A (im)possibilidade de devolução de valores pagos indevidamente pela administração pública ao servidor público de boa-fé

Coluna Direito Público em Debate

Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br
Cédulas de dinheiro. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Créditos: Marcos Santos/USP Imagens

No âmbito do direito administrativo, uma das temáticas suscetíveis de intensas discussões e polêmicas diz respeito à interpretação das normas pertinentes à concessão de vantagens pecuniárias aos servidores. É natural e corriqueiro que determinados entendimentos, sobretudo aqueles que desfavorecem aos agentes públicos, tenham repercussão negativa. Uma das questões que ensejam discussões acirradas atine à possibilidade da administração pública requerer a devolução de valores pagos ao servidor público de boa-fé, em razão da revogação de decisão administrativa que anteriormente havia deferido esse pagamento.

O Superior Tribunal de Justiça se posicionou a respeito dessa situação em 2011, quando, por meio do REsp 1.244.182-PB , analisou a pretensão de um servidor público da Universidade Federal do Paraíba, que impetrou mandado de segurança contra o Superintendente de Recursos Humanos da referida instituição, que pretendia descontar do salário dele valores anteriormente concedidos. Em face à relevância desse debate, este recurso especial foi enquadrado no regime dos “recursos repetitivos”, seguindo, para tanto, a sistemática estipulada pela Resolução/STJ n. 8/2008.

STJ_visto_do_TST_02

Superior Tribunal de Justiça | Créditos: Luis Dantas – Obra do próprio, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3927157

Por trata-se de um servidor público federal, a discussão empreendida gravitou em torno da interpretação do art. 46 da lei federal n.º 8.112/90, que fala a respeito da possibilidade de restituição de valores recebidos indevidamente pelo servidor público:

Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado e pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.

Embora o citado artigo fale da necessidade de restituir e indenizar ao erário, sempre que ocorrerem pagamentos indevidos, o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado o referido dispositivo legal de forma mais branda: sempre que demonstrada boa-fé do agente público, este não será obrigado a repor os valores recebidos.

No caso concreto tratado pelo REsp 1.244.182-PB, a percepção indevida de valores somente ocorreu porque a Administração Pública interpretou de forma equivocada a legislação aplicável. Em hipóteses desse tipo, não há má-fé do servidor público, e, por esse motivo, não há razão para que ele ressarça os cofres públicos.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem entendimento semelhante, pois, ao julgar pretensão análoga, assim afirmou:

A reposição, ao erário, dos valores percebidos pelos servidores torna-se desnecessária, nos termos do ato impugnado, quando concomitantes os seguintes requisitos: ‘i] presença de boa-fé do servidor; ii] ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; iii] existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; iv] interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração.’

A súmula n.º 249 do Tribunal de Contas da União trata o tema de forma parecida, embora faça maiores exigências para que ocorra a dispensa de reposição:

É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

Portanto, vê-se que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal protegem a boa-fé do servidor que percebe valores indevidamente, em razão de interpretação errônea, equivocada da lei. O agente público não terá, portanto, o dever de ressarcir os valores recebidos, sobretudo porque o equívoco, nesta hipótese, é imputado à administração pública. Vale referir, por fim, que esse entendimento é utilizado, também, para valores pagos indevidamente em função de erros operacionais da Administração Pública (Vide REsp 1447354/PE, de 2014).

Diego Marques Gonçalves é Articulista do Estado de Direito –  Doutorando em Desenvolvimento Regional pela UNISC. Mestre em direitos sociais e políticas públicas pela UNISC. Especialista em direito constitucional aplicado pela UNIFRA. Bacharel em direito pela URCAMP. Atualmente, é professor da Universidade da Região da Campanha, lecionando as disciplinas de Direito Civil III (Teoria Geral dos Contratos), Direito Civil IV (Contratos em Espécie), Direito Administrativo I e Direito Administrativo II. Dedica-se ao estudo do direito civil, na parte atinente ao direito obrigacional e ao direito contratual, bem como ao direito administrativo e constitucional, principalmente na parte atinente ao controle da administração pública e aos direitos dos servidores.
Picture of Ondaweb Criação de sites

Ondaweb Criação de sites

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat. Duis aute irure dolor in reprehenderit in voluptate velit esse cillum dolore eu fugiat nulla pariatur. Excepteur sint occaecat cupidatat non proident, sunt in culpa qui officia deserunt mollit anim id est laborum.

Cadastra-se para
receber nossa newsletter