Coluna Latinitudes
“Meu caixão também tá pronto atrás da porta, enrolado com a bandeira do Brasil
E quando eu sonho com o futuro eu acordo inseguro
Escutando mais um tiro de fuzil
Pra variar estamos em guerra
Pra variar…”
(Trecho da música “Bala perdida” de Gabriel, o pensador)
Homicídios no Brasil
Nesta edição, a propositura de reflexão versará sobre os índices de homicídios, que alcançam números alarmantes já há algum tempo na região da América Latina.
E neste tema, merece o destaque inicial o relatório divulgado em agosto deste ano, intitulado “atlas de violência de 2018”, realizado em conjunto pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que dentre outros pontos, trouxe ao conhecimento do público o número real de homicídios ocorridos e registrados no país, num período de um ano. Entre 2017 e 2018, o Brasil teve 62.517 mortes violentas; 30 vezes mais que a média na Europa e que já ultrapassa, num período de 11 anos, o número de mortes ocorridas na Síria, que passa por conflito armado há sete anos.
O Brasil, como visto, não foge à regra da região. Foi divulgado pelo jornal Norte Americano Washington Post um relatório no qual constatou-se que a América Latina é, atualmente, a região mais perigosa do mundo, com 33% do total de homicídios da média global e 17 países figurando entre os 20 mais perigosos do mundo.
O quarteto Brasil, México, Colômbia e Venezuela são responsáveis por ¼ dos assassinatos ocorridos em todo o planeta.
Entre as 50 cidades mais violentas o mundo, estão no topo do ranking San Salvador, em El salvador e San Pedro Sulas, em Honduras. Na nossa América do Sul, o Brasil alcança o primeiro lugar em disparada.
O perfil das vítimas é de maioria negra ou parda, cerca de 70%, e de homens jovens, ao passo que mais da metade possuía entre 15 e 19 anos. No cenário latino-americano, este percentual sobe para 81%
Com relação à forma como as mortes violentas se dá, o relatório apontou que 71,1% dos assassinatos foram cometidos com arma de fogo, um percentual que só cresce desde 2003, ano da promulgação da lei que instituiu o estatuto do desarmamento. Hoje, o Brasil se distancia dos países vizinho, como o Chile, que registra um índice de 37,3% de homicídios por arma de fogo, e se aproxima cada vez mais de países que compõem o chamado triângulo do terror da américa central, como Honduras, com 83% e El Salvador, com 76, 9%.
Os fatores que geram a violência
Contudo, quais seriam as variantes que contribuiriam para um cenário tão preocupante e que só vem piorado com o passar dos anos? Há quem aponte a urbanização desenfreada, provocada pelo êxodo do campo, diante da falta de políticas públicas que incentivem a distribuição populacional, como por exemplo reformas agrárias, incentivo à economia familiar, estruturação do campo com energia elétrica e malha viária.
Quem defende essa teoria credita ao não abarcamento dessa demanda população e desqualificada pelo mercado de trabalho urbano, gerando fome, falta de moradia e consequentemente o aumento do índice da criminalidade.
Por outro lado, há que credite que a violência que resulta em tantos homicídios reflete no falecimento das instituições no combate do crime organizado, que se aparelhou na região por causa da população suscetível, da corrupção dos governos, no desguarnecimento das fronteiras, aliados, claro, à geografia do lugar.
O caminho para a paz
Mas, no meio do caos, nós temos exemplos de cidades latinas que conseguiram dar a volta por cima. Medellin, na Colômbia, já foi uma das cidades mais violentas do mundo e diminuiu o índice de homicídios em 85%.
No México, uma cidade chamada Ciudad Juárez conseguiu ir mais longe e minimizar em 93% as taxas, em 15 anos. Qual o segredo desses lugares?
Segundo Robert Muggah, diretor do Instituto Igarapé, que é um instituto que estuda este tipo de problemática, a solução foi encontrada na governança sustentável entre os ciclos eleitorais, ou seja, a política de continuar o que deu certo independente de partidarismos ou ideologias, e atuar diretamente nos atores mais problemáticos, que estão nas camadas mais pobres. Se o estado chega antes do tráfico, se a educação chega antes da sedução do crime e do dinheiro fácil, o quadro poderá ser revertido. Ele pontua ainda que a construção de mais prisões e aumento da repressão são medidas imediatistas e que não alcançam um fim, pois como se diz vulgarmente no morro, “morre um bandido, nascem três”.
Contudo, o problema já está instalado e precisamos observar as ações vizinhas bem sucedidas e buscar, em conjunto, um esforço concentrado no sentido de reaver as políticas de combate ao crime. Lembramos ainda, para a nossa reflexão se perpetuar, que apenas 20% dos casos de homicídios ocorridos na América Latina são reportados, ou seja, é bem provável que estes índices que já são bastante assustadores, sejam na verdade bem maiores.
É importante que todos os pontos suscitados sejam levados em conta para que as particularidades de cada nicho social seja adequada à uma prática de combate à violência canalizada e de eficiência e, assim, que a América Latina vença esse grande desafio que é o de apagar o rastro de pólvora (e de sangue) que hoje se alastra na região, num cenário que, alheio a qualquer ironia, infelizmente, tem se mostrado pior do que cenários de guerra de declarada.
Amicus autem protinus te vider! Até a próxima, amigos!
REDE DE PARCEIROS:
Instituto Igarapé. Site: https://igarape.org.br/
International Police Association. Site: http://www.ipa-brasil.org/
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório. “Atlas de violência 2018”.Disponívelem:hquetp://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33410:atlas-da-violencia-2018&catid=406:relatorio-institucional&directory=1.
REPORTAGEM. Via Deutsche Welle – G1/ Washington Post. A América Latina é a região mais violenta do mundo. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/america-latina-e-a-regiao-mais-violenta-do-mundo.ghtml.
REPORTAGEM. Veja Rio. Soluções estrangeiras inspiram o Rio na luta contra a violência. 2018. Disponível em: https://vejario.abril.com.br/cidades/solucoes-estrangeiras-inspiram-o-rio-na-luta-contra-a-violencia/
Olivia Ricarte é Articulista do Estado de Direito. Servidora pública em Boa Vista-RR. Bacharel em Direito pela UNIFENAS/MG, foi bolsista do CNPQ em programa de iniciação científica. Foi advogada, é ex membro da comissão da mulher da OAB/RR. É especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Filosofia e Direitos Humanos pela PUC. Integrou a Câmara de mediação e arbitragem Sensatus/DF. É graduanda em ciências sociais pela UFRR, é presidente regional da Rede Internacional de Excelência Jurídica. É coautora da obra “juristas do mundo”, lançada em 2017 em Sevilha, Espanha. Foi condecorada com as medalhas de mérito pela contribuição a ciência pelas universidades de Bari, na Itália e Porto, de Portugal. |