Abuso Moral na família: lar não tão doce lar…

Coluna Direito da Família e Direito Sucessório

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A síndrome da alienação parental

Em 2010 foi sancionada a lei da Alienação Parental e desde lá estamos a cada dia que passa entendendo a sua extensão e amplitude. Mas antes de abarcamos como pertencente ao universo do direito, no universo da psicologia e da psiquiatria discutia-se e se discute a síndrome da alienação parental.

Isso implica dizer que desde a década de 70 estão sendo realizados uma série de estudos sobre a síndrome da alienação parental, e parte desses estudos decorre do alerta de Richard Gardner, que por atuar em varas de família nos Estados Unidos começou a perceber uma mudança significativa no perfil e na conduta de crianças e adolescentes.

O artigo 3o[1]. da referida lei nos traz que a prática de ato de alienação parental constitui abuso moral contra a criança e o adolescente ferindo assim, direito fundamental da criança ou do adolescente de uma convivência familiar saudável.

Pois considera-se alienação parental os atos que venham a interferir na formação psicológica da criança ou do adolescente.[2] Se o ato vem a interferir na formação psicológica da criança ou do adolescente na realidade estamos diante de uma violência que está sendo praticada contra essa criança ou adolescente, isso implica dizer que a criança ou o adolescente encontra-se numa situação de risco.

Além disso a inviolabilidade psíquica também é um direito fundamental da criança e do adolescente, conforme previsto no art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente[3].

Conforme Bruna Barbieri Waquim temos que

(…) há uma estreita relação entre a saúde do vínculo psicológico de pais (em sentido amplo) e filhos com a harmonia da convivência familiar. Quanto mais preservada a convivência entre filhos e genitores, mais saudável é o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças e mais forte são os laços socializadores que estabelecem com seus pais e mães, repercutindo no futuro em relações sociais maduras e equilibradas.[4]

Contudo se essa harmonia é prejudicada pelos atos de alienação parental iremos nos deparar com possíveis consequências e danos para as crianças e adolescentes e dentre essas consequências podemos destacar:

1)      Isolamento-retirada: A criança se isola do que a rodeia, e centra-se nela mesma, não fala com quase ninguém e se o faz, é de forma muito concisa, preferindo estar sozinha no seu quarto, em vez de brincar com outras crianças, mormente se filho único, perdendo o único outro referencial e passando a viver somente com o pai ou com a mãe, sentindo-se literalmente sozinha e abandonada, abandono e vazio a que nos referimos que não pode ser suprido por qualquer figura senão a do próprio pai.

Foto: Pixabay

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2)      Baixo rendimento escolar: Por vezes associado a uma fobia à escola e à ansiedade da separação – a criança não quer ir à escola, não presta atenção nas aulas, mas também não incomoda os seus companheiros, não faz os deveres com atenção, apenas quer sair de casa, a apatia que mostra relativamente às tarefas que não são do seu agrado alarga-se a outras áreas…. e isto é detectado a posteriori, não de imediato, mormente quando na fase das visitações.

3)      Depressão, melancolia e angústia: Em diferentes graus, mas ocorre e infelizmente é recorrente.

4)      Fugas  e rebeldia: Produzem-se para ir procurar o membro do casal não presente, por vezes para que se compadeça do seu estado de desamparo e regresse ao lar ou pensando que será más feliz ao lado do outro progenitor.

5)      Regressões: Comporta-se com uma idade mental inferior à sua, chama a atenção, perde limites geralmente impostos pela figura paterna, perde o ‘referencial’, e mesmo pode regredir como ‘defesa psicológica’ em que a criança trata de ‘retornar’ a uma época em que não existia o conflito atual, e que recorda como feliz.

6)      Negação e conduta anti-social: ocorrem em simultâneo – por um lado a criança, (e mesmo as mães quando em processo de separação ou recém separadas, o que pode levar até mais de 5 anos para ‘superar em parte’) nega o que está a ocorrer (nega que os seus pais se tenham separado apesar da situação lhe ter sido explicada em diversas ocasiões e finge compreender e assimilar e mesmo negar e ignorar mas internaliza), e, por outro lado sente consciente ou inconscientemente que os seus pais lhe causaram dano, o que lhe dá o direito de o fazer também, provocando uma conduta anti-social.

7)      Culpa: a criança se sente culpada, hoje ou amanhã, em regra mais tarde, pela situação, e pensa que esta ocorre por sua causa, pelo seu mau comportamento, pelo seu baixo rendimento escolar, algo cometido, e pode chegar mesmo a auto castigar-se como forma de autodirigir a hostilidade que sente contra os seus pais, inconscientemente.

8)      Aproveitamento da situação-enfrentamento com os pais: Por vezes, a criança trata de se beneficiar da situação, apresentando-a como desculpa para conseguir os seus objetivos ou para fugir às suas responsabilidades ou fracassos. Por vezes, chega mesmo a inventar falsas acusações para que os pais falem entre si, apesar de o único resultado destas falsas acusações ser até mesmo piorar o enfrentamento entre os seus genitores.

9)       Indiferença: A criança não protesta, não se queixa da situação, age como se não fosse nada com ela, sendo esta outra forma de negação da situação.

10)    Mais de 50% de adolescentes que cometem crimes graves e homicídios delinquentes vivem em lares de pais separados;

11)    A maioria dos delinquentes adolescentes e pré-adolescentes problemáticos cresceram distantes de um genitor;

12)    Crianças sem a presença do pai têm até 2 vezes mais probabilidades de baixo rendimento escolar e desenvolverem quadros de rebeldia a partir da 3ª infância;

13)    Em crianças e adolescentes com comportamento rebelde ou alterações emocionais o fato é até 10 vezes mais provável em face de distanciamento da figura do pai;

14)    A taxa de suicídio (ou tentativa) entre adolescentes estadunidenses de 16 a 19 anos de idade triplicou nos últimos anos, sendo que de um em cada quatro suicídios ou tentativas de auto-extermínio, três ocorreram em lares de pais ausentes ou distantes;

15)    Crianças na ausência do pai estão mais propensas a doenças sexualmente transmissíveis;

16)   Crianças na ausência do modelo do pai estão mais propensas ao uso de álcool e tabagismo e outras drogas;

17)    Filhas distantes de pai têm até 3 vezes mais chances de engravidarem ou abortarem ao longo da adolescência ou durante os anos de faculdade;

Foto: Unsplash

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18)    Crianças na ausência do pai são mais vulneráveis a acidentes, asma, dores, dificuldade de concentração, faltar com a verdade e até mesmo desenvolver dificuldades de fala;

19)    Em cada 10 crianças, apenas uma vê seu pai regularmente, e ainda assim, apresenta graves sintomas e traumas que tendem a acentuar-se a partir da 3ª infância, mormente na pré-adolescência e adolescência, ausente a figura do pai, principalmente em lares de mães criando filhas;

20)    Cerca de 20% das crianças que vivem com seus pais, quando perguntado o nome de adultos que você admira e se espelha responderam como sendo “seu pai”. Esse número, quando perguntado a criança que vive sem pai, sobe para a casa dos 70%.

21)    Professores, terapeutas e outros têm maior dificuldade em lidar com filhos de pais separados;

22)    Jovens com apenas um dos pais são até 3 vezes mais propensos a problemas comportamentais comparados aos que têm pai e mãe sempre presentes na mesma casa e aqueles perdem grande parte da vida em infindáveis acompanhamentos terapêuticos com frequência até 5 vezes maior, de acordo com a ´National Survey of Children´;

23)    Vivendo em uma família sem o pai/mãe, a disciplina cai e as chances da criança se graduar com êxito em nível superior cai em até 30%;

24)    A ausência ou distanciamento do pai/mãe tende a se repetir. Meninas que crescem apenas com a mãe têm o dobro de probabilidade de se divorciarem.

25)    Meninas que crescem distantes da figura do pai têm mais chances de perder a virgindade antes da adolescência;

26)    Meninas distantes do pai têm mais chances serem vítimas de pedofilia e mesmo de procurarem em figura masculina mais velha, o ‘eu’ do pai distante, ou, se mais novos, precocemente darem início a atividades sexuais.

27)    Meninas que cresceram à distância do pai são em regra mais vulneráveis que filhas que moram com ambos os pais;

28)   O pai é tido como importante “normatizador da estrutura mental e psíquica da criança”; o excesso de presença materna põe em risco a construção mental da filha e isto ocorre em inúmeros casos, mormente com filhos únicos, onde nem sequer haverá mais o referencial do pai gerando a clássico processo da chamada “‘fusão” da mãe.

29)   O que impera é a convicção de que a mãe e filho bastam-se um para o outro levando a mãe a crer, a curto e médio prazos, que poderá suprir todas as necessidades da filha e dela mesma pelo resto da vida, o que, a bem da verdade, vai gerar distúrbios na mãe e também desvios emocionais na criança.

30)   Na edição da “Review of General Psychology”, cientistas informaram que o grau de aceitação ou rejeição que uma criança recebe – e percebe – do pai, afeta seu desenvolvimento de forma tão profunda quanto a presença ou ausência do amor materno.

31)   O amor paterno – ou a falta dele – contribui tanto quanto o amor materno para o desenvolvimento da personalidade e do comportamento das crianças. Em alguns aspectos, o amor do pai é até mais influente.

Foto: Pixabay

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32)   A ausência do amor paterno está associada à falta de auto-estima, instabilidade emocional, irregularidades hormonais, introspecção, depressão, ansiedade, rejeição, negação, vivendo  a criança em um mundo irreal num ‘universo paralelo’, fantasiando um ‘pai’ que lhe foi roubado e desencadeando outras inverdades e surtos em face de se ver transformada em uma “ÓRFÃ DE PAI VIVO”.

33)   Também restou provado que receber carinho dos pais tem para a criança um efeito positivo igual sobre a felicidade, o bem estar, o sucesso acadêmico e social, da 1ª infância à fase adulta.

34)   Verificou-se ainda que em certas circunstâncias o amor paterno tem um papel ainda mais importante que o materno.

35)  Estudos descobriram que o amor do pai é um fator isolado determinante, quando se trata de filhos com problemas de disciplina, limites, personalidade, conduta, delinquência, ou envolvimento com álcool, sexo, fumo e outras drogas.

36)   Entrevistas com um grupo de 5.232 adultos entre 30 e 50 anos, foram novamente questionados após 5 anos e concluiu-se que, aqueles que não se separaram encontraram o equilíbrio, entenderam e resolveram as fontes de conflito, como dinheiro, familiares, depressão, distanciamento e até mesmo infidelidade, diminuem com o tempo, e, sem o distanciamento, o processo é absurdamente mais rápido e menos traumático para todos.

Outros disseram, ainda, que conseguiram lidar melhor com o marido, algumas vezes com a importante ajuda de amigos imparciais – lembrem-se, infelizmente há inveja no ser humano – ou de psicólogos, ou ameaçando a separação. Mas os casais que se separaram ficaram submetidos a situações onde o indivíduo tem pouco ou nenhum controle, com as novas reações, das crianças, incertezas e medos de novas relações mormente se a questão afetivo-sexual era intensa entre os dois, tendo permanecido, em grande parte, solitários.

37)    É da singularidade do pai ensinar à filha o significado dos limites e o valor da autoridade, sem os quais não se ingressa na sociedade sem traumas. Nessa fase, a filha se destaca da mãe, em regra não querendo mais lhe obedecer, e se aproxima mais ainda do pai: pede para ser amada por ele, e espera dele, do pai, esclarecimentos para os problemas novos que enfrenta. Pertence ao pai fazer compreender à filha que a vida não é só aconchego, mas também estudo, trabalho e doação; que não é só bondade, mas também conflito, que não há apenas sucesso, mas também fracasso, que não há tão somente ganhos, mas também perdas.

38)    O pai volta-se mais para as características da personalidade e limites necessários para o futuro, mormente limites da sexualidade, independência, capacidade de testar limites e assumir riscos e saber lidar com fracassos e superação.

39) Os valores da criança são distorcidos, mormente em genitoras de alto poder aquisitivo ou de famílias abastadas e coniventes, literalmente havendo uma “negociata”, “comprando-se” o afeto da criança (e, sublinarmente ´competindo´ com o outro pólo menos abastado) com viagens, agrados, mimos (crianças de 6 anos, hoje, ganhando viagens ao exterior e SmartPhones de última geração da casa dos R$ 4.000,00 mil reais… etc…, acreditando tais alienadores, e transmitindo isto aos filhos: que “o dinheiro compra a felicidade… e substitui a figura de um pai/mãe.” Triste mas real.[5]

Nesse breve resumo das possíveis consequências da alienação parental, podemos verificar que a criança e o adolescente quanto expostos aos atos de alienação parental encontram-se portanto, em situação de risco.

Para Rosana Barbosa Cipriano Simão[6] a questão de combate à alienação parental é de interesse público não limitada ao espaço doméstico pois a paternidade/maternidade responsável irá preservar a saúde mental de nossas crianças e adolescentes. Depreende-se portanto que na ausência do referido ambiente, em decorrência dos atos de alienação parental, teremos crianças e adolescentes com a sua psique comprometida e podendo apresentar as consequências apontadas acima.

Por conseguinte a ação de alienação parental deve ser direcionada para a vara de infância e juventude, nas localidades em que ela está presente, pois a criança ou o adolescente encontram-se em situação de risco quando são submetidos aos atos de alienação parental.

O encaminhamento para uma vara especializada irá fazer com que as nuances da alienação parental sejam percebidas diante do caso concreto e será analisado sempre com o viés do princípio do melhor interesse da criança e da doutrina da proteção integral.

 

Referências:

[1] Art. 3o  A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

[2] Art. 2o  Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

[3] Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

[4] WAQUIM, Bruna Barbieri. Alienação familiar induzida. Rio de Janeiro: Editora Lumen, Juris, 2018, p. 73.

[5] Pinho, Marco Antonio Garcia de. Lei 12.318/2010 – Alienação Parental. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3329. Acesso em 24 de junho de 2018.

[6] SIMÃO, Rosana Barbosa Cipriano. 2008, p. 25. Apud WAQUIM, Bruna Barbieri. Alienação familiar induzida. Rio de Janeiro: Editora Lumen, Juris, 2018, p. 73.

 

renata vilas boas
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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