A polêmica das indenizações punitivas

         A Constituição Federal promoveu uma profunda modificação no eixo filosófico de nosso ordenamento jurídico. A tutela da pessoa humana e a proibição de arbítrios e excessos, seja na  esfera pública, seja na  particular, norteiam o pensamento  de intérpretes e aplicadores do Direito.

            No entanto, quase três décadas depois de sua promulgação, ainda é possível ver inúmeras distorções na aplicação e interpretação de suas regras. E uma delas é a questão das indenizações punitivas, que se caracterizam por condenações em valores exorbitantes, com caráter estritamente punitivo.

            Para debater o tema, utilizarei como exemplo uma decisão que, embora não tão recente, é emblemática. Em 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma operadora de plano de saúde ao pagamento de indenização punitiva, no valor de R$ 1.000.000,00, em razão de uma negativa de atendimento de emergência a um determinado usuário do plano, autor da ação, cujo contrato estava ainda no período de carência, quantia essa que deveria ser revertida em favor de um hospital daquele Estado.

           O exemplo é marcante e mostra como o instituto das indenizações punitivas é aplicado por nosso tribunais, o que necessita ser examinado, especialmente à luz da nossa legislação.

          Inicialmente, é imperioso destacar que as indenizações punitivas têm origem no direito norte-americano. É nele que se difundiu o instituto dos punitive damages, também chamados de vindictive damages ou smart money.

       A tese das indenizações punitivas tem como principais fundamentos a necessidade de desestimular as condutas lesivas, de modo que o ofensor se conscientize de que não deve repetir o seu comportamento, bem como a necessidade de impor uma sanção ao agressor, a fim de que ele seja punido exemplarmente por sua conduta, além de funcionar como uma verdadeira pena privada em favor da vítima. Tudo isso, entretanto, não pode levar ao enriquecimento ilícito do ofendido.

         Ocorre que, na própria experiência norte-americana, a aplicação dessa indenização começou a trazer inúmeros impasses, especialmente no que se refere aos critérios para a determinação do montante indenizatório.

       Caso emblemático na fixação dos primeiros parâmetros para essa determinação foi o julgamento pela Suprema Corte americana no caso BMW vs Gore. Nessa ação, o autor Gore Jr. alegava que adquirira um veículo BMW novo, sendo que, posteriormente, veio a descobrir que diversas partes do carro tinham sido repintadas pela montadora, por ter sido ele atingido por uma chuva ácida quando do seu transporte da fábrica na Alemanha até os Estados Unidos, o que foi omitido pela BMW.

           Em sua inicial, Gore pediu a condenação da montadora ao pagamento de uma indenização para si, bem como outra no valor de US$ 4.000.000,00 como punição pelos prejuízos sofridos por outros adquirentes de veículos BMW nas mesmas condições.

          Em primeira instância a ação foi julgada totalmente procedente, e após recursos o caso chegou à Suprema Corte. Nela se definiu que não há, em tese, uma limitação para a fixação de indenizações punitivas. No entanto, estas não podem ser fixadas arbitrária ou irracionalmente, por violação à garantia do devido processo substantivo, o que teria ocorrido na hipótese, razão pela qual houve a redução do montante.

           Não obstante a experiência norte-americana, a questão deve ser interpretada diferentemente à luz da nossa legislação, e a razão é simples: tanto a nossa Constituição, quanto o Código Civil, preveem que as indenizações devem se dar na medida do dano. Segundo o art. 5o, V, da Lei Magna, a indenização por danos materiais e morais deve ser proporcional à ofensa; e conforme o disposto no art. 944 do diploma civil, a indenização mede-se pela extensão do dano. Tais disposições revelam o caráter equânime de toda e qualquer indenização, mantendo a justiça das relações jurídicas, de modo que se deve evitar que qualquer das partes do processo se enriqueça ilicitamente. Por essa singela razão, a indenização punitiva não encontra amparo em nosso ordenamento.

            Nessa esteira, é preciso compreender que toda e qualquer indenização deve se limitar estritamente à reparação do dano. Quanto às sanções, essas competem aos órgãos administrativos de controle ou até mesmo ao Judiciário através de pleitos formulados por órgãos de legitimação de defesa dos direitos coletivos, os quais exigirão dos fornecedores o cumprimento de seus deveres impostos pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.

            Por certo, toda experiência é válida, mas a importação de institutos exige a sua conformação com o nosso ordenamento. A não observância dessa importante regra nos afasta de um Estado Constitucional de Direito. A este compete a observância das regras impostas pela Lei Maior, que num verdadeiro compromisso constitucional estabeleceu limites a todos os direitos, não importando quem são os seus titulares. A Justiça deve ser cega e, consequentemente, não pode ver a quem deve atingir, por pior que seja o ofensor.

Autor: Thiago Ferreira Cardoso Neves. Professor da EMERJ e advogado do escritório Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados.

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