Lançamento da Coluna
Pensando poeticamente: Direito e Política
Foi com grande satisfação que aceitei o convite da Diretora Presidente, Dra. Carmela Grüne, para inaugurar, neste já prestigioso jornal Estado de Direito, a presente coluna. Nela, como o próprio título sugere, far-se-á uma tentativa de, sempre que possível, interpenetrar Direito e Política, Direito e Literatura, procurando reconciliar esses campos do conhecimento humano com o mágico encanto que nos proporciona a grande Poesia…
Inclino-me a pensar que, em nome de um pretenso cientificismo, a Ciência do Direito, da segunda metade do século XX, afastou-se demasiadamente da Literatura, perdendo muito do seu poder criativo e poético. Há que se assinalar, porém, que nem sempre foi assim…
Lembremo-nos, em primeiro lugar, da grande obra, ”A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, que foi o objeto da tese de doutoramento de ninguém menos do que Hans Kelsen, um dos maiores jusfilósofos de todos os tempos…
Lembremo-nos, em segundo, da história de “O Mercador de Veneza”, peça de Shakespeare, que foi a principal referência da clássica obra intitulada “A luta pelo Direito”, de Rudolf von Jhering.
Filho, ainda que sem nenhuma virtude especial, das “Arcadas da São Francisco”, não posso deixar de lembrar que os principais bustos daquele “Templo do Direito”, como o designava tão sabiamente Rui Barbosa, são de poetas e não de juristas…
Vale recordar, nesse particular, que em seu discurso em homenagem ao Sesquicentenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, pontificou o saudoso e estimado professor Miguel Reale:
“Poesia significa instauração criadora, penetração nas raízes do ser, porque é o mito que se faz palavra. E é palavra que se faz mito. Identidade absoluta entre a ideia e o sentimento, a poesia inspiradora e criadora figura no pórtico desta Casa com os nomes de Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela, de tal modo que não se sabe se se entra nesta Faculdade para estudar Direito ou para realizar obra de arte, para fazer poesia. Poesia da mocidade que muitas vezes ensina mais do que a Cátedra; poesia desveladora que põe em dificuldade imensa quem vos fala, dado o vulto das realizações históricas que compõem a memória cultural da nossa Academia.“
Também não posso deixar de me lembrar de uma lição de outro saudoso professor tive nos meus distantes tempos dos cursos de pós-graduação da Faculdade do Largo. Refiro-me ao querido Goffredo Telles Jr. Segundo ele, era preferível ler algumas obras de Dostoievski a consultar os corriqueiros manuais de Direito Penal…
Bem sei que tais tipos de considerações pouco ou nada interessam aos “burocratas de plantão” — ou aos novos heróis da mídia, como os costumo designar —, mais interessados nas filigranas de uma portaria qualquer que possa configurar algum pretenso tipo de irregularidade administrativa do que nos valores superiores da virtude humana…
Existem alguns autores do presente, porém, que tentam resgatar essa ligação perdida, sendo Raffaele De Giorgi um dos pioneiros, além do movimento americano conhecido por “Direito e Literatura”, nessa imensa tarefa de entrelace dos dois campos…
Ao cabo de tudo, talvez, muitos julgarão que esta coluna não poderá prosperar, pois vivemos uma época de radicalismos, de superficialismo cosmético, de selvageria escancarada, não havendo espaço para tal tipo de considerações românticas… O tempo, que tão bem sabe fazer as suas contas, haverá de nos dizer.
Newton De Lucca é Articulista do Estado de Direito – Mestre, Doutor, Livre-Docente, Adjunto e Titular pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde leciona nos cursos e graduação e pós-graduação;
Desembargador Federal do TRF da 3a. Região – presidente no biênio 2012/2014; Membro da Academia Paulista de Magistrados. Membro da Academia Paulista de Direito. Presidente da Comissão de Proteção ao Consumidor no âmbito do comércio eletrônico do Ministério da Justiça. Vice-Presidente do Instituto Latino-americano de Derecho Privado.