Coluna Direito da Família e Direito Sucessório
- Renata Vilas-Bôas
Busca-se proteger a família sob diversos ângulos e um deles é por meio da instituição do bem de família.
Mas, afinal o que vem a ser o bem de família ?
Podemos conceituar o bem de família como sendo aquele bem imóvel que visa proteger a família, para que ela possa continuar nele residindo, e assim, mantendo a sua estabilidade.
Assim, caso um dos membros da família possua alguma dívida, não pode ser penhorado o imóvel para quitar essa dívida. Contudo, essa impenhorabilidade não é absoluta, comportando algumas exceções previstas na norma, e outras construídas pela jurisprudência.
Um primeiro aspecto que queremos destacar que pode ser invocada a impenhorabilidade do bem de família, mesmo que essa família seja composta por uma única pessoa. Nesse caso, estamos falando da família unipessoal, que é um conceito construído a partir da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça e que se transformou na Súmula no. 364, que nos traz que:
O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
Se a família tiver um imóvel alugado e usar esse aluguel para pagar o aluguel do imóvel em que estiver morando, também tem a proteção do bem de família, mesmo ele estando alugado, é a essência da Súmula 486 do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.
O cuidado é tão grande em buscar proteger a família, que mesmo antes de existir essa previsão legal, que só ocorreu com a Lei 8.009 em 1990, o Superior Tribunal de Justiça, entende que a referida lei deve ser aplicada mesmo para penhoras que tenha ocorrido antes da entrada da lei em vigor, conforme prevê a Súmula 205, vejamos:
A Lei n. 8.009/1990 aplica-se a penhora realizada antes de sua vigência.
Assim, a busca pela proteção da família, legitimando o bem de família e com isso vedando a penhora do referido imóvel, é assente em nossa jurisprudência.
Contudo, não podemos utilizar de mecanismos para poder instituir o bem de família e com isso não arcar com as dívidas assumidas.
Isso porque, essa conduta contraria, de forma direta o princípio da boa-fé que é inerente ao nosso sistema.
Diante disso, quando percebemos que a instituição do imóvel como bem de família vem no sentido contrário ao princípio da boa-fé, a posição externada é afastar a proteção do bem de família.
Isso aconteceu no caso do fiador que dava seu imóvel em garantia para caso o inquilino não pagasse o aluguel contratado. O Superior Tribunal de Justiça, analisando essa situação, entendeu que se o fiador estava assumindo o compromisso de arcar com a dívida do inquilino, o seu patrimônio – inclusive o seu bem de família responderia. Pois caso contrário é como se não tivesse dado nenhuma garantia.
Diante dessa constatação surgiu a Súmula 549 do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
Súmula 549 – É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
E, novamente, o Superior Tribunal de Justiça foi convidado a analisar o tema, agora sob a ótica de oferecimento de um imóvel em garantia, em que posteriormente, quando não conseguiu quitar a dívida, o devedor aponta que o imóvel dado em garantia era considerado bem de família.
Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que se não poderia ocorrer a proteção do bem de família, porque teria ocorrido a violação da boa-fé. Vejamos a reportagem extraída do site do Superior Tribunal de Justiça.
Não há proteção do bem de família quando ocorre violação da boa-fé
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que aplicou o entendimento segundo o qual a impenhorabilidade do bem de família pode ser afastada quando há violação do princípio da boa-fé objetiva.
O colegiado negou provimento ao recurso de um empresário que ofereceu seu imóvel como garantia na negociação de R$ 650 mil em dívidas e, depois, alegou que ele não poderia ser penhorado por constituir bem de família.
A credora, por sua vez, afirmou que o empresário teria violado o princípio da boa-fé ao invocar a proteção legal do imóvel só após a formalização da penhora e a realização de vários atos judiciais subsequentes visando à expropriação do bem.
Torpeza
Afastada a impenhorabilidade pelo TJPR, sob o fundamento de violação da boa-fé objetiva, o empresário recorreu ao STJ.
A relatora na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, citou precedentes sobre a Lei 8.009/1990 nos quais ficou consignado que a regra de impenhorabilidade do bem de família deve ser examinada à luz do princípio da boa-fé objetiva – diretriz interpretativa para as normas do sistema jurídico pátrio que deve incidir em todas as relações.
“Não se pode olvidar da máxima de que a nenhum é dado beneficiar-se de sua própria torpeza, isto é, não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão”, explicou a ministra ao justificar a manutenção do acórdão do TJPR.
Escritura ou testamento
A ministra ressaltou que existem dois tipos de bens de família: um, legal, disciplinado pela Lei 8.009/1990, que decorre da vontade do Estado de proteger a família, assegurando-lhe as mínimas condições de dignidade; outra, voluntária, que decorre da vontade de seu instituidor, visando a proteção do seu patrimônio.
Segundo Nancy Andrighi, diferentemente daquele previsto na lei, o bem de família voluntário somente pode ser instituído por intermédio de escritura pública ou testamento do próprio integrante da família ou de terceiro.
Analisando o recurso em julgamento, a relatora afirmou que não se pode admitir que o proprietário não tenha o direito de dispor livremente sobre o imóvel, já que não realizou nenhum ato para constituí-lo como bem de família. Dessa forma, no caso, concluiu pela possibilidade de oferecimento do bem de família como garantia de cumprimento do acordo celebrado com o exequente nos autos da ação de execução.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1782227