A Suprema Corte e o Casamento Homoafetivo

Artigo veiculado na 47ª edição do Jornal Estado de Direito

Em junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos, a exemplo do que já vem ocorrendo no Brasil desde 2011, com a moderna decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto da APF n. 132 e da ADIn n. 4277, reconheceu a possibilidade do casamento homoafetivo. Com isso, Brasil e EUA encontram-se em posição de vanguarda no cenário mundial, ao lado de países como Holanda e Canadá, que há muito já disciplinaram essa questão. Posição de vanguarda, pois esse debate ainda ocorre em outros países.

O Direito de Família consubstancia-se em ramo do direito que, de tempos em tempos, à medida que a sociedade evolui, transforma-se radicalmente. É ramo do direito mais diretamente ligado ao estágio momentâneo da sociedade, com seus valores e preconceitos. Foi assim, por exemplo, ao longo do século passado, com a emancipação da mulher, a possibilidade de divorciar-se e as uniões estáveis. Atualmente, vivencia-se a valorização do afeto em todas as suas formas e nuances, inclusive quando o afeto não mais existe, facilitando-se o desenlace e tentando minorar-lhe os traumas do rompimento.

Nesse contexto, a negação dos direitos aos homoafetivos em função de concepções religiosas efetivamente viola seus direitos fundamentais. Todo ser humano tem o direito fundamental à construção do seu próprio projeto de vida, no que se insere seu direito (constitucional e fundamental) à busca da felicidade. E o Estado não pode obstaculizar a construção desse projeto de vida com base em concepções religiosas. A separação entre Estado e Igreja significa que a religião não pode ser imposta às pessoas nem usada como forma de interferir nas escolhas pessoais que são feitas por seus cidadãos.

As discussões em torno da união homoafetiva no nosso Congresso Nacional, inclusive e especialmente, a intenção em alterar, via Legislativo, a histórica decisão do STF, de modo a reconhecer como família apenas a relação entre homem e mulher, consubstancia-se em um enorme retrocesso, que, em vindo a ocorrer, muito provavelmente será rechaçado no STF, como emenda constitucional inconstitucional.

Viver em democracia significa não impor nossas preferências, com o reconhecimento dos direitos das minorias. Significa a coexistência das liberdades e o dever de respeitar o outro, reconhecendo-lhe o direito à plenitude existencial e o seu direito à busca da felicidade.

O direito constitucional de ser feliz, de inspiração americana (right to pursuit of happiness da Declaração de Independência dos EUA), traduz-se em verdadeiro consectário do princípio da dignidade da pessoa humana, já tendo sido, inclusive, reconhecido pelo STF.

Nesse sentido, vale a pena transcrever o belo parágrafo final do voto do Justice Anthony Kennedy, justamente na histórica decisão da Suprema Corte estadunidense: “Nenhuma união é mais profunda do que o casamento, que incorpora os mais altos ideais de amor, fidelidade, dedicação, sacrifício e família. Na formação de uma união conjugal, duas pessoas se tornam algo maior do que uma vez que eles eram. Como alguns dos peticionários demonstram nesses casos, o casamento encarna um amor que pode ir além até mesmo da morte. Seria uma má compreensão desses homens e mulheres dizer que desrespeitam a ideia do casamento. Eles o respeitam, e o respeitam tão profundamente que o procuram para encontrar sua plenitude. Sua esperança é não serem condenados a viver na solidão, excluídos de uma das mais antigas instituições da civilização. Eles pedem igual dignidade aos olhos da lei. A Constituição concede-lhes esse direito” (em tradução livre).

Reconhecer a possibilidade da união homoafetiva significa reconhecer o direito à busca da felicidade, à plenitude existencial. Espera-se que o Brasil não dê um passo para trás nessa questão. Viva e seja feliz. Deixe viver e deixe ser feliz.

Thiago Rodovalho

Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo, Alemanha. @ThiagoRodovalho

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