Artigo veiculado na 26ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.
Carmela Grüne*
Estamos em época de eleições e o voto é uma das maneiras de manifestar o compromisso com o coletivo, de exercer a cidadania, delegar escolhas. Mesmo se nos perguntássemos sobre a obrigatoriedade do voto, necessitamos antes disso, refletir qual a real capacidade de ser mais ou menos cidadão.
O nosso País poderia ter o voto facultativo se todos demonstrassem condições e interesse em participar da vida comum. A verdade é que diante da ausência de instrumentos e incentivos para a participação da gestão pública – pela deficiência de interlocução e educação cívica, o discurso acaba sendo ineficaz, pois a sociedade não fala a mesma linguagem. A importância da obrigatoriedade do voto faz refletirmos sobre “o que é a nossa cidadania”.
O momento em que vivemos demonstra um descaso com o coletivo pela sociedade do consumo e do individualismo. Se nem pelo voto opinarmos para o que seja melhor, qual o destino que teremos?
A construção da cidadania passa pelo sentimento de pertencimento. Se eu não me sinto parte daquele bairro, daquele Estado, certamente não terei interesse em participar da administração da minha cidade. Qual a consciência que terá de vida comum o indivíduo que não faz parte, que se sente marginalizado?
Imprescindível incentivar outras formas de exercer a cidada¬nia para poder escolher o que desejamos e não ficarmos nas mãos de poucos com interesses individuais. Assim, o capital social mostra-se como fator elementar para desencadear o processo de formação da cultura popular, ou seja, a aceitabilidade do indivíduo das formas de convivência e imersão da identificação do pertenci¬mento aos valores éticos e morais, aos quais ele passou a concordar quando demonstrou interesse na vida comunitária.
Numa sociedade de consumo em que a estética predomina infelizmente o simbolismo toma conta do protagonismo social. A democracia precisa ouvir, com nos aponta Luis Alberto Warat, “os gritos do Dionísio” – temos que buscar a nossa felicidade trabalhando local e pensando global, com os olhos abertos para o desenvolvimento sustentável. Voto é cidadania também, por isso somos a mudança que precisamos ter.
Ainda não temos no Brasil um sistema eleitoral ideal; é falho, com grandes lacunas, que permitem o uso pelos maus políticos, contudo é o que se tem, e nessa realidade longe do ideal, o voto obrigatório é uma circunstância necessária, como a Lei de Cotas, passos para reafirmar a democracia.
Se tivéssemos outras formas de cidadania mais exploradas não precisaríamos da obrigatoriedade do voto porque teríamos a sensibilidade e o compromisso com o coletivo.
A manifestação da cultura popular é importante para a valorização do espaço local pelo incentivo comunitário a lutar pelos ideais para uma vida melhor. Não há condições de melhorar o cuidado com o planeta se não formamos cidadãos, se excluímos ao invés de incluirmos.
Os governantes precisam estimular a educação jurídica, não só obrigando os lojistas a disponibilizarem Códigos de Defesa do Consumidor em suas lojas, mas ao proporcionar que a cultura popular seja o caminho para a formação da cidadania, expressa e incentivada pela valorização do espaço local. Registro a composição “O Homem Invisível”, da Banda Psicoativos, bem retrata o que é o pseudocidadão. Vejamos: “O homem invisível – o alvo do desprezo ignorante-inconsciente. O homem invisível – a sobra suja e bruta, lixo tóxico de gente. Aquele que não tem, o tal João-Ninguém. O homem invisível – a face oculta e podre do desnível social. O homem invisível – o qual se encontra sempre abaixo do bem e do mal. Aquele que não tem, o tal João-Ninguém. Aquele que não é, alguém que não existe. Um vão vazio e triste sem esperança ou fé. Um ser que ninguém vê, o qual não faz presença. Atrás da indiferença: alguém que nem você. Atenção – alguém ciente que tem gente nessa condição? Atenção – o que será que sente esse pseudocidadão?”.
Agradeço a todas pessoas que colaboram para que o Jornal Estado de Direito possa levar conhecimento para a sociedade! Agradeço as belas imagens que, desde a edição passada, o fotógrafo Adriano Rodrigues nos tem proporcionado!
*Editora responsável pelo Jornal Estado de Direito. Mestranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas pela UNISC. www.twitter.com/carmelagrune