Parem de achar que ciúmes é amor !!!!

Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

Renata Malta Vilas-Bôas

 

Incentivado por filmes e músicas o ciúme é ainda visto por muitos como uma expressão de amor ! Essa visão não condiz com a realidade, ciúmes está relacionado com posse, poder, baixa auto-estima e outros sentimentos negativos.

E não vamos achar que é mero descontrole, pois se vermos esse homem ele não sai “brigando/batendo” no chefe quando algo não está do seu agrado…

No mês da mulher ainda nos deparamos com crimes cometidos tendo como justificativa o “ciúmes” do ex-marido/ex-companheiro/companheiro/marido/namorado/ex-namorado. Isso não justifica, ao contrário, a conduta é repudiada, inclusive pelos nossos tribunais, e não é de agora.

Até o dia 03 de março de 2023 , o Distrito Federal já tinha registrado 8 feminicídios, mais do que o dobro que teria ocorrido no ano anterior no mesmo período. E a história se repete: um homem que não aceita o término de um relacionamento amoroso. Por amor ? Claro que não ! A resposta nunca está no amor, sempre está no homem que não consegue lidar com o fato de uma mulher não o querer mais como parceiro, seja real ou apenas imaginário.

No E. Superior Tribunal de Justiça o tema chegou por meio de diversas ações e podemos citar a decisão abaixo, como demonstração de reprovabilidade dessa conduta.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CULPABILIDADE. DESFAVORÁVEL. INTENSIDADE DA VIOLÊNCIA. MOTIVOS. CIÚMES. CONSEQUÊNCIAS. ABALOS PSICOLÓGICOS E DORES INTENSAS. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

  1. A jurisprudência deste Tribunal Superior admite a análise desfavorável da culpabilidade do agente em razão da intensidade da violência perpetrada contra a vítima em crimes de lesão corporal em contexto de violência doméstica contra a mulher. 2. O ciúme é de especial reprovabilidade em situações de violência de gênero, por reforçar as estruturas de dominação masculina – uma vez que é uma exteriorização da noção de posse do homem em relação à mulher – e é fundamento apto a exasperar a pena-base.
  2. A valoração negativa das consequências do delito fundada nos abalos psicológicos e nas dores intensas da ofendida, conforme consignado pelos Juízos de primeiro e segundo grau, constitui motivação idônea.
  3. Para rever o entendimento das instâncias ordinárias, seria necessário o revolvimento do acervo fático-probatório, o que é vedado pelo óbice da Súmula n. 7 do STJ.
  4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 1.441.372/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/5/2019, DJe de 27/5/2019.)

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

Não obstante o esforço do agravante, os argumentos apresentados são insuficientes para infirmar a decisão agravada, cuja conclusão mantenho.

Na decisão atacada, registrei o seguinte (fls. 413-418, grifos no original):

[…] A fixação da pena é regulada por princípios e regras constitucionais e legais previstos, respectivamente, no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, e nos arts. 59 do Código Penal e 387 do Código de Processo Penal. Todos esses dispositivos remetem o aplicador do direito à individualização da medida concreta para que, então, seja eleito o quantum de pena a ser aplicada ao condenado criminalmente, com vistas à prevenção e à reprovação do delito perpetrado. Assim, para obter-se uma aplicação justa da lei penal, o julgador, dentro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, há de atentar para as singularidades do caso concreto, e deve, na primeira etapa do procedimento trifásico, guiar-se pelas oito circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do Código Penal. São elas: a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos; as circunstâncias e as consequências do crime e o comportamento da vítima. No tocante à culpabilidade, embora as instâncias ordinárias hajam destacado elementos inerentes ao tipo – o que, com efeito, não é fundamento idôneo para valorar negativamente quaisquer dos vetores previstos no art. 59 do CP –, consignaram também que “o denunciado imprime à vítima golpes por demais dolorosos e covardes” (fl. 215).A inicial acusatória narra que “o denunciado pressionou a vítima contra o muro e desferiu-lhe empurrões conduzindo-a em direção ao portão, oportunidade em que sofreu uma queda e bateu a cabeça, ficando lesionada conforme descrição do Laudo de Exame de Corpo de Delito” (fl. 2). Esta Corte Superior de Justiça tem precedentes no sentido de admitir a análise desfavorável da culpabilidade do sentenciado com base na intensidade da violência perpetrada em crimes dessa natureza. Ilustrativamente: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PENA-BASE MAJORADA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. CULPABILIDADE. VÍTIMA FISICAMENTE E PSICOLOGICAMENTE LESIONADA E ABALADA. PENA PROPORCIONAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. […] 2. Conforme vem decidindo esta Corte, a culpabilidade, para fins do art. 59 do Código Penal, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, apontando maior ou menor censura do comportamento do réu. Não se trata de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito, mas, sim, do grau de reprovação penal da conduta do agente, mediante demonstração de elementos concretos do delito. No caso em apreço, as instâncias ordinárias, na etapa inicial da dosimetria do delito, majoraram a pena-base, considerando desfavorável a culpabilidade, em razão da violência empregada pelo ora agravante ter sido intensa, ao ponto de a vítima desmaiar, sendo necessário acionar os bombeiros para socorrê-la. Não obstante, após as agressões, arrastou-a, pelos cabelos, na rua, aumentando, ainda mais, a dor e a humilhação, restando a pena-base fixada em 7 meses e 3 dias de detenção. Dessa forma, a exasperação da pena-base em 4 meses e 3 dias de detenção foi devidamente fundamentada, e, considerando os limites mínimos e máximos da pena previstos no art. 129, § 9º, do Código Penal, de 3 meses a 3 anos, mostra-se proporcional. […]

 (AgRg no HC n. 455.392, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª T., DJe 2/12/2018, grifei)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. CULPABILIDADE DESFAVORÁVEL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DO AUMENTO. AGRAVO DESPROVIDO. Documento: 95160228 – EMENTA, RELATÓRIO E VOTO – Site certificado Página 4de 7 Superior Tribunal de Justiça 1. O Julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. 2. No exame da culpabilidade, as circunstâncias concretas foram detidamente analisadas pelo Tribunal a quo, para demonstrar porque a conduta do Réu de desferir socos na direção do rosto e da cabeça da vítima se reveste de especial reprovabilidade.3. Considerando as penas mínima e máxima abstratamente previstas para o crime imputado ao Agente, isto é, detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos, verifica-se que a pena definitiva de 05 (cinco) meses revela-se proporcional e fundamentada.4. Desse modo, diante da ausência de manifesta ilegalidade, não há como proceder ao reexame da fundamentação apresentada pelo julgador. 5. Recurso desprovido. (AgRg no AREsp n. 369.344/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 19/11/2013) Quanto aos motivos, destacou-se que o crime fora praticado por ciúmes do agente em relação à sua companheira. A Defensoria Pública sustenta que esse fundamento constitui “referências vagas e genéricas” (fl. 358), inadmissíveis para fins de exasperação da pena-base. Todavia, consta da sentença, especificamente na valoração dos elementos probatórios, as circunstâncias concretas que ensejaram a prática delitiva: “A vítima narrou que, em razão de um elogio postado a si por um rapaz o denunciado irritou-se, ameaçou-a de morte e a agrediu verbal e fisicamente […]” (fl. 209).

Em verdade, o ciúme é de especial reprovabilidade em situações de violência de gênero, por reforçar as estruturas de dominação masculina, uma vez que é uma exteriorização da noção de posse do homem em relação à mulher, na linha do que melhor explicitou o Tribunal de origem: “O ciúme não legitima a prática de lesões corporais contra ex-companheira, ao contrário, caracteriza-se como uma motivação repugnante, […] em nítido sentimento de propriedade e subjugação” (fl. 302). O STJ tem admitido o aumento da pena-base por motivo de ciúmes em crimes ocorridos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme se vê:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PENA-BASE DEVIDAMENTE MOTIVADA.

  1. Inexiste violação ao art. 59 do Código Penal, por ter sido majorada a pena-base com fundamento na valoração negativa dos motivos, das circunstâncias, da conduta social e das consequências do delito, na medida em que o agravante, pessoa agressiva, sob efeito de bebida alcóolica, em razão de ciúme doentio e de forma reiterada agrediu a vítima, mediante socos e pontapés, causando-lhe traumas psicológicos.2. Correto o aumento da pena-base acima do mínimo legal, se a justificativa é baseada em fatos concretos e não intrínsecos ao tipo penal, sendo certo que maiores considerações a respeito do tema estão a ensejar exame aprofundado de provas, inviável em recurso especial, a teor da Súmula nº 7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 230.331/MT, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 15/2/2013, destaquei)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE LESÕES CORPORAIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO. VALORAÇÃO NEGATIVA DOS MOTIVOS E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME COM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSIDERAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS. 1. A dosimetria da pena não está atrelada a critérios rígidos, puramente objetivos, submetendo-se a certa discricionariedade vinculada do julgador, dentro dos limites permitidos pela legislação pertinente. 2. A pena-base foi fixada em 1 ano, 1 mês e 15 dias de detenção, com base em elementos concretos. As instâncias ordinárias destacaram que o motivo do crime foi banal, o ciúme imotivado, já que o réu e a ofendida nem sequer mantinham relacionamento amoroso na ocasião, e as circunstâncias demandam reprimenda mais severa, uma vez que o réu esganou a ofendida, acarretando maior perigo de vida. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1627177/AM, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, DJe 6/4/2017) Em relação às consequências do delito, verifico que foi utilizada fundamentação idônea para recrudescer a sanção, notadamente em face da repercussão na esfera psicológica e das dores intensas pelas quais a vítima passou, conforme mencionado pela Magistrada de primeira instância.

Aplicável o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça: “Na espécie, foi apresentada motivação concreta para o aumento da reprimenda na primeira fase, tendo sido demonstradas a maior reprovabilidade da conduta e a extrema ousadia do agente” (AgInt no HC n. 352.885/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 9/6/2016). A defesa aponta, também, haver aumento desarrazoado na primeira fase da dosimetria, fixada em 12 meses de detenção. O aumento em 9 meses acima do mínimo legal não se revela desproporcional, se consideradas três circunstâncias judiciais desfavoráveis e as penas mínima e máxima abstratamente cominadas ao delito do art. 129, § 9º, do CP, a saber, 3 meses a 3 anos de reclusão. V. Execução imediata da pena Ante o esgotamento das instâncias ordinárias, como no caso, de acordo com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 964.246, sob a sistemática da repercussão geral, é possível a execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação, para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos constitucionais por ele tutelados. VI. Dispositivo À vista do exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do CPC, c/c o art. 253, parágrafo único, II, “b”, parte final, do RISTJ, conheço do agravo para negar provimento ao recurso especial. Com efeito, conforme consignado no decisum acima transcrito, o acórdão está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, porquanto devidamente fundamentada a valoração negativa das vetoriais referentes à culpabilidade – desferimento de “golpes por demais dolorosos e covardes” (fl. 215), o que revela intensidade da violência perpetrada contra a ofendida –, aos motivos – ciúmes – e às consequências do crime – repercussão na esfera psicológica da vítima, bem como as dores intensas pelas quais ela passou. Dessa forma, não há reparo a ser feito, mesmo porque qualquer alteração do entendimento externado pelas instâncias de origem esbarraria no óbice da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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