A publicidade e a oferta no Código de Defesa do Consumidor

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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Foto: Ferdinand Stöhr/Unplash

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“Sei que metade da publicidade que faço é inútil. Mas não sei qual é a metade inútil.”

Henry Ford

Capitalismo selvagem

A revolução comercial pós II Guerra culminou pelo domínio do capitalismo como sistema econômico predominante na maioria dos países ocidentais.

Os Estados do ocidente adotaram então o modelo capitalista selvagem imposto pelos Estados Unidos através do “american way of life“, [1] que fazia sucesso onde era conhecido e utilizado, pois preconizava um mercado de consumo feroz em face da enorme quantidade de produtos industrializados e serviços, proporcionando um aumento dos consumidores e uma enorme gama de escolhas.

A concorrência do capitalismo e o interesse dos fornecedores em conseguir um maior número de consumidores para seus produtos e serviços foi o que levou ao aperfeiçoamento da propaganda e, consequentemente, à criação do que hoje se conhece com a denominação de publicidade.

A publicidade

Destaca-se a publicidade como forma dos fornecedores prestarem informações comerciais para venda de seus produtos e serviços diretamente ao público.

Diferenciando-se da propaganda pela ausência de informação ideológica, as informações vinculadas na publicidade são, em regra, totalmente objetivas limitando-se a transferir conhecimento para o consumidor sobre dados de funcionamento, utilidade, produtividade, segurança e eficácia do produto ou serviço ali anunciado.

Todavia, a publicidade isolada não fora suficiente para alcançar o objetivo de atingir um mercado de consumo cada vez maior em busca de um aumento constante da produção e, respectivamente, de maiores lucros.

Na luta pela venda de produtos e serviços, o anúncio publicitário evoluiu de uma proposta vaga e imprecisa para contratar e chegou ao patamar de um verdadeiro pré-contrato à medida que os informes publicitários passaram a vincular, dados comerciais mais precisos como o preço, a quantidade, o tipo, a forma de pagamento do produto ou serviço.

Esta reunião de dados comerciais mais precisos para contratar no anúncio publicitário e que propiciam ao consumidor maior conhecimento acerca do preço, quantidade, forma de pagamento, de entrega, enfim das demais qualidades econômicas do produto e serviço é denominado de oferta.

Portanto, oferta e publicidade fazem parte de um grande universo denominado marketing que tem como finalidade satisfazer os objetivos de fornecedores e consumidores decorrentes da influência que exerce no processo de comercialização, fazendo desta maneira com que os fornecedores vendam e os consumidores comprem mercadorias e serviços.

Foto: Brad Fickeisen/Unplash

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A Oferta

A oferta está regulada na Seção II, do Capítulo V, do Código de Defesa do Consumidor, sendo que o artigo 30 reflete a importância dada a este instituto, uma vez que o dispositivo prevê o princípio da obrigatoriedade da oferta vinculando o fornecedor ao cumprimento exato do pré-contrato anunciado através da oferta.

Determina o referido artigo que “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

Para Nelson Nery Junior oferta é:

“… qualquer informação ou publicidade sobre preços e condições de produtos ou serviços, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma…”. (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 184).

Logo, a oferta, espécie do gênero publicidade, tem como caráter marcante a informação acerca do preço e condições dos produtos e serviços, ou seja, o valor correspondente do produto ou serviços e as formas de aquisição, pagamento, financiamento etc.

Outra característica de grande importância para que se aplique o princípio da obrigatoriedade da oferta é a expressão, “a precisão suficiente”. Não é qualquer oferta que obriga o fornecedor ao cumprimento de seus termos, sendo que o caráter obrigatório somente se verifica quando a oferta publicitária detém um mínimo de informações capazes de induzir (influenciar) o consumidor a contratar.

A oferta deve estar relacionada a determinado bem (produto ou serviço) indicando, pelo menos, o preço e as condições deste, através de qualquer dos meios de comunicação informados.

A Publicidade Enganosa ou Abusiva

O Código de Defesa do Consumidor não se preocupou em conceituar positivamente o instituto da publicidade até porque não é esta sua função primordial.

Assim, por não tratar diretamente de uma definição do que seja publicidade, o estudioso do Direito do Consumidor deve, primeiramente, buscar o conceito deste complexo instituto fora dos limites do direito dentro de sua vasta área de aplicação e estudos.

O legislador, entretanto, tratou de legislar de forma negativa o conceito de publicidade, haja vista que determinou definições legais sobre o que seja publicidade enganosa e abusiva em seu artigo 37 e parágrafos, fazendo entender que os anúncios que não se coadunem com estes dispositivos possam ser vistos como legais, por inexistência de proibição específica.

Conforme disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor é considerada publicidade enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, que seja inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, capaz de induzir em erro o consumidor sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço ou quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

A publicidade é considerada abusiva quando gera discriminação, provoca violência, explora o medo e a superstição do consumidor, aproveita da inocência da criança, desrespeita valores ambientais e induz há comportamentos prejudiciais à saúde e a segurança.

Foto: Pixabay

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A publicidade é toda atividade intermediária entre o processo de venda e compra de bens para obtenção de um maior número vendas através de um chamamento vinculado por qualquer meio de comunicação com conteúdo comercial.

A regra legal do artigo 30, do Código de Defesa do Consumidor, não deixa dúvidas de que “toda informação ou publicidade, suficientemente veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação…” deve obedecer às diretrizes legais ali contidas.

Relacionado entre os direitos básicos do consumidor, definidos no artigo 6°, III, do Código de Defesa do Consumidor está o direito à informação, verdadeira preocupação dos elaboradores da lei, visto que os danos eminentes de uma oferta publicitária mal elaborada são de ordem irreparável para os consumidores e, algumas vezes, para o próprio fornecedor.

O artigo 30, do Código de Defesa do Consumidor, veio enfatizar e transformar em princípio a obrigatoriedade de informações que devem ser propostas pelo fornecedor que deseja contratar, não sendo admitido que uma informação publicitária ou uma oferta veiculada pelo sistema de envio de mensagens pela internet não possa ser submetido ao crivo da Legislação Consumerista.

As informações vinculadas pelas mensagens de massa não solicitadas devem seguir o disposto no artigo 31, do Código de Defesa do Consumidor, e trazer informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia e prazos de validade.

Caso a mensagem de massa não solicitada não cumpra tais requisitos poderá ser incluída entre as práticas de publicidade abusiva ou enganosa e sujeitar o fornecedor às sanções previstas para esta atividade conforme disposto no artigo 37 e parágrafos do Código de Defesa do Consumidor.

Em regra as mensagens de massa não solicitadas são enviadas pela internet e algumas através de telefonia celular. Neste segundo caso, especificamente, deve-se aplicar o disposto no artigo 33, pois isto ocorre através de verdadeira oferta por telefone, devendo o fornecedor disponibilizar em sua publicidade o nome do fabricante e seu endereço.

As regras sobre publicidade devem ser também aplicadas às mensagens de massa não solicitadas, pois o Código de Defesa do Consumidor coloca entre os direitos básicos do consumidor, determinados pelo artigo 6°, IV, a proteção contra publicidade abusiva e enganosa, sendo que o artigo 36 exige que a publicidade seja introduzida de forma a ser facilmente identificada.

O artigo 38, do Código de Defesa do Consumidor, prevê a distribuição do ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária para o fornecedor de produtos ou de serviços. Esta regra é uma complementação das demais existentes no Código, neste sentido dispõe o artigo 6.°, VIII, que decorre da hipossuficiência do consumidor em face do maior poder econômico do fornecedor.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor proíbe a execução ou promoção de publicidade enganosa ou abusiva e prevê pena de 3 (três) meses a 1 (um) ano de prisão e multa para quem incorrer na prática. O ideal é que a publicidade feita em panfletos, anúncios em jornais, revistas, rádios ou emissoras de TV seja clara, objetiva e que tenha veracidade. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação aos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos para provar a veracidade das publicidades, devendo cumprir tudo o que foi anunciado.

Publicidade Enganosa e Abusiva no Ambiente Virtual

As disposições do Código de Defesa do Consumidor referentes a publicidade no ambiente virtual equipara-o aos canais de televisão, rádio, outdoors, entre outros mecanismos publicitários, tendo em vista que o anunciante e não o veículo de comunicação deve responder civil, penal e administrativamente pelos informes publicitários que promover, deduzindo-se este preceito do estabelecido na Legislação Consumerista em seus artigos 36, parágrafo único e 37 ao dispor respectivamente: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”.

“É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”.

Ressalta-se, ainda, que o provedor hospedeiro não será responsabilizado pelas informações contrárias aos dispositivos supra, exceto quanto, a publicidade de seus próprios serviços ou produtos ou pela ocorrência de vícios no fornecimento, quando, equipara-se em termos de responsabilidade ao estabelecimento virtual conforme a Lei nº 8.078/90.

Foto: Pixabay

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Ainda, com relação aos vícios Caio Mário da Silva Pereira, acentua que o fundamento da responsabilidade do alienante pelo chamado vício redibitório repousa no princípio de garantia demonstrando que esse predicado desfavorável do produto ou da coisa é o defeito no objeto “que não presta a seu uso natural ou que não guarda paralelismo com o valor da aquisição”. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.104).

Assim, defeito significa imperfeição e deve-se entender como vício do produto, todo defeito intrínseco, oculto ou aparente e também aqueles defeitos extrínsecos resultantes da falta de qualidade do produto ou serviço que comprometa a sua eficiência e/ou prestabilidade.

Fato que também necessita de elucidação diz respeito às disposições contidas no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, que diz:

“O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, sendo devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.

O disposto neste artigo aduz quanto às relações de consumo ocorridas em estabelecimentos virtuais, websites, a sua não aplicabilidade exceto nos casos, em que, o cyber empresário faça uso de práticas comerciais abusivas e agressivas, ou seja, técnicas de marketing agressivo. Geralmente ocorre no chamado time-sharing, onde o vendedor insiste na vantagem, da aquisição do produto ou serviço, de modo a impor ao consumidor, a aquisição quando esta não era a sua intenção inicial. Justifica-se a não aplicação do direito de arrependimento nas transações nos estabelecimentos eletrônicos (websites e homebanks), por serem entendidas como efetuadas dentro do estabelecimento do fornecedor e não fora conforme explicito no artigo supra, pois o consumidor dirige-se até o endereço eletrônico do fornecedor e lá decide pela aquisição ou não dos produtos e serviços por ele ofertados. As relações jurídicas reguladas no artigo 49 da Lei nº 8.078/90, não devem ser confundidas com as contidas nos artigos 18, 19 e 20 do citado diploma legal. Entende-se que não é correta a posição doutrinária que sustenta as transações realizadas no website, sendo feita entre ausentes, pois são semelhantes aos negócios jurídicos celebrados através do telefone.

Conclusão

Por todos esses aspectos, tal proteção existe para que o consumidor, como polo mais fraco e vulnerável na relação, não seja lesionado livremente por aqueles que se valem da publicidade para fins ardis e ilícitos.

Assim, entende-se que o sistema prima pelo máximo acesso à informação por parte do consumidor, aliado ao princípio da boa-fé, basilar da relação de consumo publicitário. O direito de ser informado do consumidor, do qual deflui o dever de informar pelo fornecedor, é consequência lógica da proteção e único meio de impedir o abuso do direito exercido pela má publicidade.

Afinal, “A publicidade mais inteligente é aquela que o consumidor entende…”

Referências

[1] Trata-se de expressão em inglês “american way of life” que traduz o modelo de vida americano pós II Guerra Mundial com a adoção de um sistema de consumo de grande escala correspondente a uma taxa de produtividade de massa e o consequente aumento da venda de produtos e um crescente número de consumidores.

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

 

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