Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

Tem circulado uma notícia em que o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que os efeitos da alteração do regime de bens teria efeito retroativo. Contudo, não foi exatamente isso que ocorreu.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça permanece no sentido de que é necessário analisar o caso concreto, mas que a regra é de efeito ex nunc, ou seja a partir da sentença que transitou em julgado.
Ocorre porém, que no caso concreto, o casal estava inicialmente no regime de separação total de bens e fizeram a alteração para o regime de comunhão universal de bens.
No caso, o que aponta o regime de comunhão universal de bens, que os bens que cada um dos cônjuges tiver como próprio passam a pertencer ao casal – sendo assim, o efeito do próprio regime de bens e não tendo a ideia de retroatividade, mas sim, como consequência de aplicação do referido regime de bens, que é de eficácia imediata, vejamos a trajetória do referido processo:
Num primeiro momento o Recurso Especial não foi conhecido, vejamos:
RECURSO ESPECIAL Nº 1671422 – SP (2017/0110208-3) RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO RECORRENTE : A S D A RECORRENTE : C C H ADVOGADOS : REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA – SP060415 FERNANDA FERNANDES GALLUCI E OUTRO(S) – SP287483
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por A. S. D. A. e C. C. H., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra v. acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (e-STJ, fl. 107): “EMENTA – CASAMENTO – ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS (separação total para comunhão universal) – Decreto de procedência – Recurso interposto pelos autores, pleiteando que a alteração retroaja à data da celebração do casamento – Inadmissibilidade – Modificação de regime de bens que possui efeito ex nunc – Inteligência do art. 1.639, § 2º, do Código Civil – Precedentes, inclusive do C. STJ – Sentença mantida – Recurso improvido.” Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (e-STJ, fls. 160/163). Nas razões do recurso especial, os recorrentes apontam violação do art. 1.667 do Código Civil, bem como divergência jurisprudencial, argumentando que a modificação do regime de bens deve produzir efeitos “ex tunc”. Assim, pedem o provimento do recurso especial, determinando-se que o regime da comunhão universal de bens adotado pelas partes retroaja à data do casamento, importando na “comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas”. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso especial (e-STJ, fls. 264/271).
É o relatório.
Decido.
Na hipótese, o eg. Tribunal de origem confirmou a sentença ao consignar, em sua parte dispositiva, que a alteração do regime de bens deferida possui eficácia a partir do trânsito em julgado, reputando descabido o pleito de que a alteração retroaja à data da celebração do casamento, haja vista que a sentença de procedência, nesses casos, gera efeitos “ex nunc”. Assim decidindo, o v. acórdão recorrido alinhou-se ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que os efeitos da modificação do regime de bens do casamento operam “ex nunc”, isto é, a partir da decisão que homologa a alteração, ficando regidos os fatos jurídicos anteriores e os efeitos pretéritos pelo regime de bens então vigente.
Nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA. CASAMENTO CELEBRADO SOB A VIGÊNCIA DO CC/1916. ADVENTO DO CC/2002. POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO REGIME DE BENS. CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE DE UM DOS CÔNJUGES. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. 1- Recurso especial interposto em 26/6/2020 e concluso ao gabinete em 2/7/2021. 2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) o acórdão recorrido estaria deficientemente fundamentado; e b) a cessação da incapacidade civil de um dos cônjuges, que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916, autoriza, em prestígio ao princípio da autonomia privada e na vigência do Código Civil de 2002, a modificação do regime de bens do casamento. 3- Devidamente analisada e discutida a questão de mérito e fundamentado suficientemente o acórdão recorrido naquilo que o Tribunal considerou pertinente ao deslinde da controvérsia, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/15. 4- A teor do § 2º do art. 1.639 do CC/2002, para a modificação do regime de bens, basta que ambos os cônjuges deduzam pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, sem prejuízo dos direitos de terceiros, resguardando-se os efeitos do ato jurídico perfeito do regime originário, expressamente ressalvados pelos arts. 2.035 e 2.039 do Código atual. 5- O poder atribuído aos cônjuges pelo § 2º do art. 1.639 do CC/2002 de modificar o regime de bens do casamento subsiste ainda que o matrimônio tenha sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916. 6- A melhor interpretação que se pode conferir ao § 2º do art. 1.639 do CC é aquela segundo a qual não se deve “exigir dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes” (REsp 1119462/MG, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 12/03/2013). 7- Em situações como a presente, em que o exame dos autos não revelou aos juízos de primeiro e segundo graus – soberanos na apreciação das provas – qualquer elemento concreto capaz de ensejar o reconhecimento, ainda que de forma indiciária, de eventuais danos a serem suportados por algum dos consortes ou por terceiros, há de ser preservada a vontade dos cônjuges, sob pena de violação de sua intimidade e vida privada. 8- Ante a previsão do art. 1.639, § 2º, do CC/2002 e a presunção de boa-fé que favorece os autores, desde que resguardado direitos de terceiros, a cessação da incapacidade de um dos cônjuges – que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916 – autoriza, na vigência do CC/2002, em prestígio ao princípio da autonomia privada, a modificação do regime de bens do casamento. 9- Os efeitos da modificação do regime de bens do casamento operam ex nunc, isto é, a partir da decisão que homologa a alteração, ficando regidos os fatos jurídicos anteriores e os efeitos pretéritos pelo regime de bens então vigente. Precedentes. 10- Recurso especial provido.” (REsp n. 1.947.749/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/9/2021, DJe de 16/9/2021) – grifou-se.
“DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DO CASAMENTO DE COMUNHÃO PARCIAL PARA SEPARAÇÃO TOTAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. PARTILHA DOS BENS ADQUIRIDOS NO REGIME ANTERIOR. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Consoante dispõe o art. 535 do Código de Processo Civil, destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa. 2. É possível a alteração de regime de bens de casamento celebrado sob a égide do CC de 1916, em consonância com a interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039 do Código atual, desde que respeitados os efeitos do ato jurídico perfeito do regime originário. 3. No caso, diante de manifestação expressa dos cônjuges, não há óbice legal que os impeça de partilhar os bens adquiridos no regime anterior, de comunhão parcial, na hipótese de mudança para separação total, desde que não acarrete prejuízo para eles próprios e resguardado o direito de terceiros. Reconhecimento da eficácia ex nunc da alteração do regime de bens que não se mostra incompatível com essa solução. 4. Recurso especial provido.” (REsp n. 1.533.179/RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 8/9/2015, DJe de 23/9/2015) – grifou-se. “RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. TERMO INICIAL DOS SEUS EFEITOS. EX NUNC. ALIMENTOS. RAZOABILIDADE. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. CONCLUSÕES ALCANÇADAS PELA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. 1 – Separação judicial de casal que, após período de união estável, casou-se, em 1997, pelo regime da separação de bens, procedendo a sua alteração para o regime da comunhão parcial em 2007 e separando-se definitivamente em 2008. 2 – Controvérsia em torno do termo inicial dos efeitos da alteração do regime de bens do casamento (“ex nunc” ou “ex tunc”) e do valor dos alimentos. 3 – Reconhecimento da eficácia “ex nunc” da alteração do regime de bens, tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou. Interpretação do art. 1639, § 2º, do CC/2002. 4 – Razoabilidade do valor fixado a título de alimentos, atendendo aos critérios legais (necessidade da alimentanda e possibilidade do alimentante). Impossibilidade de revisão em sede de recurso especial. Vedação da Súmula 07/STJ. 5 – Precedentes jurisprudenciais do STJ. 6 – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.” (REsp n. 1.300.036/MT, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/5/2014, DJe de 20/5/2014) – grifou-se.
Diante do exposto, nos termos do art. 255, § 4º, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial. Publique-se. Brasília, 02 de setembro de 2022. Ministro RAUL ARAÚJO Relator
Porém, a parte agravou da referida decisão:
AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1671422 – SP (2017/0110208-3)
DECISÃO
Afiguram-se relevantes as alegações dos agravantes, motivo pelo qual, com base no art. 259 do RISTJ, reconsidero a decisão agravada.
Com efeito, as razões trazidas no apelo nobre são ponderáveis, demonstrando que a questão jurídica discutida deve ser submetida a julgamento perante o colegiado da Quarta Turma, a qual poderá realizar mais percuciente análise da relevante quaestio iuris.
Ante o exposto, reconsidero a decisão de fls. 285-287 para submeter o julgamento do recurso especial ao exame do Órgão Colegiado.
Publique-se.
Brasília, 06 de março de 2023.
E agora em abril (25/03/23), o referido recurso foi pautado para a Sessão de Julgamento onde veio no sentido de que no caso de alteração do regime de bens de separação consensual total de bens para comunhão universal de bens, teremos o efeito para abarcar todo o patrimônio preexistente passando a pertencer ao casal.
Após o relatório, a partir do 59 minutos, do início do arquivo de vídeo, o Ministro Raul Araújo aponta o caso concreto ou seja, que o casal contraíram as núpcias no regime de separação consensual de bens e pela a autonomia da vontade alteraram para a comunhão universal de bens. Ou seja, nesse contexto, a escolha foi pelo novo regime adotado e não como efeito da alteração do regime de bens.
Veja, é a aplicação do novo regime de bens escolhido e não referente ao efeito da ação de alteração de regime de bens. Ou seja, é possível a retroação em decorrência do regime de bens escolhido que é da Comunhão Universal de Bens. Disponível no https://www.youtube.com/watch?v=TU6pI7EibN8&list=PL4p452_ygmscySkaCAwNS6XYJ6HJ0l1AC&index=13
Inclusive na fala do Ministro João Otávio de Noronha afirma que não há que se falar em preservar direito de herdeiros, eis que esses não possuem ainda direito ao patrimônio em questão, pois não existe direito à herança de pessoa viva.
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*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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