A Implementação da figura da “Audiência de Custódia” e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Eduardo Biacchi Gomes*

Ane Elise Brandalise Gonçalves**

No artigo de hoje pretendemos trazer algumas considerações, sob o ponto de vista do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sobre a tão comentada “audiência de custódia” e em que medida ela remete ao sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, já que a ideia vai além do projeto apresentado pelo CNJ em parceria com o Ministério da Justiça e o TJSP .
De forma geral, a audiência de custódia está em vias de implantação para que o acusado/noticiado seja apresentado ao juiz competente para julgamento do caso e este passe a entrevistá-lo, mediante oitiva das considerações do Ministério Público e da defesa técnica do custodiado (do preso). O juiz, dada as condições do delito cometido bem como considerando a questão de condições do presídio da região, poderá de imediato conceder a liberdade ao acusado, com ou sem delimitar medidas cautelares.
Mas, afinal, qual seria a ligação da chamada “audiência de custódia”, que não se confunde com a audiência admonitória, com o sistema interamericano protetivo dos direitos humanos? Seria a mera solução da superlotação nos presídios latinoamericanos?
Preliminarmente, cabe ressaltar que a conjuntura mundial advinda do pós 2ª Guerra Mundial atua também em prol dos chamados direitos humanos, entendidos aqui como “os processos, as dinâmicas de lutas históricas decorrentes resistências contra a violência que as diferentes manifestações do poder do capital exerceram contra os indivíduos e coletivos” . Assim, há duas quadráticas normativas, complementares entre si, voltadas à sua proteção: o sistema global e os sistemas regionais (europeu, interamericano e o africano).
Mais especificamente, o Brasil faz parte do sistema interamericano, ilustrado principalmente pela Organização dos Estados Americanos (OEA), a qual, ao seu turno, possui dois órgãos principais para promoção e defesa dos direitos humanos, a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana, ambas inscritas por meio da Convenção Americana de Direitos Humanos (conhecida comumente como Pacto de San José da Costa Rica).
Inclusive, nesta Convenção, reconhecida como “o tratado regente” de todo sistema interamericano de direitos humanos , há disposição sobre a audiência de custódia, em seu artigo 7.5, segundo o qual toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo .
Justamente com base neste dispositivo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, espécie de Tribunal Internacional, já julgou variados casos envolvendo a temática, a exemplo dos casos Acosta Calderón vs. Equador; Bayarri vs. Argentina, entre outros, todos nos quais entendeu pela implementação da audiência de custódia no ordenamento jurídico dos países, em conformidade com os ditames dos direitos humanos. Inclusive, atualmente a figura da audiência de custódia está presente em variados países latinoamericanos, como Equador, Argentina, México, Chile, etc.
Nesse sentido, é de se ver que a audiência de custódia não nasceu a priori como solução para a questão da superlotação carcerária, como muitos possam acreditar, mas nasce como uma alternativa em prol de uma “humanização do direito” .
Também tenta a audiência de custódia evitar um processo em prazo irrazoável, o que além de contrariar a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8.1, também vai contra a própria Constituição da República Federativa Brasileira (artigo 5º, inciso LXXVIII).
Neste passo, a implantação da figura da audiência de custódia indica um diálogo entre Direito Internacional com o Direito doméstico, além de gerar uma maior proximidade entre o juiz com o custodiado, o que poderá proporcionar um menor número de decisões irrazoáveis e desproporcionais.
Além disso, com a implementação da audiência de custódia evita-se, em certa medida, uma eventual responsabilização internacional do país perante o sistema interamericano, bem como melhora a figura do Brasil no palco internacional político.

REFERÊNCIAS:

BRASIL, Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sistema Carcerário, execução de penas e medidas socioeducativas: audiência de custódia. Disponível em: . Acesso em: 30 ago 2015.

CONVENÇÃO Americana de Direitos Humanos. 22 nov 1969, artigo 7.5. Disponível em: . Acesso em: 15 ago 2015.

GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à convenção americana de direitos humanos: pacto de San José da Costa Rica – 4.ed. rev., atual.e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

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AUTORES:
* Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Programa de Pós Graduação em Direito do UniBrasil, Professor Titular da PUCPR e Professor do UNINTER. Líder do Grupo de Pesquisa Pátrias, registrado no CNPQ
** Bacharel em Direito pela PUCPR (2012) e em de Relações Internacionais pela UNINTER/PR (2015). Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia na UNIBRASIL e integrante do Grupo de Pesquisa Pátrias.

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