Breve histórico do consumo e a proteção do consumidor

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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Foto: Heidi Sandstrom/Unplash

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“O consumo é a única finalidade e o único propósito de toda produção.” 
Adam Smith

Tempos diferentes

Há registros históricos de que durante séculos as pessoas consumiam somente para satisfazer suas necessidades básicas de alimentação, vestuário, produtos agrícolas e remédios. Não havia produção em série, estoque ou grandes pontos de vendas, os produtos eram feitos de forma artesanal e em pouca quantidade. No Brasil a situação não era diferente, até as primeiras décadas do século XIV muitos produtos eram feitos apenas por encomendas. As mudanças em relação ao consumo começaram com a vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808. Os portos brasileiros foram abertos para o progresso e chegavam desde alimentos, vestuário, objetos, até especiarias de toda Europa e principalmente da Índia.

Preocupação antiga

Nas Sagradas Escrituras, desde os tempos do Jardim do Éden, já aparece o primeiro problema sobre o consumo de uma fruta, a maçã, que foi experimentada por Adão e Eva, contrariamente à ordem de Deus.

Observa-se que proteger o consumidor é uma preocupação bem antiga. Na Lei das Doze Tábuas o comprador podia exigir do vendedor uma declaração solene definindo as qualidades essenciais, da coisa vendida. Essa declaração responsabilizava o vendedor, proibindo-o de toda espécie de publicidade mentirosa.

Alguns livros datam que desde o século XIII, a.C., onde o Código de Manú da Índia estabelecia sanções para os casos de adulterações aos falsificadores.

No século XVIII, a.C., na Babilônia Antiga, existia o Código de Hamurabi que continha regras para tratar questões de cunho patrimoniais, assuntos relativos ao preço, qualidade e quantidade de produtos.

Assim determinava seus artigos 233 e 235: “Se um construtor construir uma casa para alguém, mesmo que não tenha terminado; se as paredes parecerem periclitantes, o construtor deverá torná-las sólidas com seus próprios meios”.

“Se um construtor naval fizer um barco para alguém e não o fizer firme; se durante o mesmo ano o barco for lançado e sofrer danos, o construtor deverá pegar o navio de volta e reforçá-lo à sua própria custa. O barco reforçado deve ser entregue ao proprietário”.

No século XVII, o microscópio passou a ser um grande aliado dos consumidores no auxílio da análise da água, alimentos e adulterações, principalmente de especiarias.

Com a Revolução Francesa a classe social emergente, a burguesia, dá o seu primeiro passo para se ascender ao poder, não só na França, mas em todo o mundo, semeando entre as nações e no tempo os ideais revolucionários burgueses de igualdade, liberdade de iniciativa e justiça comutativa. Era o declínio do feudalismo.

Foto: Pixabay

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O incremento do comércio exigiu novas técnicas para acelerar a produção, a Revolução Industrial entra em cena, a produção de bens passa a ser em série e em massa, a Divisão Internacional do trabalho, também é implantada, e o homem não mais confecciona autonomamente os seus bens, e nem participa de todos os estágios da produção. Escreve Cottely sobre a divisão do trabalho que “el hombre no vive aislado. No produce todos los bienes necessarios para su consumo, sino que se especializa em la producción de ciertos bienes, que trueca por los otros. Existe una divisíon de trabajo que funciona sobre la base de la distribuición de los bienes”. (COTTELY, Esteban. Teoria del derecho econômico. Buenos Aires: Frigerio, 1971, p.111)

Consumismo e capitalismo

Não demorou muito para a sociedade de consumo se consolidar. O consumismo virou ordem e até, mesmo, premissa para a civilização industrial, o homem então passa a ir aos mercados não só para adquirir bens e serviços para satisfazer as suas necessidades, mas também para ostentar o seu luxo.

O capitalismo passou a imperar em quase todo o mundo como regime econômico, social e político, a mais valia é o seu principal estandarte e o lucro é o que importa.

O capitalismo desenvolveu-se no correr dos anos, a produção acelerada, varia e se multiplica graças aos avanços tecnológicos atingidos através dos tempos, a população, também aumenta e os mercados consumidores expandem-se, a divisão de classes sociais e categorias econômicas ficam bem mais claras assim como seus constantes confrontos.

Não tarda muito, o sistema econômico social dos países capitalistas entra em crises cíclicas. A concorrência desleal, a concentração de renda, a falta dos direitos sociais, os bens e serviços enganosos, defeituosos ou impróprios para o consumo conjuntamente com a instabilidade econômica e social levam o sistema e a sociedade civil a exigirem uma nova postura perante a administração sócio econômica das Nações.

O Estado então é chamado para limitar a concorrência, evitar o abuso do poder econômico, reprimir os monopólios, intervir e dirigir a economia, proteger os economicamente fracos e fazer a justiça distributiva. Quanto às novas funções do Estado, diz Merino que “gracias a los problemas econômicos y sociales proprios dela épocas presente, el Estado ha ido interviendo em forma cada vez más creciente em la antes intocable esfera dela economia privada”. (MERINO, Daniel Moore. Derecho econômico. Santiago: Jurídica de Chile, 1962, p. 39)

Nesta segunda fase do capitalismo chamada de neocapitalismo, o Estado não mais se abstém da vida econômica, os seus rastros são encontrados em todos os lugares a cada instante, e passa a intervir incisivamente, direta ou indiretamente, nas condutas econômicas, e consequentemente na esfera social com o objetivo de salvar o capitalismo, minimizar a luta de classes e categorias econômicas e consagrar alguns direitos básicos à maioria da sociedade.

Cada vez mais, tornam-se transparentes e individualizadas as figuras dos produtores, vendedores, importadores, comerciantes, distribuidores, transportadores, prestadores de serviços, publicitários, consumidores, etc.

Crescimento dos conflitos

No final do século XIX, o movimento de defesa do consumidor, já sendo tratado com essa denominação, ganhou força nos Estados Unidos em virtude do avanço do capitalismo. Com o surgimento das indústrias e a variedade dos produtos a preocupação com a relação entre produtor e consumidor ficou ainda maior.

Nos dias de hoje, é bem clara a constante guerra travada por comerciantes, produtores, importadores, prestadores de serviços de um lado, e consumidores do outro, merecendo mais do que nunca a atenção do Direito, a fim de que este proteja os consumidores da insuficiência de bens e serviços; dos seus malefícios; dos preços exorbitantes; de propagandas abusivas e monopólios espoliadores.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Esta luta tem de um lado os produtores, comerciantes e outros membros da cadeia econômica que sempre têm sobre suas miras o lucro, sem se importarem com a qualidade dos bens e serviços; se a qualidade e o tamanho estão dentro dos padrões legais; se aqueles trazem ou não transtornos, mal ou dano para os indivíduos ou para as classes sociais; se a propaganda corresponde com a realidade fática dos bens ou serviços e se estes satisfazem as necessidades sociais.

Do lado oposto, estão os consumidores que carecem de bens e serviços para estancarem suas necessidades ou aumentarem o luxo.

No confronto dessas forças os indicadores da história demonstram que um dos lados está sempre em desvantagem, ou seja, os consumidores, isto em decorrência da desigualdade econômica, do baixo poder aquisitivo dos consumidores, do bombardeio dos anúncios, das falcatruas no âmbito da produção e do comércio.

Mudanças da relação

Além disso, nota-se que antigamente o produtor e o consumidor estabeleciam uma relação de compra e venda equilibrada, pois o comprador fazia a negociação diretamente com o artesão, que era, ao mesmo tempo, a pessoa que produzia e que vendia o produto que estava sendo negociado na transação. Dessa maneira, ambas as partes tinham total conhecimento das formas de pagamento, produção, entrega e de uso do produto em questão.

Com a industrialização, a massificação da produção, fato que descaracterizou a produção personalizada dos produtos, os consumidores não estabelecem mais uma relação pessoal com os produtores. Na realidade, estes dois polos da relação de consumo, sequer se reconhecem. O consumidor passa a ser um desconhecido para o produtor, ficando impedido de barganhar e de conhecer o processo de construção do produto que irá adquirir. Agora ele negocia com um novo tipo de fornecedor, o empresário, que não participa das etapas de produção, e muitas vezes não sabe informar sobre o seu modo de funcionamento.

Logo, indiscutivelmente nesta nova forma de relação de compra e venda, o consumidor fica em situação de vulnerabilidade em detrimento ao fornecedor do produto ou serviço, que, por sua vez, passou a ditar os moldes deste tipo de negociação. Com o desígnio de dirimir tal situação, estabeleceram-se regramentos que proporcionam a proteção à parte mais frágil da relação, que é o consumidor. Medida esta que fez por restabelecer o equilíbrio nas relações de consumo.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou a proteção do consumidor como garantia constitucional e princípio norteador da atividade econômica. Com e edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990, os direitos do consumidor foram se consolidando através da criação do microssistema das relações de consumo e da inserção de novas normas e princípios jurídicos. As relações de consumo foram se modificando, equilibrando dessa maneira as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores.

Conclusão

Portanto, diante de tudo que foi mencionado, não resta dúvida de que os consumidores devem se constituir em grupos organizados de pressão, dotados de disponibilidade financeira e arcabouço jurídico eficaz, a fim de terem seus direitos protegidos ou consagrados e fazerem frente ao poder econômico público ou privado.

Afinal, parafraseando Érico Veríssimo “O objetivo do consumidor não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e mais a fim de que com isso compensar o seu vácuo interior, a sua passividade, a sua solidão, o seu tédio e a sua ansiedade.”

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

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