Coluna (Re)pensando os Direitos Humanos, por Ralph Schibelbein, articulista do Jornal Estado de Direito
Nos últimos anos assistimos ao crescimento explosivo da expressão Fake News. Em 2017 ela foi eleita a palavra do ano e ganhou menção em dicionário britânico. Podemos vê-la em larga escala nas redes sociais, mas seu uso é presente desde uma conversa familiar até uma discussão entre amigos. Embora o termo tenha se popularizado na esfera política, especialmente com auxílio do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fake News também vem ganhando espaço na academia. É crescente o número de pesquisa em diversas áreas que se debruça a estudar o fenômeno.
As fake news são novas só na forma, já que o conteúdo é tão antigo quanto as primeiras civilizações. Porém o que antes chamávamos de fofocas ou mentiras, e que circulavam devagar entre menos gente, atualmente em função da velocidade do virtual, em um click a (des)informação já se alastrou por vários países e milhões de pessoas.
Mas afinal o que é uma fake News? Na tradução literal seria uma notícia mentirosa. Mas para falarmos o que é mentira temos que imprescindivelmente refletir sobre a noção de verdade. Essa questão nos instiga desde o início da filosofia. A busca pela verdade está inclusive na raiz do pensamento filosófico. Pôncio Pilatos questionou Jesus Cristo sobre o que é a verdade. De Sócrates a Nietzsche, os grandes pensadores da humanidade ocuparam-se com a problemática da verdade. E esse esforço, para além de chegar a definição singular, nos possibilita, o que Urbano Zilles analisa como as teorias da verdade.
Enquanto historiador e estudioso das ciências humanas, costumo me afastar da ideia de verdade absoluta. Influenciado pelas ideias de Nietzsche e Foucault, me aproximo da ideia de que a verdade é uma construção e, portanto, está diretamente colocada em um contexto histórico e geográfico. Podemos dizer que a verdade tem sotaque. O que significa entender que de acordo ao espaço ou tempo em que estamos, a noção de verdade se altera. A verdade medieval é diferente da verdade contemporânea. Da mesma forma que o que os chineses entendo por ser uma verdade, provavelmente seja entendida distintamente por finlandeses. Ou seja, a noção de verdade se altera conforme questões como tempo, espaço e cultura.
Apesar destas ressalvas, penso ser importante entendermos a verdade enquanto um conhecimento. Desta forma, mesmo que permeado por relações de poder, ele obrigatoriamente deve passar por uma série de perguntas, questionamentos e críticas. Sendo assim, a partir de um método se constata que determinado conhecimento é verdadeiro. E esse é um acordo dentro de um determinado paradigma. A grande questão para transformar uma informação em um conhecimento de fato, é a dúvida!
Enquanto a mentira nasce de uma pretensa certeza absoluta, a mentira nasce da dúvida; de um processo de questionamentos e críticas. E nesse contexto pós-modernos em que vivemos, que Bauman chama de líquido, que é extremamente tecnológico, onde a velocidade cada vez mais acelerada, que nos parece ser um espaço perfeito para a propagação dessas mentiras. O imediatismo não combina com a dúvida, reflexão e questionamentos. A internet é um espaço que de maneira geral, a partir de uma manchete que chame atenção, parece ser o suficiente para eu replicar uma informação sem tê-la lido.
Porém se o avanço tecnológico permite que esse tipo de problema se torne maior, ele também nos fornece ferramentas para que consigamos enfrentá-lo na mesma medida. Com o alcance facilitado a várias fontes, a pesquisa sendo possível de forma mais rápida e profunda, o que precisamos é perceber que, se antes uma mentira tinha perna curta e portanto afetava algumas pessoas por um determinado tempo, hoje as pernas se alongaram e as fake news podem prejudicar milhões e muitas vezes, para sempre.
E elas tem afetado. Desde possibilitar eleições de políticos autoritários, ampliando um discurso de ódio, até prejudicar o tratamento contra uma doença ou na proteção contra o atual Covid-19. Mas elas têm em especial, atacado os Direitos Humanos e seus defensores.
Importante reforçar que quando uma fake News é criada ela possui um objetivo claro. E, portanto, elas a partir de uma dinâmica de poder, visa a construção/destruição de algo. Há inúmeras empresas compostas com o único objetivo de criar e compartilhar o máximo possível, noticias falsas.
Desde prejudicar determinada empresa, atacar gratuitamente algum político ou levar a eleição de determinado partido, as fake News nasce com um propósito claro e que a partir de determinado momento ela extrapola o público de criadores, chegando até o seu grupo de whatsapp da família ou do trabalho.
Em tempos de polarização extrema e pandemia, isso torna-se um risco ainda maior. Porém se esse inimigo passa pelas nossas mãos (sobretudo ao repassarmos a fake News adiante), a solução para esse problema está também na gente, ao menos em parte. Ao receber uma informação, a primeira medida deve ser conferir a veracidade da mesma. Temos inúmeros artigos, portais e sites confiáveis a distância de um click. Desconfie, questione qual a fonte da informação. Vá atrás, cheque. E verificando a mentira, explique. E não passe adiante. Atualmente existem sites dedicados exclusivamente a denunciar fake News. Facilmente acessados, podem ser uma força para essa luta. Transforme a informação em conhecimento, como sugere Burke, a partir de um processo de seleção, reflexão, crítica e questionamento.
Porém, lembre-se a dúvida é nossa maior aliada. Questione, critique, pergunte. E não passe adiante. Afinal o direito a informação é um direito humano. E como os demais, deve estar em acordo com a proteção da dignidade humana. Para concluirmos, em tempos como esses, tornam-se ainda mais necessárias a ciência e a imprensa. Justamente elas, tão atacadas ultimamente, possibilitam que exercemos e usufruamos nossos direitos.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
BÍBLIA. João. 18: 37-38, português Bíblia Sagrada. Tradução. João Ferreira de Almeida. São Paulo: SBB, 1996
BURKE, Burke, P. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. São Paulo: Hedra, 20
ZILLES, Urbano. Teoria do Conhecimento. Porto Alegre: Ed. PUCRS, 1994
*Ralph Schibelbein é Professor, Mestre em Educação (UDE/ UI – Montevidéu- 2016), onde estudou a relação da educação e dos Direitos Humanos com o processo de (re)socialização. Pós-Graduado em História, Comunicação e Memória do Brasil pela Universidade Feevale (2010), sendo especialista em cultura, arte e identidade brasileira. Possui licenciatura plena em História pelo Centro Universitário Metodista IPA (2008) e pela mesma faculdade é graduado também em Ciências Sociais (2019). Atualmente é Mestrando em Direitos Humanos na Uniritter e cursa licenciatura em Letras/Literatura (IPA). http://lattes.cnpq.br/2564622103700471
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