A Influência das “Súmulas” na realidade social

Artigo veiculado na 27ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.

 

Ricardo Marchioro Hartmann*

Atualmente, o cidadão brasileiro muito ouve falar de seus “Direitos”. Rotineiramente observamos alguma notícia em jornais de grande circulação, ou em programas de televisão e rádio, tratando de algum tema sobre o “Código de Defesa do Consumidor”, e sobre a “Lei Maria da Penha”, entre tantos outros. Essa busca pela propagação-popularização de temas antes restritos aos que se dedicavam aos estudos das Ciências Jurídicas em nosso país é algo que merece ser enaltecido, justamente, por tratar-se de iniciativa intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento da cidadania. O brasileiro precisa, mesmo que isso possa levar algum tempo, conhecer seus direitos, entender seus poderes e seus deveres enquanto integrante da sociedade.
No entanto, em muitas oportunidades, percebemos que, apesar de notícias sobre “Direito” serem veiculadas nos meios de comunicação, deixa-se de ofertar a real relevância prática daquele sobre a vida do cidadão, ou mesmo sobre o seu entorno. Aqui reside, ao nosso entender, toda a problemática da propagação desse conhecimento, eis que, trazer a novidade jurídica sem a explicação de seus efeitos práticos acaba por restar em atividade inócua. Podemos dizer que seria praticamente o mesmo que em uma festa de aniversário entregar a uma criança, como presente, um carrinho de controle remoto (lindo, colorido, com possibilidades de acender muitas luzes e fazer diferentes sons) sem as pilhas que poderiam fazê-lo funcionar – ela irá admirá-lo, tentará fazer uso dele, pedirá auxílio a algum adulto, mas assim que perceber que não conseguirá romper a barreira imposta pela falta das pilhas, perderá o interesse pelo brinquedo. É dessa forma que percebemos ultimamente os comentários sobre as “Súmulas” nos meios de comunicação. O cidadão verifica uma série de conceitos jurídicos, de estatísticas sobre a diminuição do número de processos nos tribunais superiores, entre outras informações que interessam, basicamente, aos profissionais do direito e desinteressa-se do assunto, pois não vislumbra a relevância da temática para o seu dia-a-dia.
Tomemos como referência a Súmula 385 do STJ, que, ao nosso entender, afetou diretamente muitos cidadãos brasileiros, sem que tenha recebido a devida notoriedade – aqui queremos dizer o devido esclarecimento para a população. Nesse verbete, o Superior Tribunal de Justiça instituiu o entendimento de que “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Isso significa dizer, por exemplo, que se um cidadão possuir uma pendência financeira com uma determinada empresa, e, em dado momento, seu nome for cadastrado nos órgãos de proteção ao crédito, havendo recebido notificação prévia (art. 43 do CDC), poderá vir a sofrer sucessivas restrições indevidas, sem que tenha direito à indenização por danos morais. Segundo a Súmula, o cidadão apenas e tão somente terá o direito de requisitar o cancelamento desse cadastro indevido, sem que seja imposta qualquer sanção à pessoa física ou jurídica que o determinou.

Foto: Pixabay

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Rapidamente percebemos que essa Súmula pode afetar a vida de muitos cidadãos brasileiros. É passível de entendimento que o STJ tenha criado uma regra objetiva para os sentimentos dos seres humanos, limitando o “abalo moral” mediante critérios pré-estabelecidos. Será essa a realidade? Em que seria fundada tal linha de pensamento sobre os sentimentos mais íntimos do ser humano? Como o STJ tem tanta certeza de que o indivíduo não mais sofreria de tensões, frustrações, e diferentes formas de tormentas psicológicas passíveis de indenizações? É justo o entendimento adotado?
Por outro lado, a posição tomada pelo STJ, em relação a quem determina o cadastro indevido, pode se dizer foi “paternalista”. Frise-se que se abandonou, ao menos nas situações em que puder ser aplicada a Súmula 385, a função sócio-educativa que consistia em imposição de condenação pecuniária por abalos morais. Certamente, sabedores de que o risco de imposição de sanções foi sensivelmente diluído em nosso país, alguns dos reincidentes na prática de cadastros restritivos ilegais sentir-se-ão mais à vontade para agir com desídia. Será correto esse entendimento do STJ em um país onde pessoas físicas e jurídicas, sabidamente, insistem em abusar de seus clientes – e por vezes dos que sequer são seus clientes?
Considerando que estamos tratando de um verbete que não possui efeitos apenas processuais, ou seja, que afete apenas o mundo jurídico, mas que também tem o poder de atingir a realidade de uma vasta gama de cidadãos brasileiros, surpreende-nos a falta de uma adequada comunicação a seu respeito, bem como de um adequado espaço para debate. Sobre essa questão é relevante salientarmos que a Súmula não apresenta características “estranhas” apenas do ponto de vista do cidadão-consumidor, mas também salta aos olhos uma série de “atrocidades” – salvo melhor juízo – do ponto de vista jurídico. Apesar de, neste texto, não ser nossa intenção debater o aspecto estritamente jurídico da súmula 385 STJ, entendemos que ela afronta o disposto no artigo 5º CF, na medida em que oferta condições especiais às pessoas físicas ou jurídicas que determinam cadastros de forma ilegal, bem como essa relativiza os ditames do artigo 43 do CDC, entre outros do próprio CDC e do Código Civil de 2002.
Resta evidente que uma simples Súmula do STJ pode afetar a realidade de milhões cidadãos, assim como afetar o procedimento de milhares, ou mesmo milhões de outras pessoas físicas ou jurídicas que determinam o cadastro restritivo. Não há dúvidas de que o verbete ultrapassa a mera relevância no mundo processual e alcança efeitos práticos na realidade social brasileira. Cabe lembrar que fizemos singelos comentários sobre apenas uma súmula, enquanto que, até setembro de 2010, o STJ já editou o verbete de número 464, e o STF o de número 736 e a Súmula Vinculante 31.

*Advogado. Doutorando em Direito Público e Pós-graduado em Mediação e Arbitragem pela Universidade de Burgos – Espanha. Diretor das Unidades Porto Alegre e Canoas do Curso Jurídico FMB.

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