A racionalidade abstrata e a justiça efetiva

Foto: Fábio Pozzebom/Agência Brasil

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Coluna A Advocacia Popular e as Lutas Sociais

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Política de governo

Debate repetitivo no país é que as gestões públicas fazem, no geral, política de governo e não de Estado. Pensam como deixar a sua marca e apagar a do governo anterior. Utilizam-se muitas vezes expressões e argumentos técnicos, para camuflar sua visão/ação ideológica.

Antes de tudo, cabe um esclarecimento que aqui não há nenhuma crítica a um posicionamento ideológico. Até porque esta neutralidade seria impossível, pois todos nós temos concepções, ideias sobre a realidade que vivemos. A crítica é a utilização de argumentos ou expedientes burocráticos/técnicos, para dificultar o debate franco com o todo da população.

Na racionalidade abstrata, muitas vezes, agarra-se a números, a vedações legais, a linguagens restritas a certos ciclos. O impacto na vida das pessoas, de como se organiza a sociedade é posto com o fim, lá distante de tudo isto. Contudo, não se percebe que a forma construída poderá levar a fins diversos, pelo menos aos propagandeados. Afirmar tal entendimento, nem de longe significa querer trabalhar fora da realidade. Não significa negar que se precisa conhecer os recursos que possuímos, os desafios postos e planejarmos em cima disto. O que se quer aqui dizer é que se retiramos, por exemplo, direito dos(as) trabalhadores (as), não poderemos sair afirmando que fazemos tal coisa em nome deles(as), muito pelo contrário.

Em 2010, famílias atingidas pela Barragem Figueiredo, ocuparam o canteiro de obra, para que ela não findasse, sem cuidar das pessoas que moram na Região. Na oportunidade se teve uma audiência pública na ocupação. Técnicos e diretores de órgãos públicos se revezaram falando de números, prazos e obrigações legais. Representantes das famílias, “beneficiadas” pela obra, falaram da vida delas, o cotidiano, seus costumes, sua cultura, suas expectativas, seus sonhos. Ao final, Dom José, Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte-CE, fez uma boa síntese de todo aquele debate. Disse que aprendeu muito ali, pois as pessoas falaram de suas vidas. E que os representantes dos órgãos públicos trataram muito da obra e arrematou:

“Pobre dos servidores que tem que defender a obra e não a vida”.

 

Onde cortar gastos?

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Brasil vive novamente um momento em que se defende uma racionalidade abstrata. Fala-se em eficiência, corte de gastos, “flexibilização” de direitos, choque de gestão, combate à corrupção, etc. Claro, todo mundo que utiliza estes termos afirma ser pro bem comum, por um projeto de país, cumprindo dever institucional, ou algum outro termo similar. Alegando pragmatismo, e num contexto mergulhado em ceticismo, ninguém mais dá ouvido a quem fala da vida.

Cortar gastos desnecessários, para melhor gastar é claro que todo mundo quer. Mas onde cortar e porque cortar é o debate. É racional se desfazer de estruturas que propiciam tecnologias sociais, avanços científicos, bens culturais? Esse debate está em pauta por causa de medidas tomadas e propostas pelo Governo Federal e diversos governos estaduais. Aqui no Rio Grande do Sul não é diferente.

Fonte: Fepagro

Fonte: Fepagro

Numa destas medidas tomadas pelo Estado gaúcho se teve a extinção da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Um debate profundo e necessário se deve tomar, pensando no bem comum, se havia de ser necessária a extinção desta Fundação. Falando em agropecuária, nada mais expresso e interligado com a vida. Mas esta, sempre ressurge, e o fez com a retomada da área desta extinta Fundação, que fica no Balneário de Maquiné (RS), por 30 famílias Guarani Mbya, no final do mês de janeiro. Uma área 300 hectares de fauna e flora preservada, agora nas mãos de quem injustamente (inclusive do ponto de vista da legalidade formal) foi expulso daquele litoral e que melhor preserva o meio ambiente, a população indígena.

A retomada Guarani em Maquiné já recebe a solidariedade de diversos setores da sociedade gaúcha. A vida é resiliente, ela resiste, ela retoma os espaços. Assim é na natureza, assim se dá também nas lutas sociais. Da mesma forma se dará no Brasil. Podemos estar vivendo momentos de uma racionalidade abstrata, que encobre interesses outros, que não o público e os coletivos. Mas é certo “que o novo sempre vem”[1]!

[1] “Como nossos pais” de Belchior ( Disponível em: https://www.letras.mus.br/belchior/44451/. Acesso em 08 de fev 2017)

 

 

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, especialista em Direito Civil e Processual civil, pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS) e mestrando em Direito, pela Uniritter. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH.
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