140 – Semana –  O contrato dentro do conceito contemporâneo em tempos de Covid-19

Coluna Descortinando o Direito Empresarial, por Leonardo Gomes de Aquino, articulista do Jornal Estado de Direito

 

140 – Semana –  O contrato dentro do conceito Contemporâneo[1]  em tempos de Covid-19

 

      A análise contemporânea do contrato inicia-se com a mudança do paradigma do contrato como elemento abstrato e estático, observado na visão clássica ou liberal[2] para uma realidade viva, dinâmica e vinculada ao processo de satisfação socioeconômico[3] e digno da pessoa, dentro da qual se insere a concepção contemporânea (moderna ou social)[4]. E, dentro da perspectiva criada pela denominada “crise do contrato”, o “dirigismo contratual” é o fator fundamental de observação.

Crédito: Pixabay

      Isso se dá porque o consensualismo existente no contrato nunca foi de todo uma pedra angular de interesses paritários e da mesma forma, o tempo pode acarretar na realização das prestações contratuais um desequilíbrio, não convergindo na ideia central do contrato como um mecanismo de realizações e de circulação de riquezas[5]. Além é claro da constante globalização das relações jurídicas que acarretam uma massificação dos contratos[6].

      Por isso, a vontade de contratar deve ser protegida dela mesma, por meio de princípios (tais como a boa-fé, função social) e mecanismos jurídicos eficazes, que fora devidamente positivado na legislação, tais como a possibilidade de anulação em decorrência dos vícios do consentimento e a resolução/modificação em caso de acontecimentos imprevistos e extraordinários que acarretem uma modificação do status contratual original. Além é claro da positivação da função social e da boa-fé nas relações contratuais.

      Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro observa que o consenso das partes, de uma maneira geral deve ser observado em conjunto com o contexto social em que se manifesta a relação contratual. [7]

      Por isso, afirma que o contrato pode ser encarado por um viés triplo em que há um plano de interação, que envolve as partes, um plano da instituição em que há conexões com o mercado e por último um plano da sociedade que compreende um aspecto social do contrato[8], dentro de uma perspectiva equilibrada dos planos em si e entre si.

      Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald[9] disciplinam que “o epicentro do contrato se desloca do poder jurígeno da vontade e do trânsito de titularidades, para um concerto entre o interesse patrimonial inerente à circulação de riquezas e o interesse social, que lateralmente àquela se projeta”, o que demonstra a necessidade imperiosa de conjugação entre os princípios da liberdade e da solidariedade. [10]

      Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho apontam que o contrato deve “criar um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé e do princípio da função social. [11]

      Por outro lado, a Carta Magna de 1988, de forma explicita, condiciona que a livre inciativa, observada como a liberdade personalíssima da pessoa em seu meio social e comunitário, deve ser exercida em consonância com a função social (art. 170, III), e, à vista disso, o contrato, enquanto segmento dinâmico da circulação de riquezas, não poderia estar desvinculado da proteção do Estado.

      Eros Grau demonstra que a “livre-iniciativa não é tomada, enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, como expressão individualista, mas sim no quanto expressa de socialmente valiosos”[12]. Logo, a conformação aos valores sociais implica impreterivelmente em limitação, orientação e controle públicos e sociais.

      Assim, diante da Carta Magna de 1988, o contrato passou a ser analisando dentro de uma perspectiva econômica-social, em que o mesmo é construído a partir da autonomia privada do indivíduo, mas a auto-regulamentação das partes não está desvinculada de observar as regras cogentes existentes para as relações jurídicas[13], tais regras, estão sedimentadas em princípios como a dignidade da pessoa humana, igualdade, livre inciativa, proibição da concorrência desleal. [14]

      Se acolhermos a ideia do contrato como sendo um processo[15] dirigido a um certo objetivo, que é a execução das prestações das partes, e ele terá que se desenvolver de acordo com um programa, no qual teremos que admitir que poderá, no transcorrer da execução, ocorrer em situações que impliquem mudanças ou adaptações. [16]

      Por isso, o contrato é um mecanismo jurídico de relacionamentos interpessoais, trazendo no seu bojo as declarações negociais comuns das partes que o integram e além do adimplemento das prestações, observando as normas cogentes, bem como os contextos situacionais em que a relação contratual se estabelece e se desenrola.

      Em síntese o contrato no âmbito interno é o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta de um lado e de outro a aceitação) contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses desde que não alteradas as circunstâncias em que se deu a vinculação.

Referências

AQUINO, Leonardo Gomes de. Contratar é, em si, uma relação de risco: uma visão dogmática da conexão entre o contrato e o risco. Revista de Direito Privado. vol. 28, Out, 2006: 69-112.

BRASIL. STF. ADIn 319, Relator(a):  Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 3.3.1993, DJ 30.4.1993, p. 07563, ement v. 01701-01, p. 00036.

BRASIL. STF. RE 161243 ED-EDv-AgR, Relator(a):  Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 7.10.1999, DJ 17.12.1999, p. 00004, ement v. 01976-02, p. 415.

BRASIL. STF. RE 201819, Relator(a):  Min. Ellen Gracie, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27.10.2006. p. 64, ement. v. 02253-04, p. 577. RTJ, v. 00209-02, p. 821.

BRASIL. STJ. HC 12547/DF, Rel. Ministro Ruy Rosado De Aguiar, Quarta Turma, julgado em 1.6.2000, DJ 12.2.2001, p. 115.

BRASIL. STJ. REsp 680.815/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20.3.2014, DJe 3.2.2015.

CANARIS, Claus-Wilhelm, “A Liberdade e a Justiça Contratual na Sociedade de Direito Privado”. Contratos: Actualidade e Evolução: Actas do Congresso Internacional Organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa de 28 a 30 de novembro de 1991, (coord.) António Pinto MONTEIRO. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1997, 49-66.

CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa-Fé no Direito Civil. Coleção de Teses, Coimbra: Livraria Almedina, 1984, v. I e II.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Contratos. Teoria geral e contratos em espécie. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. v 4.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O Destino do Contrato. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, v. 3, n. 9, p. 49–54, abr./jun., 1982.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. 4, t. I.

GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988- São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

MACHADO, João Baptista, “Do Princípio da Liberdade Contratual”. In. Obra Dispersa, vol. I, Scientia Jurídica: Braga, 1991.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Trad. Maria Cristina de Cicco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

RIBEIRO, Joaquim José Coelho de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 1999.

ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009.

TELLES, Inocêncio Galvão, “Aspectos Comuns aos Vários Contratos”. Revista Forense. vol. CXXXVII, ano XLVIII, fas. 581, Rio de Janeiro: Saraiva Ed., 1951, p. 37-63;

[1] Parte integrante do meu livro Direito dos Contratos.

[2] A concepção que qualificamos como clássica ou liberal, é aquela que herdámos do século XIX, que foi o período das grandes codificações e, ao mesmo tempo, uma era de grandes construções doutrinárias, tais como as de direito subjetivo, de pessoa jurídica e de negócio jurídico, tão fundamentais que hoje seria impensável a ciência jurídica sem elas. É essa a concepção tradicional dos contratos que ainda hoje inspira os grandes compêndios, tanto os nacionais como os estrangeiros, responsáveis pelo embasamento teórico da esmagadora maioria dos juízes, advogados e operadores do Direito. Essa concepção tem na sua base dois princípios fundamentais, o da liberdade contratual e o da obrigatoriedade do cumprimento do contrato. AQUINO, 2006, p. 75.

[3] Não podemos ver os contratos apenas como a imagem instantânea do momento da sua conclusão como se eles não produzissem efeitos durante mais ou menos longo compasso, dando origem a situações que se desenrolam o futuro, seja ele mais ou menos próximo, é o que a doutrina alemã chama de relação obrigacional complexa”. RIBEIRO, 1999, p. 17.

[4] Esta concepção inclui além dos princípios fundamentais já existentes na outra concepção (Princípio da liberdade contratual e o da obrigatoriedade do cumprimento do contrato) os boa-fé e justiça contratual. Sobre a questão da boa-fé vide CORDEIRO, 1984; e sobre a justiça contratual vide TELLES, Inocêncio Galvão, 1951, p. 37-63; aonde acrescenta que a justiça contratual se encontra no seio da causa, na equivalência das prestações ou sacrifícios que na sua reciprocidade orgânica formam a causa como um todo, ou um sistema; MACHADO, João Baptista, 1991, p. 623 e ss. CANARIS, 1997, p. 55-60.

[5] Segundo Luhmann as funções básicas do contrato enquanto instituição capitalista são: (a) modalidades de troca; (b) institucionaliza a autonomia da vontade e a liberdade contratual; (protege as partes contra os riscos economicos e (d) permite a equalizaçãodos contratantes. A referência a Luhmann está inserida no artigo de autoria de Tércio Sampaio Ferraz Junior. FERRAZ JUNIOR, 1982, p. 51-53.

[6] Segundo Pietro Perlingieri ( PERLINGIERI, 2002, p. 107), “(…) no ordenamento, o interesse é tutelado enquanto atende não somente ao interesse do indivíduo, mas também àquele da coletividade”.

[7] RIBEIRO, 1999, p. 11-15.

[8] TEUBNER apud RIBEIRO, 1999, p. 11.

[9] FARIAS; ROSENVALD, 2015. v 4, p. 184.

[10] Afirma Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro que o contrato deve possuir um “desempenho funcional, como mecanismo jurídico de conformação de relações sociais. Numa visão alargada, o consenso das partes é pensado em conjunto com o ‘ambiente’ em que se manifesta, integrando, como fator constitutivo e modelador, um sistema de coordenação vinculativa de ações individuais aberto a comunicação com outros sistemas de enquadramento de referência”.  RIBEIRO, 1999, p. 14-15.

[11] GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 62.

[12] GRAU, 1990, p. 200.

[13] Na Constituição de 1988 podem ser sublinhadas as seguintes diretrizes fundamentais, para o direito contratual: (a) Valores sociais da livre-iniciativa (art. 1º, IV); (b) Defesa do consumidor (art. 5º, XXXII e art. 170, V); (c) Garantia ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI); (d) Ordem Econômica (art. 170); (e) Liberdade de atividade econômica (art. 170, parágrafo único); (f) Vedação ao abuso do poder econômico (art. 173, § 4º); (g) Intervenção normativa e regulação da atividade econômica (art. 174) e; (h) controle de produção e comercialização de substancia perigosas (art. 225 §1º, V). BRASIL. RE 201819, p. 821.

[14] BRASIL, HC 12547/DF, p. 115. BRASIL. RE 161243, p. 415. BRASIL. ADIn 319, p. 00036. BRASIL. REsp 680.815/PR.

[15] O contrato, escreveu Enzo Roppo, “não é um elemento da realidade física, cuja existência se possa propriamente constatar, tal como é possivel constata-la quanto aos objetos do mundo natural”, e de consequência, “a formação de um contrato conssiste num processo, isto é, numa sequencia de atos e comportamento humanos”. ROPPO, 2009, p. 84-85.

[16] AQUINO, 2006, p. 75.

Leonardo Gomes de Aquino
* Leonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.
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