A formação desportiva de uma potência olímpica

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Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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Campanha histórica com formação desportiva deficitária

A campanha do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio-2016 foi histórica. Recorde de atletas, recorde de medalhas (7 de ouro, 6 de prata e 6 de bronze) e melhor resultado geral (13º lugar).
Tais feitos, inevitavelmente, devem ser comemorados, mas não fazem do Brasil uma potência olímpica. Pelo contrário.

Apesar dos diversos atletas de ponta, a formação desportiva nacional ainda é carente e deficitária. O Brasil, por exemplo, se posiciona abaixo de países que têm PIB inferior e população muito menor, como é o caso dos Países Baixos (11º lugar), Austrália (10º lugar) e Coreia do Sul (8º lugar).

Isto porque o sistema brasileiro é essencialmente privado, pautado na formação desportiva por intermédio dos clubes, associações ou sociedades cuja finalidade social é a promoção e prática do esporte.

Deste modo, na fase de formação, o atleta brasileiro tem que subsistir por meios próprios, valendo-se das instalações de algum clube ou associação e de parcos recursos financeiros advindos das instituições privadas. Inúmeros são os exemplos de superação contados por atletas que, com muita garra e amor ao esporte, tiveram que ultrapassar a falta de apoio e de recursos financeiros para crescer e se tornarem verdadeiros competidores de classe olímpica.

O suporte estatal brasileiro

O suporte estatal brasileiro, direto ou indireto, costuma ocorrer apenas quando o atleta já se encontra formado, atuando em alto nível, já tendo relevante notoriedade na respectiva modalidade. Diversos medalhistas olímpicos, por exemplo, bateram continência no pódio, em alusão ao patrocínio que recebem das Forças Armadas, por meio do Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR). Os recursos das Forças Armadas são válidos e muitíssimo bem-vindos, porém não contribuem, ao menos diretamente, com a formação desportiva. Eles premiam, tão somente, aqueles atletas com chances de êxito nas competições, numa espécie, literalmente, de patrocínio.

Ginasta Arthur Zanetti - Prata nas argolas nas olimpíadas do Rio 2016 Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ginasta Arthur Zanetti – Prata nas argolas nas olimpíadas do Rio 2016
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Exemplo direto, o atleta Arthur Zanetti, da ginástica, foi medalha de ouro em Londres, 2012. Já consagrado e com um mero mês de antecedência aos Jogos do Rio, passou a ser patrocinado pelas Forças Armadas, tornando-se, temporariamente, sargento da aeronáutica. É claro que a formação de Zanetti nunca passou pelas Forças Armadas. A captação de recursos representa, nada mais, que um patrocínio, tendo o ginasta, em contrapartida, batido continência no pódio ao conquistar a medalha de prata no Rio.

Cabe aqui apenas lembrarmos que, em que pese o mero patrocínio das Forças Armadas, na realidade, a organização deveria receber mais investimentos do Estado, para não dispensar os jovens quando completam 18 anos, por excesso de contingência. A formação militar, com efeito, propicia disciplina, hierarquia e senso de equipe. Investir nestes quadros não só favorece o esporte nacional, como também a vida social no País.
Nesta direção, vale citar a Escola Superior de Guerra (ESG) fundada em 1949 (Lei no 785), que afirma que o Estado deve proporcionar em determinada “fase à Nação que jurisdiciona, para a obtenção ou manutenção dos Objetivos Nacionais, malgrado os obstáculos existentes ou potenciais.”. Importa frisar que não se trataria de doutrinação do povo, mas de transmissão de valores relevantes para a formação pessoal de cada indivíduo, diferentemente de como ocorria na época da Ditadura. O ensino da cidadania e do direito do Estado seriam objetivos no caso, aliados ao esporte.

Apoio a atletas e os recursos federais

Pois bem, mesmo os recursos advindos do Governo Federal por meio do Bolsa-Atleta (Lei Federal no 10.891/2004), dependem da consecução de resultados prévios pelo atleta. 1
De qualquer maneira, este modo de atuação do Estado, isto é, no apoio a atletas já formados ou com possibilidades de êxito desportivo, é válido e, de certo, contribuiu para a significativa evolução do Brasil no quadro de medalhas. Os recursos federais são extremamente bem-vindos e representam uma importante fonte de renda para viabilizar a permanência do atleta no esporte. Porém, muito respeitosamente, jamais farão do Brasil uma potência olímpica. Para se tornar um expoente no desporto mundial, um país precisa, inevitavelmente, integrar a formação desportiva à formação educacional de base.

O patrocínio das Forças Armadas ou o Bolsa-Atleta não formam atletas. Apenas permite com que os atletas formados prossigam em sua carreira.

Ora, um atleta de alto rendimento, na essência, é um trabalhador. Ele exerce um ofício, um trabalho. Alguns o fazem por gosto, isto é, de maneira não profissional, subsistindo de outras rendas. Outros fazem disso uma profissão, uma fonte de subsistência. O esporte de rendimento demanda do atleta dedicação integral aos treinamentos, à saúde física, aos jogos e competições. A formação é exaustiva, física e psicologicamente, compreendendo disciplina e viagens.
Os gastos, no início da atividade desportiva, são muitos e, em sua grande maioria, suportados pelos clubes. No apogeu da adolescência para a fase adulta, o atleta tem que tomar uma das grandes decisões da sua vida: seguir para uma profissão ordinária ou rumar para a profissão desportiva? Estudar, numa universidade ou continuar treinando em um clube?

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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É por isso que é primordial que a educação, de modo lato sensu, compreenda a educação desportiva de uma maneira ampla. A formação desportiva é dever do Estado, como bem salienta o artigo 217, caput e inciso II, da Constituição Federal:
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
[…]
II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
Ademais, cabe uma breve reflexão, antes de prosseguirmos, no sentido de que, além da educação nesta perspectiva, o Estado também deve se preocupar com os deficientes físicos, que praticam esportes, podendo participar das Paraolimpíadas.

Acesso ao esporte para o deficiente

Neste sentido, a Lei Brasileira de Inclusão, Lei Federal no. 13.146/2015, de relatoria da Deputada Federal Mara Gabrilli (PSDB – SP), em seu artigo 42, garante o acesso ao esporte para o deficiente. Sendo assim, não devemos torcer apenas para os atletas sem deficiência, é preciso igualmente apoiar os esportistas deficientes, que merecem, do mesmo modo, o suporte do Estado. Logo, para o grau de potência olímpica, não só é imprescindível que o futuro atleta tenha acesso, gratuitamente, à formação desportiva na escola, direcionando-o desde os primórdios à modalidade que o interesse, mas que, em nível universitário, não tenha este que abdicar do esporte para poder ter uma “profissão”, assim como, nesta direção, o mesmo se aplicando aos deficientes.

Sistema mais amplo e socialista de formação desportiva

Nesta perspectiva, a verdadeira potência olímpica mundial hoje, os Estados Unidos da América (1º lugar – 46 medalhas de ouro, 121 no total – nos Jogos do Rio 2016), possuem um sistema muito mais amplo e socialista de formação desportiva que o Brasil, inicialmente concebido a partir do modelo britânico 2 (a Grã-Bretanha foi a 2ª colocada nos Jogos do Rio, com 26 medalhas de ouro).

As escolas públicas norte-americanas, em sua maioria, contam com instalações invejáveis e completas, trazendo uma ampla gama de esportes para as crianças de modo com que estas não sejam excluídas por não terem aptidão a uma ou outra modalidade. Desta forma, a criança é direcionada, ainda no início da educação fundamental, à modalidade desportiva que mais lhe interessar (futebol, basquete, futebol americano, baseball, softball, atletismo, natação, vôlei, handebol, tênis, luta olímpica, arco e flecha, judô, karatê, polo aquático, hockey, esgrima etc. 3 ) e nela tem a possibilidade de se desenvolver com recursos exclusivamente estatais. Além disso, a estrutura desportiva escolar usual norte-americana compreende não só as instalações e pessoal (professores, treinadores, quadras, equipamentos etc.), mas também, logística de transporte e estadia (ônibus e alojamentos) para campeonatos interescolares, disputados por todo o país.

 

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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O fomento à prática desportiva pelo Estado e o estímulo à competitividade e ao rendimento, portanto, se iniciam na educação básica e são promovidos de forma igualitária e sem restrições, a todos os estudantes norte-americanos, os quais veem, na escola, seu primordial meio de praticar o desporto 4.

Ao ingressar no nível universitário, por sua vez, o estudante e futuro atleta norte-americano não se depara com a comum indagação de um brasileiro. As Universidades, públicas ou privadas, detém impecável infraestrutura desportiva de ponta, a causar inveja em muitos dos melhores clubes brasileiros, senão todos 5 , além de oferecer, usualmente, bolsas para atletas que compreendam todos os custos educacionais, permitindo com que estes tenham um diploma superior sem abdicarem da prática desportiva.

A excelência da formação desportiva escolar e universitária norte-americana é tão grande, que a esmagadora maioria dos recrutas das grandes ligas do país (NBA, NFL, NHL e MLB 6 ), advém das universidades ou, até mesmo, diretamente dos colégios 7. Além disto, caso o atleta, após o esgotamento de sua formação desportiva completa – e sem custos –, não venha a encontrar no esporte um meio de vida, sua subsistência estará amparada por uma graduação de nível superior, tornando facilitado seu ingresso no mercado convencional de trabalho. Neste cenário, pode-se dizer que há um abismo entre os graus de participação do Estado Brasileiro e do Estado Norte-Americano na formação desportiva. E este pode ser mensurado pela abissal diferença entre ambos no quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos.

Portanto, apesar de não haver uma receita para se tornar uma potência olímpica, pode-se dizer que este feito está intimamente ligado à efetividade da participação estatal na formação desportiva, sobretudo na educação básica e universitária.

Corroborando, Manoel Tubino defende a adoção, pela Administração Pública brasileira (União, Estados e Municípios) de um sistema nacional do desporto pautado no “Esporte-Educação”, o qual, “poderá servir de base para um estilo de vida ativo das pessoas, que poderão incorporar em suas culturas individuais, quando chegarem à idade adulta, a prática esportiva formal (como atleta) ou não-formal (como lazer8)”.

O dever de investir na formação

O Estado Brasileiro não pode deixar de patrocinar, direta ou indiretamente, seus atletas de alto rendimento, até porque estes são a referência dos mais jovens. Todavia, ao mesmo tempo, tem o dever constitucional de investir, pesadamente, na formação desportiva, transformando suas escolas e universidades em verdadeiros centros de excelência na educação e prática desportivas, principalmente se almejar, um dia, atingir o glorioso status de potência olímpica mundial.

Finalmente, recorrendo à obra Transformando Suor em Ouro, do técnico Bernardinho da seleção brasileira masculina de vôlei, vitoriosa nessa Olimpíada, o Reality Team treina duro, de forma que, por se empenhar nos treinos, sangra menos nas partidas. Neste sentido, Bernardinho cita Colonel Red: “Quanto mais você sua no treino, menos sangra no campo de batalha”.

Daí, assim no vôlei, como na vida, a fase de preparação e planejamento é essencial para lograr-se campeão, vitorioso nas quadras e, também, na vida política, social e econômica, devendo-se investir desde cedo nos jovens na escola, na universidade e nas Forças Armadas.

 

Referências Bibliográficas:

LAIOS, Athanasios. School versus Non-School Sports: structure, organization and function in Greece, Europe and the USA. International Journal of Educational Management. Vol. 9. N. 1. 1995.
MILLER, Jason K. High School Boys´ Basketball and the Social Structure of Suburban, Rural and Urban High School Communities: A Comparative Case Study. 193f. University of Louisville, Louisville, KY. 2008.
TUBINO, Manoel. Estudos Brasileiros Sobre o Esporte: Ênfase no Esporte-Educação. Maringá: Eduem. 2010.

 

Notas e Citações

1. A lei, em seu artigo 1º, traz várias classificações de bolsa, porém a concessão do benefício é restrita à obtenção de resultados (1º a 3º lugares) em campeonatos específicos ou à participação nos Jogos Olímpicos ou Paraolímpicos, conforme regulamentação editada pelo Ministério do Esporte. Mais informações em: http://www2.esporte.gov.br/snear/bolsaAtleta/prerequisitos.jsp. Acesso em 12 set 2016.
2. MILLER, Jason K. High School Boys´ Basketball and the Social Structure of Suburban, Rural and Urban High School Communities: A Comparative Case Study. 193f. University of Louisville, Louisville, KY. 2008. p. 27.
3. LAIOS, Athanasios. School versus Non-School Sports: structure, organization and function in Greece, Europe and the USA. International Journal of Educational Management. Vol. 9. N. 1. 1995. p. 4.
4. Idem. Ibidem.
5. A Universidade de Kentucky, por exemplo, conta com um ginásio com capacidade para 23.500 torcedores, maior, portanto, que qualquer ginásio brasileiro. Desde 1977, todos os jogos de “Kentucky” pelo campeonato nacional de basquetebol universitário (NCAA) têm os ingressos esgotados. A Universidade do Estado da Pennsylvania, por sua vez, conta com um estádio de futebol americano para 106.572 pessoas, cerca de um terço a mais que o Maracanã.
6. Abreviação de National Basketball League, National Football League, National Hockey League e Major League Baseball, respectivamente.
7. LeBron James, melhor atleta das finais da NBA de 2016, foi recrutado por um time profissional da liga diretamente do Colégio St. Vincent-St. Mary, situado na pequena cidade de Akron, Ohio.
8. TUBINO, Manoel. Estudos Brasileiros Sobre o Esporte: Ênfase no Esporte-Educação. Maringá: Eduem. 2010. p. 97.

 

Nicolas MerloneNicholas Maciel Merlone é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Direito Constitucional em Debate – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro Associado do Observatório Constitucional Latino Americano (OCLA). Professor Universitário e Advogado.

 

Victor Targino de Araujo – Advogado do Sport Club Corinthians Paulista, Auditor da Comissão Disciplinar do       Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Basketball e Pós-Graduado em Direito Desportivo pela       Pontifícia Universidade Católica – São Paulo/SP.

 

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