Coluna Direito da Família e Direito Sucessório
Do dia das mães ao dia da Família nas escolas brasileiras: uma necessária modificação para acomodar as diversas famílias brasileiras
Em nossa sociedade temos o hábito de comemorar o dia das mães no segundo domingo de maio, e enquanto estávamos no âmbito do Código Civil de 1916 em que reconhecia apenas a família oriunda do casamento como entidade familiar, essa comemoração poderia fazer sentido. Mas, agora essa comemoração passou a ser ofensiva às diversas formas de família existentes.
Quando analisamos o nosso sistema jurídico, e por isso começamos pela Constituição Federal, verificamos que são três formas de família previstas. A família oriunda do casamento, a família oriunda da união estável e a família monoparental.
A família monoparental é formada por um dos genitores e sua prole. E, normalmente, formada pela genitora e seus filhos. Conforme pesquisa do IBGE temos que as mulheres aparecem como 87,4%[1] nessa composição. Sendo assim, 12,6% são formadas pelo genitor e seus filhos.
Mas, dentro da nossa sistemática jurídica existem outras formas de família, que são contempladas no Estatuto da Criança e Adolescente e assim podemos citar aquelas formadas pelos tios e seus sobrinhos, ou pelos avós e seus netos, ou a família extensa ou recomposta formada pela madrasta ou padrasto e seus enteados.
E esses são apenas alguns exemplos.
O dia das mães na escola
Quando uma escola apresenta o dia das mães ao invés do dia das famílias nos deparamos não com uma escolha simples da escola mas com um problema jurídico criado pela escola.
Analisando o Estatuto da Criança e do Adolescente temos a previsão de que todas as pessoas envolvidas com a criança e o adolescente têm o dever de efetivar os direitos, conforme previsto tanto na Constituição Federal como repetido no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, vejamos:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
E assim, devemos perceber que crianças e adolescentes provém de famílias distintas e em decorrência disso todas as formas de entidades familiares precisam ser respeitadas e resguardadas.
Além disso, quando se trata do direito à educação, em que visa o pleno desenvolvimento da pessoa para prepará-la para o exercício da cidadania e ainda para qualificá-la para o mercado de trabalho faz-se necessário assegurar igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
E como permanecer numa escola que não respeita a família que a criança ou o adolescente pertence? Se a escola não acolhe a família como um todo também não está acolhendo essa criança e esse adolescente. Assim, a permanência na escola passa a ser comprometida. Da mesma forma que sutilmente a escola está deixando de proteger essa criança ou adolescente do bullying, pois ao passar a mensagem que a família certa é aquela defendida por ela, acaba colocando a criança numa situação de vulnerabilidade.
Seguindo ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que essa criança ou esse adolescente tem o direito de ser respeitado por seus educadores, assim, se a entidade familiar a qual ela pertence não é respeitada, como então a escola está respeitando essa criança ou esse adolescente?
No Brasil plural em que vivemos, não podemos deixar que o preconceito e a discriminação apareça de forma sutil como nesse caso, pois alijar parte das famílias brasileiras não é contribuir com o processo de formação dessas crianças e desses adolescentes, ao contrário, é difundir que existe uma família melhor do que a outra, o que, em hipótese nenhuma, é uma realidade.
A melhor família é aquela que permite que a criança e o adolescente possa se desenvolver de forma saudável, tanto de corpo quanto de mente. Onde os seus integrantes, baseados no afeto e na solidariedade, dividem as suas responsabilidades e os seus anseios.
Ainda nos socorremos da Constituição Federal no seu art. 3º em que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, construir uma sociedade livre, justa e solidária e ainda promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Assim, promover o dia das mães, discriminando as crianças e os adolescentes que tem uma entidade familiar diferenciada, não está agindo em consonância com a Constituição Federal, nem o que se espera de uma instituição cujo objetivo é a formação das nossas crianças e adolescentes.
O que se deve esperar dessas escolas é que elas se adequem o mais rápido possível à realidade brasileira ao invés de trazer sofrimento desnecessário para as crianças e adolescentes que são os seus discentes. Essa conduta da instituição pode inclusive desmotivar as crianças e adolescentes a permanecer na escola pois naquele momento a escola passou a ser um ambiente inóspito para elas.
Referências:
[1] http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2014/10/mais-mulheres-assumem-a-chefia-das-familias-revela-pesquisa-do-ibge
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |