Artigo veiculado na 47ª edição do Jornal Estado de Direito
Há menos de três décadas quem se animasse a escrever sobre Direito Ambiental seguramente seria visto como um visionário descomprometido com questões práticas mais urgentes. À época, a proteção do patrimônio ambiental era tema associado a práticas contra-hegemônicas concebidas no interior de movimentos libertários, originados nos dias contestadores que se sucederam a maio de 1968.
Desprezava-se os alertas emitidos desde 1972, com a divulgação da Hipótese de Gaia, desenvolvida por James E. Lovelock e William Golding, que apontavam os riscos da ação do homem sobre o equilíbrio ecológico. O reforço do Relatório Brundtland, de 1987, que consolidou a dimensão intergeracional do desenvolvimento sustentável, tampouco animava os humores da sociedade civil, que permanecia cética ao chamado de lucidez que faziam os cientistas.
Ainda que a narrativa de direitos inaugurada pela Ordem Fundante de 1988 tenha consagrado, em seu art. 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental intergeracional, porque voltado à proteção dos interesses das presentes e futuras gerações, seu estudo permaneceu em segundo plano durante anos. Demorou até que fosse alçado à condição de componente do conceito de vida digna e, portanto, do super-princípio da dignidade da pessoa humana difundido pela Constituição.
A partir dos anos 90, todavia, o debate sobre o meio ambiente experimentou uma reviravolta. Os primeiros sinais de que as mudanças climáticas não eram consequência de processos naturais cíclicos vieram na forma de desordens nos padrões climáticos e no aumento da temperatura nas calotas polares, com derretimento de geleiras e alta dos níveis dos oceanos. Prejuízos à agricultura e eventos extremos, como invernos excessivamente rigorosos e verões sem chuvas, demonstraram à humanidade os efeitos nefastos do egoísmo irresponsável e materialista.
O direito ambiental, nessa toada, adquiriu enorme centralidade. O aperfeiçoamento dos aparatos regulatórios fez surgir demandas para as dimensões consultiva/preventiva e contenciosa da advocacia favoreceram o surgimento de bancas especializadas bastante prósperas. Em idêntico sentido, o sistema Justiça foi obrigado a se adequar, seja através da instituição de câmaras reservadas ao julgamento de questões ambientais, movimento protagonizado pelo TJSP, seja mediante a criação de órgãos de apoio e promotorias próprias no Ministério Público.
O que há por trás dessa e de outras iniciativas é um imperativo ético de força inequívoca, a ser incorporado pela ação individual e coletiva. A toda sociedade é feito um chamado de responsabilidade que não se esgota na existência presente, projetando-se rumo às gerações do porvir.
O tema interessa a um horizonte amplo de possibilidades, a começar pela agenda democrática. Dito de outro modo, deve impregnar as múltiplas
dimensões do debate público e reverberar nas esferas de tomada de decisão política com uma orientação que indique com clareza a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos legais de proteção e políticas públicas que efetivamente os concretize, em atendimento à vontade constitucional.
É também um chamado à criatividade do setor produtivo. Encontrar maneiras de gerar emprego e renda de forma sustentável, além de atender ao imperativo ético aqui destacado, é uma maneira de se destacar entre consumidores e stakeholders cada vez mais sensíveis à causa. O desenvolvimento de selos de responsabilidade ambiental é um indicativo de que o assunto foi inscrito definitivamente nessa frente.
Pautas progressistas em inúmeros campos de atuação têm incrementado a frente de apoio à causa ambiental. O movimento denominado Teologia da Libertação, com forte presença na Igreja Católica, resignificou bandeiras históricas, como a justiça social, para incorporar a preocupação com o meio ambiente. No dia 18 de junho de 2015, o Papa Francisco tornará pública a encíclica Laudato si (Louvado Seja), que se inspira num preciso diagnóstico do tempo presente que aponta os riscos à sobrevivência da civilização frente o inclemente descuido com que o patrimônio ambiental tem sido tratado.
Não pode o sistema Justiça arrefecer seu entusiasmo. A criação de varas especializadas em direito ambiental no TJSP, tema resgatado na atual gestão, mostra que o assunto permanece vivo. Na doutrina, a inclusão definitiva do meio ambiente no rol de direitos cobertos pelo chamado princípio da proibição de retrocesso é uma proteção frente as variações de composição do parlamento, quase sempre entusiasmada a legislar de maneira temerária.
Ao final, o grande incremento é de ordem pedagógica. Aprende-se pelo amor ou pela dor. Ainda que a dor seja cada vez mais constante, que ela estimule o avanço cognitivo da sociedade e faça incorporar essa linguagem entre todos aqueles que, sem niilismo, acreditam na humanidade como projeto e apostam na sua continuidade.
José Renato Nalini, 69, é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi corregedor geral da Justiça no biênio 2012/13 e é presidente do TJSP no biênio 2014/15. É professor titular do programa de pós-graduação em Direito da UNINOVE e autor, entre outros, de Ética Ambiental (4a ed., Editora Revista dos Tribunais, 2015). E-mail: jose-nalini@uol.com.br.