139 – SEMANA – O Covid-19 e o contrato: anulação, revisão ou rescisão

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Coluna Descortinando o Direito Empresarial, por Leonardo Gomes de Aquino, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

139 – SEMANA – O Covid-19 e o contrato: anulação, revisão ou rescisão

 

       O contrato é uma relação jurídica que pode ser adimplida de forma instantânea ou no futuro. Sendo assim, o fator tempo pode ter um papel importante na realização do contrato. Do ponto de vista principiológico o contrato se encontra sedimentado na autonomia privada de cada contratante que ao se unir (consensualismo) gera a obrigatoriedade aos contratantes (relativismo), que devem obedecer a supremacia da ordem pública e dos bons costumes, que se baliza pelos princípios da boa-fé objetiva dos contratantes, da equivalência material das prestações e dentro dos limites da função social do contrato.

       Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. O Inadimplemento absoluto é aquele em que se torna impossível o cumprimento da prestação total ou parcial. Já o inadimplemento relativo ocorre nos casos em que o devedor ainda pode honrar a sua prestação. A obrigação, neste caso, ainda pode ser cumprida mesmo após a data acordada para o seu adimplemento, por possuir, ainda, utilidade. Neste caso, o efeito do inadimplemento é a mora, ou seja, o retardamento da prestação.
       O Código Civil permite a revisão contratual por fato superveniente diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva.
       Sendo assim, a(s) prestação(ões) de uma das partes podem se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá acarretar o desequilíbrio do pactuado. No momento da celebração do contrato havia um contexto, mas no momento da execução da prestação temos outro contexto.
       Por isso, o momento de celebração e execução do contrato, em regra irá influenciar na resposta.
Visto que se o contrato foi celebrado durante a crise do COVID-19 (Corona Vírus), a probabilidade do mesmo ser válido e sujeito a indenização por perdas e danos é relevante, ainda mais se um dos contratantes assumirem o risco (assegurado a performance) diante da pandemia.
       Se a execução ocorreu antes da constatação da pandemia, não há que se falar em problemas contratuais, visto que as obrigações foram adimplidas, não surgindo para os contratantes qualquer obrigação de adimplemento, apenas obrigações pós execução, por força do princípio da boa-fé objetiva, observando o fato de que no momento da execução, o contratante tem o dever de observar questões sanitárias, o que aumenta o dever de cuidado para diminuir os danos aos interesses do outro contratante e da sociedade, em face do princípio da função social.

O Covid-19 – Corona Vírus

       É dentro desta ideia que o COVID-19 se insere. Visto que o impacto da pandemia do COVID-19 nas economias é fator concreto, que pode ser observar das quedas sucessivas das bolsas de valores e do fechamento dos postos de trabalhos. O COVID-19 é uma causa grave, mas transitória de perturbação nos contratos. A experiência internacional mostra que o adimplemento dos contratos poderá ser normalizado, mas em quanto tempo? É preciso ter um guia para esse período de crise, para chegar ao outro lado em segurança. Assim, a questão preponderante é a seguinte: COVID-19 é fator desencadeador de um desequilíbrio material das prestações pactuados nos contratos de execução no futuro (execução diferida u continuada)?
Vejamos as disposições legais que permitem a modificação ou mesmo a resolução do contrato por fatos que afetem o equilíbrio do contrato.

A lesão

O art. 157 do CC disciplina que:
       Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
       § 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
       § 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
       A lesão é um vício da vontade do negócio jurídico que se caracteriza pela obtenção de um lucro exagerado por se valer uma das partes da inexperiência ou necessidade econômica da outra. Na 5ª Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado nº 410 que buscou dar sentido ao conceito. Assim, a “inexperiência a que se refere o art. 157 não deve necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que estipule contratos costumeiramente, não tenha o hábito de celebrar especificamente a modalidade negocial em causa
       Para a sua aplicabilidade deve se ter em mente os seguintes padrões: (a) requisito subjetivo: Deve haver uma deficiência, desequilíbrio psicológico de uma das partes proveniente de inexperiência para o negócio ou de sua premente necessidade econômica; (b) requisito objetivo: É a manifesta desproporção ente as prestações (Onerosidade Excessiva).
       O vício é concomitante à formação do contrato, pois se for superveniente à celebração do contrato estaremos perante a teoria da imprevisão, por meio da qual se procura manter o equilíbrio econômico e financeiro do negócio (art. 478, do CC).
       Segundo o Enunciado nº. 150, do 3ª Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça afirma que o “Art. 157: A lesão de que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitamento” , que é aquele que traz um benefício patrimonial para o agente.
       Diante da norma prevista no Código Civil se o contrato estiver viciado com a lesão será, em regra, anulável, ou seja, terá a sua nulidade relativa declarada com efeito ex nunc (art. 171, II). Porém o parágrafo 2º do art. 157 estabelece que “não se decretará a anulação do negócio, se foi oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.
       O Enunciado nº 149 aprovado pela Plenária da 3ª Jornada de Direito Civil o “art. 157 em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2º, do Código Civil de 2002.”
Segundo o Enunciado nº. 290, da 4ª Jornada de Direito Civil disciplina que:
       “Art. 157. A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação deste, a desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, não se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado.”
       Segundo o Enunciado nº. 291, do 4ª Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça afirma que o “Art. 157. Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do Código Civil, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço.”
Segundo o Enunciado nº. 292, do 4ª Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça afirma que o        “Art. 158. Para os efeitos do art. 158, § 2º, a anterioridade do crédito é determinada pela causa que lhe dá origem, independentemente de seu reconhecimento por decisão judicial.”
       Silvio Rodrigues, procurando facilitar a compreensão do instituto, apresenta os caracteres básicos de aplicação : (a) só é admissível nos contratos comutativos; (b) a verificação da desproporção entre as prestações deve ser verificada na formação do contrato; (c) a desproporção deve ser excessiva; (d) o desfazimento do contrato depende de decisão judicial e; (e) é possível ocorre o reequilíbrio do contrato.
       Desta forma, o autor do pedido judicial poderá optar pela anulação ou revisão do contrato por motivos preexistente a sua formação.

Revisão (princípio da conservação)

       A concepção do princípio da revisão das regras contratuais tem a sua origem histórica no brocardio latim rebus sic stantibus . Segundo Carlos Roberto Gonçalves esse princípio opõe-se ao princípio da obrigatoriedade . No entanto, a concepção da revisão do contrato é uma harmonização dos princípios, visto que, nos contratos de execução no tempo (contratos de trato sucessivo e execução diferida), poderão ocorrer modificações que acarretem desequilíbrios no contrato e é nessa seara que o princípio da revisão se harmoniza com o princípio da obrigatoriedade , podendo as partes inclusive acrescentarem cláusulas (cláusula de Hardship ) que regulamentem a forma de conduzir e realizar o equilíbrio contratual.
       A obrigatoriedade dos contratos constitui, por sua vez, uma projeção no tempo da liberdade contratual. Os contratantes são obrigados a realizar as prestações pactuadas. O direito contemporâneo restringiu a pacta sunt servanda, interpretando a Rebus Sic Stantibus, ou seja, enquanto as situações das partes não sofrerem modificações perdurará a força vinculante . Porém, no caso de haver transformações será permitida uma revisão ou readaptação dos termos contratuais, afim de reequilibrar novamente o contrato.
       Mas qual o padrão para ocorrência desta revisão contratual? A doutrina aponta diversos fundamentos teóricos para aplicar a revisão contratual na existência de elementos que acarretem uma modificação no adimplemento contratual. Mas, o fator tempo e o fator equilíbrio estão no cerne da possibilidade de revisão, uma vez que a temporalidade contratual passa do evento estático para o evento duração, i.e., quando a realidade paulatinamente impõe a necessidade de celebrarem contratos duradouros, esticados no tempo, que proporcionam adimplemento de obrigações e contraprestações adimplidas no tempo.
       O direito brasileiro positivou três normas expressas acerca da possibilidade de alterações das normas contratuais.
       A primeira pode ser observada no art. 6º, inc. V do CDC que dispõe: “a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas(…)”, importante ressaltar que a aplicabilidade do dispositivo citado somente poderá ocorrer nas relações de consumo.

E a segunda no art. 478 a 480 do CC que disciplina a questão a seguinte forma:
       Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
       Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
       Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
       Para a aplicabilidade dos respectivos dispositivos deve-se observar: (a) o fato deve ser imprevisto e extraordinário; (b) o outro contratante necessariamente precisa tirar proveito direto da desproporção das prestações; (c) cabe a resolução do contrato, podendo o réu oferecer a modificação equitativa das condições do contrato.
       E a terceira está prevista no art. 317 do CC permite que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
       O art. 317 possui as seguintes características: (a) que o fato gerador seja imprevisível, pouco importando que o mesmo extraordinário; (b) a sua aplicação poderá ocorrerá nos contratos de execução no tempo (execução diferida e de trato sucessivo); (c) não necessidade que a parte tenha se beneficiado com a desproporção gerada pelo fato imprevisto; (d) a parte não pode ser requerida a resolução com fulcro no art. 317 do CC.
       O Enunciado nº 25 aprovado pela Plenária da 1ª Jornada de Direito Comercial dispõe que “a revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada”.
       Sendo, possível ainda, uma opção contratual, que é a estipulação de uma cláusula de hardship que permite a renegociação na ocorrência de acontecimentos fundamental que cause um desequilíbrio no mesmo, não estando o acontecimento acobertado pelos riscos próprios do contrato.
       A conclusão que se pode chegar é a de que os princípios da obrigatoriedade (Pacta Sunt Servanda) e da revisão (Rebus Sic Stantibus) não colidem. Antes, se completam, isto é, se harmonizam perfeitamente, quando realmente se tem em vista a estabilidade do comércio jurídico. Um não pode existir sem o outro. A Pacta Sunt Servanda refere-se ao contrato em espécie e o Rebus Sic Stantibus à situação do contrato. Uma cláusula envolve a outra, ambas estão subordinadas e ligadas elo princípio da boa-fé, e compreendidas dentro de uma realidade existencial.
       O Enunciado nº 22 dispõe que “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas” . Podemos afirmar que os dois princípios têm como liame a boa-fé dos contratantes, e devem ser apreciados sempre dentro do âmbito social em que as partes se encontram.
       Assim, diante da existência do COVID-19 afetar o adimplemento do contrato, pode-se concluir que haverá resolução? É certo que nenhuma obrigação contratual sobrevive a constatação de inadimplemento, no entanto, é possível que o contratante cumpra em atraso a obrigação, ou tente extrajudicialmente a revisão das regras contratuais ou, ainda, solicite judicialmente a revisão do contrato, com intuito de manter a relação contratual, visto que em ambas as situações as obrigações de informação e proteção do outro contratante sempre tem relevância em relação a força maior.

A força Maior ou caso Fortuito

Muitos doutrinadores tratam os institutos como se fossem sinônimos, até hoje há divergências a respeito do tema, mas o Código Civil não fez distinção entre os termos e adotou a seguinte definição:
       “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.”
       Quanto às diferenças, de maneira breve e simples, podemos dizer que o caso fortuito é o evento que não se pode prever e que não podemos evitar. Já os casos de força maior seriam os fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas da mesma maneira não podem ser impedidos; por exemplo, os fenômenos da natureza, tais como tempestades, furacões, raios, etc. ou fatos humanos como guerras, revoluções, e outros.
       Mas imaginemos que o por causa COVID-19 o governo casse a autorização de funcionamento de um estabelecimento, acarretando o inadimplemento das obrigações do empresário. Na situação temos estamos perante uma situação de força maior, não ocorrendo em regra responsabilidade por parte do devedor, em relação as perdas e danos, mas deverá restituir os valores adquiridos em caso de empréstimo por exemplo. Situação será diversas quando o devedor tiver celebrado contratos aleatórios, onde o risco se encontra dentro da simbiótica do contrato como no caso dos contratos de câmbio, mercados futuros, entre outros.
       Situação aparente diferente é se o devedor for considerado consumidor, pois na situação há uma hipossuficiência do consumidor.
       Nos casos força maior, o devedor que não esteja em mora pode se liberar do contrato se o custo de sua execução tiver se agravado drasticamente por decorrência do COVID-19.
       Mas, é importante ressaltar que a existência da pandemia do COVID-19 não poderá ser considerada como força maior se o contrato foi celebrado na sua existência, ou seja, se o contrato foi celebrado do dia 11 de março de 2020 em diante, não há que se cogitar, desconhecimento do fato “COVID-19”, logo o contrato será válido e sujeito a indenização por perdas e danos, por causa do inadimplemento.
       A força maior caracteriza-se como uma causa de exoneração da parte inadimplente porque o cumprimento da sua obrigação foi obstado. O devedor fica exonerado de ser responsabilizado pelos danos

Resolução e ou resilição do contrato

       Caso ocorra a desistência do adimplemento do contrato por parte do credor por força do COVID-19, sem que haja imposição de sanções por parte do devedor, desde que o contrato não tenha mais interesse útil ao contratante ou na situação de que o adimplemento do contrato resulte em infringência a norma legal ou contratual, analisada pelo prisma da boa-fé objetiva.
       O exercício do direito de desistência deve ser realizado em tempo razoável para proteger os contratantes das perdas eventualmente existentes em caso de adimplemento por parte do outro contratante, mas deve no caso haver a restituição dos valores já realizados (pagos).
       Se tornando inútil o contrato a responsabilidade por eventuais prejuízos caberá, no caso do contrato de compra e venda são do devedor no caso de execução de prestação (produto não entregue; serviço não prestado) e do credor no caso dos prejuízos sofridos por inutilidade de prestação desempenhada (produto entregue; serviço prestado), mesmo que parcialmente.

Leonardo Gomes de Aquino
* Leonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.
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