Coluna Pensando Poeticamente Direito e Política
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“Da observação da irredutibilidade das crenças últimas extraí a maior lição de minha vida. Aprendi a respeitar as idéias alheias, a deter-me diante do segredo de cada consciência, a compreender antes de discutir, a discutir antes de condenar. E porque estou com disposição para as confissões, faço mais uma ainda, talvez supérflua: detesto os fanáticos com todas as minhas forças.”
Norberto Bobbio
A democracia e o fanatismo político
A passagem acima, da qual tenho tantas vezes me utilizado, em livros, artigos, palestras e quejandos, evidencia a posição de um dos maiores jusfilósofos do século XX. Com efeito, esse “grande mestre na ars combinatoria das dicotomias”, no dizer preciso do professor Celso Lafer, deixou muito clara sua posição absolutamente democrática quando se pronunciou, numa entrevista publicada em Il Manifesto, de 28 de maio de 1991, no sentido de que se considerava um moderado, “porque apenas as alas moderadas dos dois alinhamentos opostos são compatíveis com a democracia”. Referia-se Bobbio à sua posição diante da díade extremismo-moderantismo, que não coincide, como pensam alguns menos avisados, à velha díade direita-esquerda, ambas obedecendo a critérios diversos de contraposição no universo político.
Servem tais considerações para mostrar que, no Brasil de hoje, a discussão sobre a referida díade parece ter perdido inteiramente seu sentido, pois o fanatismo político semeado por uma das alas fez reacender o fanatismo político da outra… Tudo aquilo que o grande autor da famosa obra destra e sinistra, efetivamente, não gostaria de ver… Nem eu, permito-me acrescentar, ainda que não passe de um pobre professor que preconiza a ética acima de qualquer outro valor.
Embora com forças infinitamente menores do que as de Bobbio, confesso detestar, também, o heterogêneo bando de fanáticos que, desgraçadamente, infelicita a vida dos brasileiros que simplesmente desejam trabalhar em paz.
Em nome da livre manifestação do pensamento, o povo brasileiro (dentro do qual, evidentemente, me incluo) assiste, entre surpreso e estupefato (não sem passar, necessariamente, pelos estágios intermediários da perplexidade e do estarrecimento), a presença dos extremistas em toda parte: nas ruas, nos colégios, no corpo docente e discente das universidades, nas redações dos jornais e, como não poderia deixar de ser, nos pouco mais de 17.000 sindicatos existentes no País… Não são de esquerda, nem de direita, tal como aprendi esses conceitos com Bobbio, mas são simplesmente contrários a toda e qualquer ideia que não corresponda à cartilha por eles rezada.
É verdade que um razoável número desses fanáticos — exatamente aquela “banda do bando que adora as mais deslavadas bandalheiras” — já se encontra atrás das grades, ainda que um tanto serodiamente, de acordo com a ordenação jurídica brasileira e com a desassombrada atuação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da Justiça Federal, instituições que, ao lado das Forças Armadas, estão mais do que nunca convocadas, nesta hora grave, para impedir que o Brasil seja definitivamente assaltado por bandoleiros, políticos corruptos, black blocs, pirômanos inveterados, “artistas” cuja maior arte é fazer publicidade (já não digo enganosa ou abusiva, nos termos do nosso Código de Defesa do Consumidor, mas, com certeza, imoderada…), intelectuais de fancaria e quejandos, cujos nomes, evidentemente, não citarei, pois, parafraseando nosso grande Murilo Mendes, teria receio de que os omitidos na minha lista poderiam julgar eventualmente que os admiro, coisa verdadeiramente absurda.
Espectativas
Escrevi, num passado já distante, em jornal de grande circulação nacional, postando-me inteiramente contrário à ditadura militar que se instalara no Brasil, na década de sessenta da centúria passada, pois nunca aprovei, nem aprovarei, a tortura física ou psíquica como método de governo, nem a censura prévia da imprensa… Nunca precisei do jornal “O Estado de S. Paulo”, aliás, naqueles chamados anos de chumbo, para ler a principal obra do grande poeta Camões.
Espero, no entanto, que o descalabro e o vandalismo existentes nos soi-disant “movimentos sociais não ultrapassem, durante muito tempo, meu elementar direito de ir e vir… Greve é um direito constitucionalmente assegurado, não há nenhuma dúvida quanto a isso… Impedir-me, porém, de exercer, meu sacrossanto direito ao trabalho, não é direito. É crime!
Espero, igualmente, que a velha díade direita-esquerda volte a existir normalmente, como nas democracias normais de todo o mundo, a despeito das mais do que respeitáveis posições em sentido contrário, seja a do grande filósofo Sartre, para quem os termos direita-esquerda não passariam de duas caixas vazias; seja a de Panebianco, que identificava as palavras como “velhas etiquetas”; seja a de vários outros autores (Geno Pampaloni, Giovani Raboni, Marco Revelli, F. Adornato, Segatori, Ambrogio Santambrogio) que, cada qual a seu modo, consideravam a dicotomia uma verdadeira mixórdia, nebulosa, simplista, simplificadora e outros epítetos de igual jaez.
Penso que muitos rios de tinta ainda poderão rolar sobre a díade em questão, mas, no lugar dela, penso ser muito mais perigosa a do extremismo-moderantismo, que poderá transformar-se, pelo andar da carruagem aqui no Brasil, numa dicotomia maniqueísta, de desfecho melancólico, que poderia ser assim resumida: no lugar da inscrição positivista “Ordem e Progresso”, estampada em nosso estandarte verde-amarelo, surgiriam os dizeres “Desordem e Retrocesso”, numa bandeira pintada de negro ou de escarlate.