantes, da adoção de políticas de austeridade fiscal e da implementação de regimes agressivos de tributação”.

Não é exatamente neste ponto que encontram-se os projetos de reforma do governo Michel Temer e José Ivo Sartori? Suas políticas não encontram-se exatamente neste ponto, de constituirem-se como políticas de espoliação que colaboram no aumento das desigualdades entre as calasses sociais, fator necessário à mercantilização das infraestruturas necessárias a expansão capitalista no país? Esse alinhamento de processos de espoliação capitalista em todos os níveis de governo (União, Estado e no proximo ano, municípios ) é o equivalente daquilo que Ruy Braga chama de universalização da espoliação?

Diz Braga: “amparada na violência política do Estado neoliberal, a violência politica está presente na realidade na força dos órgãos politicais de estado contra manifestantes, no isolamento dos parlamento dos cidadãos, da ausência de negociação com órgãos representativos de programas de reforma, etc e de todos aqueles que tentam ir contra o projeto neoliberal.”

É só observar o modo como reagem as lideranças de estado a menor contrariedade popular com seus projetos. O uso da força policial contra manifestações pacíficas, o desejo de reforma legal para ampliar o significado de terrorismo para envolver manifestações dos movimentos sociais, a perseguição nas universidades por direções cooptadas e normativas legais de possíveis críticos é a forma pela qual o estado expressa de que lado está. No Rio Grande do Sul, na última semana, enfrentamentos entre servidores e governo levou ao isolamento da Assembleia Legislativa, também conhecida como “a casa dos grandes debates”. Que grande debate é esse que é feito com controle de acesso?

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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Ruy Braga vê no estudo de Pierre Dardot e Christian Laval, “A nova razão do mundo”, que esse novo patamar de espoliação do capital depende da cooptação de um estado a lógica do mercado e ao modelo empresarial de gestão “na qual os imperativos concorrenciais são progressivamente internalizados pelos indivíduos, criando novas disposições sociais mesmo quando nos encontramos relativamente distantes da esfera econômica”. As construções institucionais e as formas político-juridicas agora são de grande importância para o capital, trata-se de estabelecer uma governança com base na racionalidade concorrencial. Diz Braga ”o neoliberalismo não seria propriamente uma renovação do velho liberalismo, mas uma racionalidade global de novo tipo engajada na criação de políticas de apoio às empresas, de redução dos custos trabalhistas, de desmantelamento do grande adversário a ser batido são as formas de solidariedade classistas que ainda resistem as investidas desta racionalidade concorrencial”. A citação descreve com perfeição os avanços do governo Temer e Sartori.

Braga aponta que essa estratégia de incorporação de agentes inclui os partidos de esquerda, que assumiram a tarefa reformista de impulsionar dispositivos neoliberais para potencializar politicas públicas. Transformando cidadãos em empreendedores, a esquerda também colaborou para alinhar as classes subalternas aos interesses da neoliberação planetária. Essa é uma crítica que Braga tem feito reiteradamente ao PT em especial, que por deixar-se envolver em corrupção como outros partidos, perdeu a oportunidade de alavancar as grandes reformas sociais da qual foi promotor nos anos do primeiro governo Lula. A cedência da esquerda a um projeto de consenso, “A Carta aos Brasileiros “ mas não somente ela, teria levado a naufragar nos anos seguintes o projeto de Estado Social no Brasil.

O efeito da espoliação neoliberal, segundo os estudiosos, seria o nascimento do precariado urbano, atores cujas demandas por proteção social não são atingidas pelo estado e cujas relações de solidariedade encontram-se em dissolução porque inseridos nas relações de concorrência e desempenho. Pior: na medida em que os atores envolvidos cedem a estratégia que transforma cidadãos em empreendedores, mais colaboram para o sucesso da assimilação da lógica neoliberal.

Não nos enganemos: vivemos tempos de barbárie. A espoliação neoliberal afeta as classes subalternas,  impede a pacificação social e reverbera as inquietações sociais. A consequência é a informalização do trabalho que transforma cidadãos em “empreendedores”. Nesse aspecto, as principais vitimas terminam serem os trabalhadores terceirizados,  significando que o neoliberalismo radicaliza os conflitos.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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