A repercussão geral da questão da igualdade dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros

As decisões dos Tribunais superiores de nosso país estão em alta. Não é de hoje que a lei pretende dar a tais decisões uma força vinculante no intuito de tornar a jurisdição mais homogênea e evitar o sem número de recursos repetitivos. Pretende-se assim, dentre tantos outros focos, evitar que cada magistrado possa decidir de uma maneira diversa depois que a questão se tornar pacificada pelos tribunais, afinal de contas ninguém consegue entender porque magistrados da mesma competência podem decidir de formas diferentes casos análogos. Para não lançarmos o olhar para passado muito distante, vale citar que é de 2004 a criação da súmula vinculante (art. 103-A da Constituição Federal).

O novo Código de Processo Civil também traz a previsão de um sistema de precedentes vinculantes que virá a tornar cada vez mais próximo o modelo do common law ao direito brasileiro, tudo isso a indicar a importância que precisa ser dada quando os tribunais acenam para a repercussão geral de um  determinado tema.

Foi isso que aconteceu no dia 16 de maio de 2015, quando o STF decidiu a questão da repercussão geral no Recurso Extraordinário 878.694/MG.

Naquela oportunidade a Corte se viu às voltas com a questão de o companheiro ter ou não os mesmos direitos sucessórios do cônjuge, ou melhor, tê-los na mesma proporção. Ocorre que os artigos 1.790 e 1.829 do Código Civil criaram uma controvérsia muito apresentada aos magistrados para julgamento porque o primeiro deles previu que os companheiros detinham direito a um percentual menor de patrimônio do parceiro falecido se comparado com o percentual destinado cônjuge, com quem o falecido era casado, portanto, nos termos do previsto no segundo dos artigos supra citados. Em outras palavras, o Código Civil prevê que o parceiro em união estável herda menos que aquele que seja casado com o falecido e aqueles que entendem que tal diferenciação é inconstitucional, por ferir os artigos 5º, I e 226, parágrafo 3º da Constituição Federal, judicializaram a questão e ela já aportou no Supremo Tribunal Federal.

A questão ainda não foi decidida no seu mérito, mas no passado mês de maio de 2015 a corte suprema firmou entendimento de que qualquer decisão que se tome deverá repercutir de forma ampla e geral para os casos análogos.

O voto do Ministro Roberto Barroso acerca da questão da repercussão geral da matéria – e não do mérito da controvérsia – deixou claro que possui natureza constitucional o debate, além da generalidade da questão. Deste modo, o Ministro pontuou que a questão tem um resvalo importante do ponto de vista social e jurídico, porquanto trata da proteção jurídica das relações de família num momento de possível desamparo emocional e financeiro, além de indicar a necessidade de se alcançar a segurança jurídica das relações de família.

Não olvidou o Ministro de dizer que “discussão é passível de repetição em inúmeros feitos, impondo-se o julgamento por esta Corte a fim de orientar a atuação do Poder Judiciário em casos semelhantes.” Nota-se ainda, com a leitura desta parte final do voto, a preocupação de todo o Poder Judiciário com o relevante aumento de casos apresentados para decisão, o que infla os dados da judicialização nacional.

Além desses fatores principais, há um importante pano de fundo no julgamento, que é a pronúncia do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade constitucional de se fincar diferenciações entre a união estável e o casamento em algumas hipóteses. Baseado na premissa firmada pela própria Corte Suprema de que o casamento e a união estável estão em patamar de rigorosa igualdade perante a Constituição Federal em relação a alguns direitos e deveres, parte considerável dos intérpretes da lei tendem a generalizar dizendo que tal isonomia abrangeria toda e qualquer nuance dessas duas instituições familiares.

Parece pertinente, caso os Ministros toquem no assunto, deixar claro que as instituições são daquelas análogas, mas não idênticas, sendo possível encontrar os pontos em que se diferenciam ou, em caso contrário, concluir pela total falta de rigor científico em chamar por nomes diversos fenômenos que são rigorosamente idênticos.

Deve ficar claro que o dito acima é apenas uma conclusão à qual se poderia chegar em âmbito jurídico nacional, eis que jamais se poderá igualar a união estável ao casamento na esfera canônica, religiosa, antropológica, dentre outras.

A definição da repercussão geral da questão deu norte importante ao julgamento do mérito e isso dá contornos especiais ao desfecho da questão.

Não por outro motivo é que o periódico Estado de Direito, através desta coluna, acompanhará o desfecho deste conflito, analisando e informando aos diletos leitores qual veredicto foi dado, em repercussão geral, à dúvida da existência ou não de vício supino na redação do artigo 1.790 do Código Civil.

Até a próxima.

Leonardo Grecco 

Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Especialista em Bioética pela USP e em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista de Magistratura. Professor de Direito em Santos.

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