A judicialização da vida e o novo CPC

Nós brasileiros criamos, nas últimas décadas, o hábito de levar todas as questões, ainda que mínimas e irrelevantes do ponto de vista social, para o Judiciário. E esse é um fato inevitável. Temos uma Constituição que trata de todos os assuntos, dos mais simples aos mais complexos, de modo que os fatos sociais acabam se tornando fatos jurídicos e, assim, sujeitos à apreciação judicial.

Esse fenômeno ganhou do Professor e Ministro do STF Luís Roberto Barroso o nome de judicialização da vida, uma vez que fatos importantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididos, com definitividade, pelo Poder Judiciário.

Mas fatos não importantes acabam também sendo judicializados. Para comprovar o que eu disse, vou narrar um episódio que presenciei ainda nos bancos universitários. No início da faculdade, antes mesmo do período de estágio oficial, busquei um dos Juizados Especiais Cíveis da minha Cidade, o Rio de Janeiro, que tinha convênio com a Universidade em que eu estudava, prestando serviços de primeiro atendimento, em que o jurisdicionado, sem advogado, busca para a elaboração de petições iniciais.

Logo no meu primeiro dia atendi uma senhora idosa que acabava de sair de um supermercado em que tinha feito pequenas compras e pago em dinheiro. O problema é que os centavos do valor da conta deram, exatamente, R$ 0,99 (noventa e nove centavos), e a preposta que trabalhava no caixa disse que não tinha o R$ 0,01 (um centavo) de troco.

A senhora, inconformada, se dirigiu diretamente ao Juizado para mover uma ação cobrando o R$ 0,01 (um centavo), além de danos morais. Tentei explica-la que, embora ela tivesse direito ao troco, mover a máquina judiciária para a cobrança de tal valor não era razoável. Quanto ao final da história, deixo para a imaginação dos leitores.

Essa é apenas uma amostra do que o Judiciário tem enfrentado. Não custa lembrar, por exemplo, que até a questão do colarinho no copo de chopp, para decidir se ele integra, ou não, a bebida para fins de medição da quantidade servida, já foi levada à discussão pelos tribunais.

Por essa razão, o processo, como instrumento para o exercício judicial dos direitos, tem papel relevantíssimo, pelo o que não é possível levar ao Judiciário essas e tantas outras questões sem que tenhamos mecanismos hábeis e efetivos para a tutela dos direitos.

E visando melhorar esse instrumento, veio o novo Código de Processo Civil que inovou ao trazer diversas disposições que buscam, ao máximo, a efetividade do processo como meio realizador dos direitos.

E dentre essas disposições temos aquelas dos arts. 303 e 304 do NCPC. Segundo o art. 303 do novo Código de Ritos, o qual inicia o capítulo do procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

O caput do mencionado dispositivo diz respeito às hipóteses em que a petição inicial, por ser a urgência da medida contemporânea ao ajuizamento da ação, se limita a pedir a antecipação dos efeitos da tutela e a indicação do pedido de tutela final, com breve exposição da questão, do direito e do perigo de dano.

Nesses casos, uma vez concedida a antecipação dos efeitos da tutela, pode a medida tornar-se definitiva, caso a parte contrária dela não recorra, extinguindo-se o processo, sem que haja coisa julgada material, abrindo a possibilidade do ajuizamento, pela parte “vencida”, de uma ação autônoma, num prazo de até 02 anos, conclusões essas que se extraem do disposto no art. 304 e parágrafos do NCPC.

Desde logo, cumpre destacar que a matéria vem sendo enfrentada, pela doutrina processual, com muito cuidado, já se verificando entendimentos divergentes, como, por exemplo, se para evitar a estabilidade da decisão faz-se necessário, realmente, que a parte contrária recorra, ou se a apresentação da contestação ou de uma mera petição demonstrando inconformismo já seria suficiente para afastar a estabilização da antecipação da tutela.

Por certo ainda veremos, sobre essa questão, inúmeras discussões, e não pretendo aqui pôr um fim nelas. Até porque seria pretensioso da minha parte debater com os grandes processualistas que já estão se debruçando sobre o assunto, haja vista que sou professor de matérias que envolvem o direito material.

No entanto, como advogado, lido diariamente com o processo, e as mudanças do NCPC são relevantíssimas, sobretudo para efetivar o direito material, de modo que tomo a liberdade de enfrentar, nestas breves linhas, a discussão.

Na ideia de que a vida, hoje, é judicializada, o processo não deixa de ser um meio de realização dos projetos pessoais dos indivíduos, além de ser através dele que as mais diversas lides são resolvidas, pelo menos nos limites do poder do Estado. Daí a importância do estudo, por todos os operadores do Direito, do processo.

Quanto à hipótese especificamente tratada nessas linhas, os dispositivos mencionados cuidam de uma questão corriqueira, que é aquela do ajuizamento de uma ação com pedido de antecipação dos efeitos da tutela quando for necessária a intervenção imediata do Poder Judiciário para satisfazer uma pretensão que, caso não seja deferida desde logo, poderá levar a danos irreversíveis para a parte.

Observando-se o que foi dito há poucas linhas, é possível perceber que os artigos comentados permitem que o pedido de antecipação de tutela tenha caráter satisfativo, limitando-se e exaurindo-se a pretensão no seu requerimento com a sua posterior confirmação.

Trata-se de medida útil nos casos em que, sendo urgentíssima a medida, a parte e seu patrono sequer têm tempo hábil para a elaboração de uma rebuscada petição, de modo que, suscintamente a elaborará apenas com o pedido liminar e sua posterior confirmação, simplificando a causa.

A questão de maior relevância, entretanto, é a da possibilidade de se tornar definitiva a medida concedida, caso não seja interposto o recurso pela parte contrária. Penso que, sob esse aspecto, breves ponderações devem ser feitas.

Desde logo é preciso afirmar que o Novo Código de Processo Civil tem como objetivo mudar os paradigmas, alterar a realidade hoje instalada no Judiciário que se mostra caótica. E os números não mentem: no início do ano o Ministro do STF Ricardo Lewandowski divulgou dados alarmantes; São quase 100 milhões de processos tramitando no país. Portanto, todas as novas disposições devem ser vistas com essa mentalidade, a de mudança do caos instalado.

E sob essa visão, as disposições do art. 303 e 304 do NCPC visam dar maior celeridade aos processos, de modo que nas demandas que objetivem apenas a satisfação de uma pretensão urgente, uma vez deferida a medida liminarmente, e não sendo impugnada pela parte contrária pelo respectivo recurso (agravo de instrumento no prazo de 15 dias, na forma dos arts. 1.015 e 1.003, § 5º do NCPC), a tutela antecipada se consolidará, podendo apenas ser impugnada novamente a matéria por ação autônoma específica.

O objetivo das normas é, à toda evidência, evitar o prolongamento das lides e discussões desnecessárias, que apenas retardam o fim do processo, quando o objetivo final já foi alcançado. Caso a parte contrária não mostre interesse em recorrer da decisão, é um sinal de que concordou com a medida, pondo-se, assim, fim à controvérsia.

Admitir que a parte se utilize de outros meios de impugnação, como a contestação ou uma mera petição, contraria a finalidade do Novo Código. Como cediço, toda interpretação deve levar em conta os fins visados pela norma e, na hipótese, o objetivo é exatamente evitar o prolongamento da lide.

Se no prazo para interposição do recurso a parte nada fizer, tornou preclusa a questão, ao menos naquela ação, admitindo-se a sua rediscussão apenas em ação própria. Penso que essa é a melhor intepretação para os dispositivos, atendendo, assim, os fins visados pelo legislador.

É certo que toda mudança causa resistência. Muito poucas pessoas se sentem à vontade com a alteração de um estado já sedimentado. Mas nem por isso as mudanças deixam de ser necessárias. Tudo e todos merecem uma segunda chance. Portanto, devemos dar ao Novo Código de Processo Civil a chance de realizar aquilo que se propõe, e não trazer velhos princípios e ranços, que não se ajustam à nova realidade. Como diz o Livro Sagrado, ninguém põe vinho novo em odres velhos; de outra forma o vinho novo arrebentará os odres, e ele se derramará, e estragar-se-ão os odres. Pelo contrário vinho novo deve ser posto em odres novos. Ninguém que já bebeu vinho velho, quer o novo; porque diz: o velho é bom. Vamos, então, experimentar o novo vinho e degusta-lo com o paladar de quem sonha com um processo efetivamente realizador dos direitos.

Thiago Ferreira Cardoso Neves é professor da EMERJ e advogado do escritório Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados (este artigo foi feito com a colaboração acadêmica de Vanessa Sally Saraiva, advogada do escritório Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados)

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