Evitando a perda do imóvel: os prazos para a purga da mora e os modos de fazê-la

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Foto: Pixabay

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Purga da mora

Questão polêmica e de inegável relevância prática, inclusive de recorrente enfrentamento em sede judiciária, consiste na possibilidade de purga da mora por parte daquele que está em vias de aquisição de imóvel, mas que se encontra inadimplente. A análise aqui realizada tem em vista a comum situação na qual foi utilizado o instituto da alienação fiduciária em garantia, sendo aplicável, portanto, a legislação pertinente.

A nosso sentir, há duas oportunidades distintas para a purga da mora, a saber, aquela que se estende até 15 dias após a notificação para fins da purga da mora, noticiando a iminente consolidação da propriedade em favor do credor, bem como aquela outra que se estende até a assinatura do auto de arrematação. Tal conclusão emerge da interpretação conjunta dos artigos 34 do Decreto-lei 70/66, 26 e 39, II, da Lei Federal 9.714/97 [1]; afinal, dos dispositivos em tela se observa a convivência de dois momentos distintos para que se purgue a mora, especialmente tendo em vista que o art. 39, II, da Lei Federal 9.714/97 é expresso ao admitir a subsistência da sistemática consagrada pelo Decreto-lei 70/66.

Prazos diversos

Entretanto, sentido algum haveria na existência de dois prazos diversos para a purga da mora se do mesmo débito se falasse. O primeiro momento para a purga da mora permite a regularização do desempenho da performance contratual via pagamento do quanto vencido até então, já o prazo derradeiro para a purga da mora tem em vista o vencimento de toda a dívida por antecipação, de modo que se autoriza o adimplemento tardio no derradeiro momento da execução extrajudicial perante a solvência de tudo quanto é devido, tendo-se em conta que todas as parcelas já são consideradas vencidas. Em suma, enquanto na purga da mora em até 15 dias após a notificação é possível a transformação do estado de inadimplência em adimplência mediante o pagamento das parcelas vencidas em seu próprio termo normal, hipótese na qual cabe ao devedor o pagamento de 10, 15 parcelas – dada a comum demora do credor em valer-se do meio severo de cobrança -, já na purga da mora até a assinatura do auto de arrematação deve ocorrer o adimplemento da integralidade do débito, até mesmo porque as parcelas que antes venceriam no futuro já são consideradas vencidas por antecipação.

Em julgamento datado de 2014, o Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Recurso Especial 1.462.210 reconheceu a existência de dois momentos distintos para a purga da mora. Ainda que não se tenha expressamente aduzido que o pagamento até a assinatura do auto de arrematação deva ser do montante da dívida considerando-se o vencimento antecipado das parcelas vincendas, é certo que no caso concreto os devedores realizaram o depósito integral da dívida vencida, cumprindo, assim, o necessário para evitar que o imóvel passasse para as mãos de terceiro-arrematante.

Postas as duas modalidades de purga da mora, cumpre ter em vista que o ingresso de ação judicial na qual é prometido o pagamento não equivale nem de longe ao escorreito adimplemento. A purga da mora concretiza-se com o efetivo depósito – e não se confunde com a promessa feita na véspera de leilão de que no próximo dia útil, ou seja, passado o leilão que geralmente acontece aos sábados, ocorrerá o pagamento que não foi feito a tempo.

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Note-se, ainda, que nem mesmo a alegação de ausência de notificação vem sendo acolhida quando desacompanhada com o depósito, afinal, quem reclama da ausência de notificação – que serve para dar cientificar acerca da possibilidade de purga da mora – deve, coerentemente, uma vez que sabe do risco de consolidação/alienação do bem, depositar o quanto é devido – não se admitindo que ciente do estado de inadimplência possa permanecer inerte. Nesse sentido (sublinhado ausente nos originais):

  1. Imóvel financiado no âmbito do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, mediante constituição de alienação fiduciária de coisa imóvel, na forma da Lei nº 9.514/1997.
  2. A propriedade do imóvel consolidou-se em favor da fiduciária Caixa Econômica Federal, na forma regulada pelo artigo 26, § 1º, da Lei n. 9.514/1997. Consolidado o registro, não é possível que se impeça a agravada de exercer o direito de dispor do bem, que é consequência direta do direito de propriedade que lhe advém do registro.

[…]

  1. Tendo a ciência inequívoca do procedimento extrajudicial, e não negando a mora, caberia ao devedor purgá-la, ou ao menos depositar, em juízo, o valor do débito. Não é o que ocorre no caso dos autos, em que os agravantes pretendem, não o pagamento do débito, mas apenas a retomada do pagamento das prestações vincendas, o que não se reveste de plausibilidade jurídica. Precedentes.
  2. Agravo legal não provido. (TRF3, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 574808 / SP 0000757-13.2016.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, julgado em 04.04.2017)

 

  1. Imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), mediante constituição de alienação fiduciária de coisa imóvel, na forma da Lei nº 9.514/1997.

[…]

  1. A providência da notificação pessoal, prevista no artigo 26 e parágrafos, da Lei 9.514/1997, tem a finalidade de possibilitar ao devedor a purgação da mora. E o devedor, ao menos com a propositura da ação originária, demonstra inequívoco conhecimento do débito, não se podendo dizer que a finalidade de tais diligências não foi atingida, não caracterizando qualquer prejuízo à parte, fato que elide a decretação de qualquer eventual nulidade, nos termos do artigo 250, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973.
  2. Tendo a ciência inequívoca do procedimento extrajudicial, e não negando a mora, caberia ao devedor purgá-la, ou ao menos depositar, em juízo, o valor do débito. Precedentes.
  3. Agravo de instrumento não provido. (TRF3, Processo AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 578621/SP 0005210-51.2016.4.03.0000, Relatora Juíza Federal convocada Mônica Bonavina, julgamento em 19.07.2016)

 

Foto: TRT-2

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  1. O imóvel foi financiado no âmbito do SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário, mediante constituição de alienação fiduciária de coisa imóvel, na forma da Lei nº 9.514/1997.

[…]

  1. Se a única alegação dos devedores é a falta de intimação para purgação da mora, a estes caberia, tendo a ciência inequívoca do procedimento extrajudicial, e não negando a mora, purgá-la, ou ao menos depositar, em juízo, o valor do débito.
  2. Não é o que ocorre no caso dos autos, em que os agravantes pretendem, não o pagamento do débito, mas apenas a retomada do pagamento das prestações vincendas, com a incorporação das prestações vencidas ao saldo devedor, o que não se reveste de plausibilidade jurídica. Precedentes.
  3. Agravo legal não provido. (TRF3, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 513950/SP 0022536-29.2013.4.03.0000, Relator Juiz Federal convocado Márcio Mesquita, julgado em 11.02.2014)

Aliás, é muito comum que pessoas que há 5, 6, 10 anos ou mais não pagam uma prestação sequer, venham a juízo dizer-se surpreendidas com a consolidação e a iminência de leilão, sem demonstrar a mínima disposição de pagar o quanto devido e após anos de fruição de moradia gratuita. Isso difere daqueles que atrasaram algumas prestações e procuraram o credor para acertar o quanto devido sem que a instituição financeira lhes permita a regularização contratual, ajuizando o quanto antes demanda judicial para recuperarem o estado de adimplentes, depositando o que seja devido – estes sim merecem a compreensão e amparo do sistema jurídico e judiciário.

Afinal, é claro que um contratempo relativo a um pequeno e de algum modo justificável atraso nas prestações – após considerável período de cumprimento escorreito do programa contratual – não se compara ao abandono dos pagamentos ao longo de dilatado lapso temporal e da insurgência maliciosa na iminência do leilão mediante mera promessa de regularização.

[1] Tem-se, por um lado, o seguinte emanado do Decreto-lei 70/66:

Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acôrdo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos:

I – se a purgação se efetuar conforme o parágrafo primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário;

II – daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação.

Por outro, a Lei Federal 9.514/97:

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

  • 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
  • 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.

E, ainda, da mesma Lei Federal 9.514/97:

Art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei:

(…)

II – aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966.

 

Tiago Bitencourt De David é Articulista do Estado de Direito, Juiz Federal Substituto da 3ª Região, Mestre em Direito (PUC-RS), Especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER) e Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo, Espanha). Bacharel em Filosofia pela UNISUL.

 

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