Coluna Direito Público em Debate
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No âmbito do direito administrativo, uma das temáticas suscetíveis de intensas discussões e polêmicas diz respeito à interpretação das normas pertinentes à concessão de vantagens pecuniárias aos servidores. É natural e corriqueiro que determinados entendimentos, sobretudo aqueles que desfavorecem aos agentes públicos, tenham repercussão negativa. Uma das questões que ensejam discussões acirradas atine à possibilidade da administração pública requerer a devolução de valores pagos ao servidor público de boa-fé, em razão da revogação de decisão administrativa que anteriormente havia deferido esse pagamento.
O Superior Tribunal de Justiça se posicionou a respeito dessa situação em 2011, quando, por meio do REsp 1.244.182-PB , analisou a pretensão de um servidor público da Universidade Federal do Paraíba, que impetrou mandado de segurança contra o Superintendente de Recursos Humanos da referida instituição, que pretendia descontar do salário dele valores anteriormente concedidos. Em face à relevância desse debate, este recurso especial foi enquadrado no regime dos “recursos repetitivos”, seguindo, para tanto, a sistemática estipulada pela Resolução/STJ n. 8/2008.
Por trata-se de um servidor público federal, a discussão empreendida gravitou em torno da interpretação do art. 46 da lei federal n.º 8.112/90, que fala a respeito da possibilidade de restituição de valores recebidos indevidamente pelo servidor público:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado e pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
Embora o citado artigo fale da necessidade de restituir e indenizar ao erário, sempre que ocorrerem pagamentos indevidos, o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado o referido dispositivo legal de forma mais branda: sempre que demonstrada boa-fé do agente público, este não será obrigado a repor os valores recebidos.
No caso concreto tratado pelo REsp 1.244.182-PB, a percepção indevida de valores somente ocorreu porque a Administração Pública interpretou de forma equivocada a legislação aplicável. Em hipóteses desse tipo, não há má-fé do servidor público, e, por esse motivo, não há razão para que ele ressarça os cofres públicos.
O próprio Supremo Tribunal Federal tem entendimento semelhante, pois, ao julgar pretensão análoga, assim afirmou:
A reposição, ao erário, dos valores percebidos pelos servidores torna-se desnecessária, nos termos do ato impugnado, quando concomitantes os seguintes requisitos: ‘i] presença de boa-fé do servidor; ii] ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; iii] existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; iv] interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração.’
A súmula n.º 249 do Tribunal de Contas da União trata o tema de forma parecida, embora faça maiores exigências para que ocorra a dispensa de reposição:
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.
Portanto, vê-se que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal protegem a boa-fé do servidor que percebe valores indevidamente, em razão de interpretação errônea, equivocada da lei. O agente público não terá, portanto, o dever de ressarcir os valores recebidos, sobretudo porque o equívoco, nesta hipótese, é imputado à administração pública. Vale referir, por fim, que esse entendimento é utilizado, também, para valores pagos indevidamente em função de erros operacionais da Administração Pública (Vide REsp 1447354/PE, de 2014).