Margem de interpretação

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Fonte: pixabay

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Decisões

A insatisfação com o teor das decisões judiciais sempre traz à baila o discurso de que caberia ao juiz simplesmente aplicar a lei. Aplicar a lei. Simples assim. Ou não.

Os julgamentos ruins não decorrem da admissão de existência de uma margem interpretativa. Grosso modo, os julgamentos ruins decorrem de leis ruins e/ou julgadores ruins.

A crença de que seria viável um sistema no qual a solução para as controvérsias estivesse já posta na letra da lei, antecipando-se ao conflito, prevendo-se legalmente a decisão a ser tomada, é absolutamente ingênua e não se sustenta minimamente perante a natureza das coisas. Na verdade, é um desejo infantil que nega a realidade, tal como uma criança que odeia o mundo quando descobre a sua própria finitude. Porém, tal como a morte não deixa de existir mediante a vontade de eternidade, de igual modo a lei nunca estampa previamente a resposta para a lide, como se bastasse pegá-la e aplicá-la, sem mediação cognitiva e deliberativa.

A pretensão de objetivar o que é deliberativo não é fenômeno isolado e restrito ao Direito. A Filosofia conheceu igual movimento quando do Positivismo Lógico do começo do século XX e não foi outra a visão de Francis Bacon quando inaugurou a Modernidade ao buscar conhecer o mundo mediante medição, quantificação e análise.

Os resultados das mais vigorosas defesas da objetividade são conhecidas e se explicam por si sós.

Bacon, muito preocupado com o conhecimento das realidades física e biológica acabou sua carreira arruinado ao ter seu nome envolvido em suspeita de corrupção. Ao apostar tudo no conhecimento da realidade sensível ignorou-se a Ética e outras dimensões da realidade as quais ele próprio negava existir. A sanha totalitária de Napoleão que cria dominar as relações jurídicos-sociais mediante uma legislação perfeita já ruiu – conforme, aliás, admitido por ele mesmo ao dizer exageradamente que seu Código estaria perdido -, de modo a revelar que a tentativa de antecipação e resolução dos conflitos somente pode ser parcialmente bem-sucedida, não se podendo esperar do Direito e, mormente, da Lei, o que os mesmos não podem dar. Já o Positivismo Lógico tentou simplificar a realidade, objetivando o discurso e tentando expulsar o inobservável. Ao embriagar-se na Linguagem e na Matemática creu-se que a realidade estaria toda ali, mas somente estava totalmente ali para seus asseclas que foram incapazes de ver que existia muito mais.

 

Subjetividade

Fonte: pixabay

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O mal-estar com a subjetividade é antigo e sempre que se recusa a sabedoria quando do exercício do poder, volta a sanha objetivista.

A divergência de interesses, a tensão de um conflito e as razões de cada um dos contendores não é uma questão que possa ser reduzida ao âmbito do verdadeiro/falso. A ocorrência de um fato e o resultado de uma operação matemática, estes sim estão no âmbito do verdadeiro/falso. A cognição da realidade sensível não é estranha ao julgamento, mas é apenas parte do mesmo. Antes da tomada da decisão impõe-se a apuração, sempre inexata ante as limitações jurídicas e humanas para a cognição, do ocorrido (p. ex. se Fulano realmente ultrapassou o sinal vermelho). Entretanto, qual a consequência deve ocorrer diante deste fato, isso é necessariamente uma deliberação que extrapola o âmbito do que é e passa ao plano da efetivação no plano concreto do que deve ser.

A existência inarredável de um espaço interpretativo, de um locus e um tempus hermenêutico, impõe uma outra discussão, não raro indigesta, a respeito de quem deve julgar – ao invés da tradicional pergunta acerca de como julgar. Debater o acesso à magistratura é tão ou mais importante do que pensar como decidir. A metodologia mais elaborada não salva a mão inábil e, por vezes, a cabeça mais sensata se sobressai ainda que pouco tenha lido sobre hermenêutica.

Prefiro mil vezes ser julgado por um sábio do que por um catedrático de Hermenêutica, ainda que esta seja seara que possa ser muito útil para o aprimoramento daquele que realmente anseia pelo bem-julgar.

E o bom julgador nunca se fia no espaço hermenêutico para exercitar sua vontade de poder, para decidir de forma voluntariosa, caprichosa, a seu bel-prazer. Quem se vale da margem interpretativa para impor sua visão de mundo, sem justificar devidamente o uso do poder, age de forma autoritária, revelando-se indigno do cargo que ocupa.

A inadmissão de que a decisão não se encontra antecipadamente no texto legal de modo algum implica na assunção de que existe um âmbito no qual seria lícito ao julgador exercer sua discricionariedade caprichosa. O julgamento deve ser fundamentado do início ao fim, ainda que não se trata de ciência exata ou factual, ainda que seja domínio do lícito e do ilícito, do certo e do errado, ao invés do verdadeiro e do falso. A divergência de fundamentações e de conclusões em casos similares não implica necessariamente em arbitrariedade, mas a ausência de justificativa clara, racional e razoável é que revela o desmando.

 

Tiago Bitencourt De David é Articulista do Estado de Direito, Juiz Federal Substituto da 3ª Região, Mestre em Direito (PUC-RS), Especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER) e Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo, Espanha). Bacharel em Filosofia pela UNISUL.

 

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