Coluna Direito dos Refugiados
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Crise migratória internacional
Uma crise migratória internacional com paralelo somente durante e ao fim da Segunda Guerra Mundial irrompeu nos últimos anos. Tal acontecimento é sem dúvida uma crise sistêmica mundial que vem se desenvolvendo pelo menos durante toda a última década, e que finalmente alcançou o continente europeu. E apenas neste sentido específico parece um fenômeno planetário, no entanto conforme o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) ou a OIM (Organização Internacional das Migrações), os países em desenvolvimento e ao lado das grandes crises migratórias já recebem a maior parte dos refugiados do mundo pelo menos desde o inicio da década.
O último relatório “Tendências Globais”, do ACNUR, estima que o número de deslocados forçados no mundo girava em torno de mais de 60 milhões, alcançando níveis sem precedentes na história mundial mais recente. Fruto de sistemáticas perseguições políticas, sociais e culturais, da cultura da violência generalizada de violação de direitos humanos, produzindo refugiados, solicitantes de asilo e deslocados internos.
E dos refugiados reconhecidos, em torno de 14,4 milhões, apenas 8,4% ou 1,2 milhão encontram-se nos países europeus. A maior parte do contingente de refugiados situando-se nos países vizinhos da origem dos grandes fluxos migratórios, ou seja, nos países periféricos do sistema internacional, particularmente Turquia, que se converteu no país que mais abriga refugiados no mundo, Paquistão, Líbano, Irã, Etiópia e Jordânia.
A guerra civil da Síria
A guerra civil da Síria foi um importante ponto nevrálgico para o aumento global do número de refugiados. O país se transformou no maior Estado de origem de refugiados, ultrapassando o Afeganistão, que mantinha este posto por vários anos. Os sírios que tentam alcançar os países europeus passaram meses ou até anos em campos de refugiados na Turquia que, com 75 milhões de habitantes e menos de um quarto da renda per capita da Alemanha, abrigava mais refugiados do que toda a União Europeia em conjunto. A mesma realidade suportada pela Síria, antes do inicio da guerra em 2011: sozinha, ela recebia mais refugiados do que todo o continente europeu combinado.
O Líbano, por outro lado, com o mesmo grau de desenvolvimento social e econômico, abriga o equivalente a 23,2% da população nacional, em termos de refugiados. São esses países, e não os europeus, que estão no seu limite de capacidade para receber e acolher refugiados, e ainda assim os países ocidentais mais adiantados ec economicamente apropriam-se de uma linguagem securitária para impedir ou criminalizar o fluxo advindo dos países menos desenvolvidos.
Fora isso, milhões de refugiados acabam por viver de maneira isolada e “biológica”, nos campos turcos, libaneses ou jordanianos, em um contexto de guerras prolongadas em que quinze novos conflitos armados surgiram ou se reiniciaram nos últimos cinco anos. Sem muitas perspectivas de retornar aos seus países em condições seguras, ou de conseguir emprego nos países vizinhos que precariamente os acolhem, não é surpresa que arrisquem suas vidas por uma oportunidade em países mais desenvolvidos, sendo que milhares de pessoas cruzam diariamente o mar mediterrâneo em busca de sobrevivência, e muitos morrendo na travessia, e a União Europeia incapaz de oferecer uma solução durável e de longo prazo.
O contexto atual
O crescimento do número de refugiados no continente europeu foi grande em 2015 e deve ser considerável em 2016, no entanto, se alguns países europeus correm o risco de arcar com excedentes exagerados, isso está longe de ser verdade para o conjunto dos países do continente. É perfeitamente razoável para os europeus solicitar colaboração a outros países desenvolvidos, principalmente para os EUA, Canadá (Justin Trudeau, Primeiro-Ministro canadense fez recente pronunciamento na Assembleia Geral da ONU demonstrando a generosidade da prática canadense na recepção de refugiados) ou mesmo Israel, mas dentro do futuro previsível, a parcela de sobreviventes de guerras e perseguições recebidas pelos países ricos estará bem abaixo de sua participação na riqueza global. Bem abaixo, também, de sua parte na responsabilidade compartilhada por esses desastres, é necessário sublinhar. A reunião de Cúpula em Nova York por parte dos membros da ONU nesta semana também parece não oferecer soluções consistentes para os milhares de homens, mulheres e crianças que se arriscam cotidianamente para salvar suas vidas da morte certa em seus locais de origem.
Isto é, a maior parte da migração forçada de refugiados é causada pelos efeitos colaterais das guerras e por certo grau de hipocrisia da política externa das potências centrais do sistema internacional da qual os europeus continuamente participaram e procuraram se beneficiar ao longo do tempo. Em outros termos, os refugiados são produto de um complexo jogo entre as prerrogativas e interesses dos Estados e a preservação dos direitos humanos, entre a política e o direito. Aplica-se com notoriedade no caso do Afeganistão, do Iraque, Líbia e Síria, mas se aplica, com ainda mais responsabilidade europeia, aos refugiados africanos, em maior número na Eritreia, na Nigéria, na Somália ou no Sudão.
O fracasso no combate a crise
Neste contexto global, em que os refugiados ganham grande destaque internacional devido a chegar em um número considerável aos países europeus, a reunião de cúpula mundial parece sinalizar o fracasso das Nações Unidas em combater a crise global de pessoas refugiadas, e que conforme o secretário geral da Anistia Internacional Salil Shetty é uma oportunidade perdida que afetará milhões de pessoas em todo mundo ao longo do tempo, sem a possibilidade de que os líderes mundiais encontrem no curto prazo soluções alternativas para ajudá-los a alcançar a segurança e as novas vidas que necessitam.
O Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-Moon, propôs um Pacto Global sobre os Refugiados em que os países membros se comprometam a acolher 10% dos refugiados do mundo anualmente. No entanto, este pacto não será uma realidade pelo menos até 2018, com os países emitindo a “Declaração de Nova York”, com compromissos de garantia sobre o tema, mas sem medidas de responsabilidade compartilhadas tangíveis e concretas.
A União Europeia, Rússia e China preferiram atuar no velho jogo de poder com base no interesse nacional específico, lembrando as escolas realistas e neorrealistas das relações internacionais e não em termos humanitários, por uma “razão de humanidade”, e assim se comprometer com soluções palpáveis e duráveis para a atual crise internacional dos refugiados.
Cesar Augusto Silva da Silva é Articulista do Jornal Estado de Direito – Doutor em Ciência Política pela UFRGS, Mestre em Direito pela UFSC. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Coordenador do Mestrado Interdisciplinar Fronteiras e Direitos Humanos (PPG-FDH) e da especialização em direitos humanos e cidadania da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD. |