A condução coercitiva do cidadão brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – repercussões

Condução coercitiva contra Lula: uma arbitrariedade?

Uma compreensão à luz do legal e do justo leva à conclusão de que essa condução coercitiva, realizada na sexta-feira última, dia 04 de março de 2016, pela Polícia Federal de São Paulo, no município de São Bernardo do Campo, atendeu aos parâmetros legais, e deve ser considerada um procedimento válido, gerando todos os efeitos jurídicos.

Foi um procedimento no inquérito policial, dentro da 24ª fase da Operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, chamada de Aletheia (palavra grega), que significa “em busca da verdade”, e que se desenvolve sob a competência do juiz federal do Estado do Paraná, Sérgio Moro.

As perguntas sobre se essa condução coercitiva específica contra o sr Lula teria sido arbitrária ou não, polarizou a atenção da grande maioria dos 204 milhões de brasileiros e, possivelmente, de muitos setores em todo o mundo.

Terá sido uma violência? Um ato político contra o ex presidente, camuflado de ato policial legal? Um abuso de autoridade do Juiz Moro, ou da Polícia Federal de São Paulo?
As discussões espalharam-se por todo o país e foi surpreendente –  um ex presidente ser levado para depor, coercitivamente, – a tal ponto, que toda a imprensa mundial destacou o acontecimento.

Mas, porque toda essa paralisação em torno de um procedimento, que já era o 118 º, dentro da Operação Lava Jato?  Sim, 117 mandados de condução coercitiva já tinham sido cumpridos e nenhum deles havia causado tamanha divergência e repercussão.

Seguramente, porque o mundo, e, em particular o Brasil, não estejam acostumados a ver situações de igualdade efetivada, exercida na realidade fática, onde todos os cidadãos sejam tratados com isonomia, princípio previsto na CF, art 5º, e, na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, 1948, arts I e VII.

  

A sexta-feira que não foi treze

O evento, porém, da “sexta-feira 04”, mostra sinais de uma nova ordem surgindo no horizonte. Só o futuro nos dirá sobre a garantia e realização dessa expectativa e desse anseio.

O susto pela inclusão dos “privilegiados ou famosos”, nos procedimentos de polícia e de justiça foi, literalmente, a razão da turbulência social e política.

Ora, desde que haja necessidade de investigações policiais de supostos crimes, ninguém deve estar acima de qualquer suspeita.  Trata-se sobretudo, de atender ao bem comum, isto é, a proteção da sociedade como um todo, que precisa de equilibração, para se construir.

Para indignação das mentes de formação jurídica mais civilizada, vozes importantes se posicionaram contra o procedimento, e, declararam que “a decisão do Juiz Moro foi ato de força que atropela a regra”.

Felizmente, os procuradores manifestaram sua aprovação e o entendimento da total legalidade e legitimidade da medida de coerção. O Juiz Sérgio Moro também publicou uma nota, explicando que se tratava de atender “a segurança do depoente, tendo em vista sua figura pública e a proteção das provas”.

Por outro lado, registrou-se a reação positiva de uma grande maioria de brasileiros, que aplaudiram a conduta da Polícia Federal e sua independência, na efetivação de medidas legais obrigatórias.

Lamentavelmente, esse procedimento legal e investigativo gerou um oportunismo político, pois foi usado pelo chamado “lulismo”, e que dá nítidos sinais de um “apagar das antigas luzes”, para recarregar a bateria “da capacidade de guerrear”. Expressão usada na reunião da sede do Partido dos Trabalhadores, no centro de São Paulo, tão logo o sr Lula saiu do depoimento em Congonhas.


Núcleo da Coerção

Mas o que significa juridicamente condução coercitiva? E quais seriam os seus fundamentos?

O núcleo da discussão se prende a uma lamentável interpenetração de um fato social, que foi considerado também político (mundo social), com um procedimento estritamente legal, administrativo (policial), judicial e justo (mundo jurídico).

As duas dimensões se misturaram, gerando as já mencionadas discussões e divergências, porque se tratava de um ex presidente da República, o qual exercia um “carisma” até junho de 2013, mas que ainda interfere, decisivamente, no atual governo federal, e conturba a cena política brasileira.

E sobretudo, porque o sr Lula se arroga ao direito de receber um tratamento, que significaria uma verdadeira ruptura com o princípio constitucional e universal dos direitos humanos, que é o da igualdade entre os seres humanos.

Condução vem do latim conducere, conduzir, ser levado.

Coercitiva vem da palavra coerção, cuja origem também é latina – coertione (leia-se coercione porque “ ti” seguido de vogal muda o som para c) e significa ato de coagir, coação, repressão.

soberania do estado

No sentido jurídico, a forma que emana da soberania do Estado e é capaz de impor o respeito à norma legal, é a coercibilidade, isto é, a possibilidade lógica da interferência da força no cumprimento de uma regra de direito (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 1991, p 69).

O Direito é de tal natureza que implica uma organização de poder, a fim de que sejam cumpridos os seus preceitos. Como as normas jurídicas visam preservar o que há de essencial na convivência humana, elas não podem ficar à mercê da simples boa vontade, da adesão espontânea dos obrigados. É necessário prever-se a possibilidade do seu cumprimento obrigatório.

 A coercibilidade é um dos caracteres essenciais da norma positiva de direito (Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos, 1991, v 1, p 163).

Foi exatamente o que ocorreu: no momento em que as investigações policiais exigiram, o depoimento da parte suspeita, sr Lula, foi requerido, e, diante dos riscos já identificados, foi imposta a condução coercitiva.

É evidente que todo ato jurídico, seja administrativo-policial ou  judicial, deve ser precedido de informação e notificação à parte, que tem o direito, no devido processo legal, de “expor a sua verdade” e de oferecer sua defesa.

Por essa exigência do Estado Democrático de Direito (CF art 1º), há previsão de comunicação dos atos jurídicos, nos mais variados diplomas legais brasileiros: Código de Processo Penal; Novo Código de Processo Civil (Lei 13 105, de 16 de março de 2015); Consolidação das Leis do Trabalho, Lei do Executivo Fiscal (Lei 6 830/1980).

Foi justamente esse, o argumento apresentado pelo ministro, Marco Aurélio, do STF, e pelo jurista, Luiz Flavio Gomes, de que o mandado teria desrespeitado a regra pela falta de uma citação anterior.

Realmente, a intimação ou citação, deve seguir os parâmetros estritamente legais, aguardando a ciência da parte, a fim de que a mesma saiba, de antemão, horário, local e conteúdo da convocação legal, e prepare a defesa à arguição policial ou judicial.

Ocorre que na situação em foco, exigiam-se providências e procedimentos excepcionais, que levaram à determinação da coerção, isto é, sem qualquer pré comunicação à parte, no caso o sr Lula, e que deveria então, ser conduzido para depoimento, sob escolta policial, portanto, coercitivamente, ou sob vara (antiga denominação).

lula escoltado

Bem, nesse ponto, localiza-se a questão e núcleo do debate, da divergência e do clamor social e político, tanto a favor, quanto contra a condução coercitiva.

Deve ser esclarecido que o particular ou parte suspeita ou investigada não tem escolhas. Não tem o direito dispositivo, que é princípio do Direito Privado, mas está submetido ao Estado soberano, quando entram em atuação as regras de Direito Público: o Estado pode, sim, exercer a coerção, isto é, pode obrigar a parte a obedecer os preceitos legais.

Esse monopólio da coerção e exercício de soberania devem vigorar para todos, todos, em nome de valores maiores, que são o bem comum de toda uma nação e o bem estar da pessoa humana, nela inserida.

 

A  Justiça deve prevalecer sobre o Direito

Trata-se do princípio do “justo”, que deve prevalecer sobre o princípio do “legal”, expresso no direito positivo.

O princípio do “justo”, aliado à sanção de que a norma jurídica é dotada, vão fundamentar a coerção.

Colocar o poder como fundamento último de uma ordem jurídica positiva não quer dizer reduzir o Direito à força, mas simplesmente reconhecer que a força é necessária para a realização do Direito” (Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, 1991, p 66).

Mas o que é o “justo”, o que fundamenta esse monopólio da violência de que o Estado é o único detentor?

Gustav Radbruch

Gustav Radbruch

O “justo” é a dimensão maior onde está abrigado o legal, o Direito.  A dimensão do “justo” não se mantém enclausurada nos fundamentos legais e legislativos, não se contém em fundamentações de direito positivo, mas é, intrinsecamente dinâmica, porque tem que realizar o bem comum.“A idéia do Direito não pode ser diferente da idéia de justiça”, eis a síntese cristalina de Gustav Radbruch, expressa no século passado (Filosofia do Direito,  trad Cabral de Moncada, 1997, p 86 – acesso a Wikipedia 04 03 16).

A explanação termina com a frase, que foi proferida no ano 63 AC, em Roma, (jorgecarrano.blogspot.com.br e www.culturabrasil.pro.br/catilinarias cicero.htm acessos 05 03 16), em discurso feito pelo consul, orador, político e filósofo, Marcus Tullius Cicero perante o senado: “QUO USQUE TANDEM ABUTERE, CATILINA, PATIENTIA NOSTRA? “ATÉ QUANDO, CATILINA, ABUSARÁS DE NOSSA PACIÊNCIA?”

Até quando, o Brasil ficará paralisado, assistindo a um julgamento, que não pertence ao povo brasileiro, e de quem foram retirados empregos, poder aquisitivo, qualidade de vida, dignidade, paz e saúde, e já comprometendo as gerações futuras, (microcefalia, subnutrição, falta de saneamento básico, nível de cultura e de empregabilidade inacessíveis..)?

A HISTÓRIA DO BRASIL precisa com urgência ser retomada.

 

Maria Alice Gurgel do Amaral é Articulista do Jornal Estado de Direito – Pós doutoranda École de Droit, Université Paris I, Panthéon Sorbonne, supervisão Francis Kessler; Doutora em Dir do Trabalho Fac Direito USP; Advogada OAB 93607; Funcionária aposentada  TRTSP; Jornalista prof MT 10 201; Autora do livro A EFETIVAÇÃO DO DIREITO NA EXECUÇÃO TRABALHISTA, Ed ME, Campinas, SP 2004.
 
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