A cidade entre a tecnologia e a poesia

“A poesia é ato humano – relações harmoniosas entre imagens perceptíveis. A poesia da natureza é, exatamente, apenas uma construção do espírito. A cidade é uma imagem poderosa que aciona nosso espírito. Por que a cidade não seria, ainda hoje, uma fonte de poesia?”.

A citação é bela – e talvez inculta – e seria lida com facilidade como trecho inspirado de um escritor romântico, não fosse o período que a antecede: “Uma cidade! É o domínio do homem sobre a natureza. É uma ação humana contra a natureza, um organismo humano de proteção e de trabalho. É uma criação”.

O autor? Le Corbusier.

O conflito (aparente) entre o lírico e o racional que os trechos – unificados na epígrafe da obra seminal “O Urbanismo (“Urbanisme”, de 1925) – evoca é a chave para compreender duas visões distintas sobre a cidade. Seria ela a projeção de um espírito criador poético e, por natureza, livre, ou um organismo ordenado para a defesa do homem frente a natureza?

O debate é filosófico, mas importante. Le Corbusier encarnou um espírito de época encantado com os potenciais emancipatórios da razão e canaliza esse ideário para o planejamento urbano, na forma de tecnologia aplicada. Toda uma geração de arquitetos urbanistas foi formada segundo esse paradigma.

A fórmula, contudo, já mostrou sinais de esgotamento. Não existe um planejador universal capaz de prever todas as variáveis tangíveis e intangíveis das interações na cidade. E o projeto nunca foi capaz de se descolar do humano, sempre dinâmico.

Por outro lado, a sedução que a imagem de uma cidade mais orgânica, espontânea e edificada segundo relações de colaboração dificilmente se sustenta quando a sua materialização acontece na forma de ocupação irregular do território, embora não se discuta a vitalidade dos laços de comunidade que unem as pessoas nesses espaços.

Ruptura, reforma ou convergência?

A hipótese do traço característico do projeto arquitetônico de Brasília ilustra bem essa relação. A cidade não deixou de ser a última utopia modernista que um dia pretendeu traduzir um projeto de nação, mas ela foi de algum modo qualificada pelo elemento sedutor do feminino presente no traço de Oscar Niemeyer. Possibilidade ou utopia?

No mesmo sentido estão as políticas de regularização fundiária. O antropólogo norte-americano James Holston, no livro “Cidadania Insurgente”, enxerga o tema como expressão de um “mau governo das leis”. Historicamente engendradas para beneficiar as elites fundiárias, hoje essas políticas são apropriadas pelos movimentos populares na forma de uma luta pela cidadania. Acomodação ou revolução?

Nas cidades, deve-se buscar a convergência entre poesia e tecnologia. Qual deve preponderar? A primeira. Afinal, à utopia cabe desenhar o horizonte de possibilidades que vão orientar as escolhas racionais do planejador.

Essa afirmação qualifica o movimento de Le Corbusier, mas amplia o número de participantes do planejamento e os traz para um plano mais horizontal, calcado na alteridade. Além de trocar velhas narrativas totalizantes por novas histórias, mais poéticas. A cidade é composta por pessoas. Essa a sua fonte de poder.

Na existência, rupturas são precedidas de movimentos singelos e, até mesmo, irrefletidos, que começam muitas vezes pelo acaso caprichoso. Marcam, todavia, um passo adiante, que não admite a racionalização e sublimação.

É da natureza da reinvenção não planejar. Ela acontece. Do contrário não seria ruptura, mas reforma. É essa energia erótica de criação do novo que movimenta o mundo. Tão necessária, porque permite a construção de novos enredos, e, também, de novas cidades.

Sem hermetismo, trocando em miúdos.

Autor: Wilson Levy Braga da Silva Neto – Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Graduate Student Fellow do Lincoln Institute of Land Policy. Professor assistente na PUC-SP e colaborador do programa de pós-graduação em Direito da UNINOVE.

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