O grotesco no Assédio Laboral: Miss Mijona e outros casos

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Já se teceram inúmeros conceitos sobre o fenômeno do Assédio Laboral.
Por outro lado, números e estatísticas também foram trazidas.
A dor das vítimas igualmente fez-se presente em relatos e narrativas plenas de sofrimento.
Hoje irei deter-me no improvável, no escárnio, na infâmia, na bizarrice insonhável do comportamento assediante.
Alcança-se, nos exemplos a seguir, um grau inimaginável de desvio, que beira à incredulidade tamanha a ignomínia praticada.

PRENDA SEXUAL

O primeiro caso de Assédio Laboral a mencionar-se envolve um gerente de vendas de uma das gigantes do ramo de refrigerantes do nordeste.

Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Dentre as manifestações assediantes, tem-se a entrega de uma funcionária como prenda sexual aos demais trabalhadores que haviam atingido suas metas.
Aliás, o fato de não obter as cotas de venda impostas, redundava em absurdos acossos e humilhações, tais como, permanecer em pé em reuniões, submeter-se a dancinhas na frente de colegas vestindo saias e camisetas com frases ultrajantes, trajar-se como palhaço, carregar pênis de borracha perante os colegas e até, creiam, ter um bode amarrado em sua mesa de trabalho.
Vale salientar-se que, felizmente, houve um devido desfecho nesta demanda judicial e à vítima fora deferida indenização por danos morais em virtude de assédios moral e sexual. (1)

MISS MIJONA

Por segundo caso, em exacerbação máxima na produção, o Assédio Moral Organizacional transborda suas nefastas consequências para indivíduos determinados. Perseguindo metas inatingíveis, o controle às idas aos sanitários passa de indigna estrutura de trabalho para individualizada humilhação.
A pausa para o uso do banheiro é evitada a todo custo pelos trabalhadores que, temerosos até de punições disciplinares, abstêm-se de ingerir líquidos durante a jornada de trabalho, arcando com as correlatas sequelas – infecção urinária, incontinência, cistite, etc. -.
Especialmente uma das trabalhadoras de conhecida empresa de telemarketing, em razão de cistite e por consequência, das costumeiras idas ao toalete, recebeu o pejorativo apelido de “Miss Mijona” por todos os demais colegas e, para obstar maiores troças, começou a ir trabalhar usando fraldas geriátricas.
Venturosamente, os operadores do direito fizeram sua parte. (2)

CONTRACHEQUE EXPOSTO

Foto: Pixabay

Foto: Pixabay

Em último caso de Assédio Laboral a citar-se, a hipótese junta isolamento – a vítima era obrigada a permanecer por horas no estoque – injúrias – rumores sobre a vida amorosa da assediada amplamente divulgados e discutidos – ridicularizações – acossos contra o desempenho da vítima, inclusive com publicidade de seu contracheque além de outras corriqueiras humilhações.
Neste ínterim, trago à colação, excerto do r. acórdão que reconheceu a inobservância do mínimo patamar de moralidade e ética e dignidade nas relações laborais descritas e, por felicidade, também concedeu valor às reivindicações e concedeu indenização pelo Assédio Laboral. É uma sensível preleção sobre a temática. Literalmente:
A Constituição Federal, uma das suas vertentes voltadas para a defesa da cidadania, estabeleceu que o valor Trabalho Humano é Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil (CRFB, artigo 1º, inciso IV). Assim também o fez quanto ao valor da livre iniciativa.
O direito à vida é garantia fundamental do cidadão (CRFB, artigo 5º, Caput).
No capítulo dos Direitos Sociais, realçou a Carta Política o caráter civilizatório do respeito à força de trabalho, ao proteger o salário, na forma da lei, proibindo, inclusive, a redução salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (artigo 7º, incisos X e VI).
Ainda que não tenha sido a Carta Política dos sonhos de alguns setores excluídos da sociedade nacional, a cidadania brasileira passou a contar, a partir de 05 de outubro de 1988, sem nenhuma dúvida, com valiosos instrumentos a serviço de uma maior democracia nas relações entre o capital e o trabalho. A expressão mais significativa está na constitucionalização de inúmeros direitos sociais, alguns absolutamente novos, conferidos aos trabalhadores deste imenso País.
Outros direitos, nem sempre tão visíveis, do mesmo modo, compõem o conjunto de garantias de uma nação que pretende ser verdadeiramente democrática. E antes dos direitos em sentido estrito, devo registrar, novamente, encontram-se os Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 1º), estando ali o da dignidade da pessoa humana e o do valor social do trabalho, bem como a garantia fundamental do direito à vida (artigo 5º).
Não há norma constitucional meramente programática, de conteúdo vazio, sobretudo quando se trata de Princípio Fundamental. Ao poder público compete fazer cumprir os mandamentos expressos na Constituição Federal. Na análise do caso concreto que lhe é submetido, o juiz deve velar pela aplicação de tais regras como expressão do êxtase da soberania nacional, antes mesmo da subsunção de outras normas jurídicas inferiores.
Para Aurélio, Dignidade é o que confere ao indivíduo “respeitabilidade, autoridade, honestidade, decência, decoro, amor-próprio e honra”, entre outros atributos nobres inerentes a qualquer ser humano.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é notoriamente incompatível com qualquer atitude que reduza o trabalhador a um mero vendedor da mão de obra, sem amor-próprio e sujeito a contrair doenças laborais (emocionais e físicas). É por essa razão que qualquer iniciativa patronal tendente a comprometer a saúde do empregado e o seu bem-estar viola o preceito fundamental antes indicado.
E assim o é porque o trabalho, seja qual for o ofício profissional, da bancária, da administradora de empresas, do vigilante, do lavador de veículos, da vendedora de loja, do frentista de postos de combustíveis, do carpinteiro, do gari, do operário, do pedreiro, do jardineiro e de tantos outros valorosos trabalhadores, detém uma extraordinária diferença em relação aos insumos da produção capitalista.
O dinheiro pode trocar as máquinas, os computadores, impulsionar a revolução cibernética desprezar fatores antes considerados relevantes e descartar um conjunto de outras coisas. Não deve, porém, ter a ousadia de tentar colocar no mesmo bloco o valor trabalho humano.
O protagonista do trabalho humano é o homem, sendo este fato suficiente para lançar, em primeiro plano, à proteção de sua dignidade. Assim procedeu o constituinte de 1988, quando, ao lado da Dignidade da Pessoa Humana, considerou como Princípio Fundamental o do valor social do Trabalho. O direito à vida, por seu turno, é Garantia Fundamental.
O direito à vida importa no direito à vida digna. Preservar a vida é zelar pela saúde de maneira cotidiana. Considero que um meio ambiente laboral inadequado, marcado por xingamentos e humilhações dirigidas contra a empregada, como ocorreu na hipótese dos autos, é flagrantemente ofensiva à sua saúde
. (3)
Importa realçar que, nada obstante tais casos sejam extremados, o diuturno Assédio Laboral mudo mas do mesmo modo, execrável, repercute com resultados tão danosos quanto os ora elencados.
E, cogente também se recordar que, o brutal desrespeito e ausência de qualquer urbanidade a macular a honra das vítimas deve-se imputar não apenas aquele que ativamente assedia mas, de idêntica maneira, aquele que omite-se em coibir tal terror psicológico em seu ambiente de trabalho, em ineficácia no poder de mando, isto é, naqueles que silenciam.
Cuida-se por conseguinte, da indispensabilidade por todos de um respeito à saúde física e mental do cidadão e da absoluta intolerância aos comportamentos assediantes aptos a ferir a dignidade da pessoa – por mais cabeludos que eles sejam -. Incluem-se no todo aliás, os julgadores que conscientes de seu mister, fazem Justiça.
Parabéns ao Poder Judiciário!

REFERÊNCIAS

(1) TRT 5ª. Região. RO 2013007620035050023 BA 0201300-76.2003.5.05.2003. RELATOR: DALILA ANDRADE, 2ª. TURMA. DATA DE PUBLICAÇÃO: DJ15/12/2006.
(2) Disponível em: http://www.bancariosjf.com.br/astherlab/uploads/arquivos/continuacao_abusos_trabalhistas.pdf. Acesso em: 07 ago. 2018.
(3) TRT 10ª. Região. RECURSO 0000687-54.2016.5.10.0020 RO – RELATOR: DESEMBARGADOR GRIJALBO FERNANDES COUTINHO, 1ª. TURMA. DATA DE JULGAMENTO: 18/07/2018.

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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