Coluna Instante Jurídico
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O futuro profissional dos bacharéis
Após ler a coluna da semana passada, a estudante Maria Luísa Cardoso (Faculdade Guanambi) instou-me a escrever sobre o futuro profissional dos bacharéis em Direito. Na ocasião, contou que essa é uma preocupação de vários outros acadêmicos que se encontram no último ano do curso, e perguntou se existe algum modo de superá-la.
Bom, a despeito do tema, confesso que apesar de ter refletido bastante, ainda não encontrei a melhor maneira de trabalhar o assunto – se em formato de crônica, texto crítico, motivacional ou com algum ensinamento no final – mas, independentemente disto, é necessário que o escrito contenha uma percepção da realidade atual.
Sendo assim, é imperioso destacar que a referida percepção não é nem a única, nem a melhor, mas simplesmente, um ponto de vista de um profissional que consegue observar os acontecimentos através de uma perspectiva crítica.
Nesse sentido, gostaria de dizer à Maria Luísa – e aos demais formandos pertencentes às 1,2 mil faculdades de Direito espalhadas pelo país – que há uma crise à vista, e vocês devem estar preparados para isso.
O destoamento entre a prática e o que é aprendido
Explico: a maioria dos acadêmicos passa cinco anos numa Instituição de Ensino Superior aprendendo um modelo de aplicação do Direito que, por vezes, destoa daquilo que é realizado na prática. Lembro-me, por exemplo, de uma determinada ocasião, em que fui procurado por um cidadão para acompanhá-lo numa audiência horas antes da realização da mesma e, ao me dirigir ao cartório no intuito de analisar os autos e me familiarizar com o caso, fui impedido por um servidor nesse desiderato – em flagrante desrespeito ao inciso XIII do art.7º da Lei 8.906/94 –. Ao questioná-lo sobre o porquê da negativa, fui surpreendido com a seguinte frase: “Não sei exatamente o porquê doutor, mas as coisas por aqui sempre foram assim”.
Slavoj Žižek, cientista social nascido na antiga Iugoslávia disse certa vez que: “o indivíduo submetido à ideologia nunca pode dizer por si mesmo estou na ideologia.”[1] Por outras palavras, seria dizer que para aquele submetido a uma ideologia, seja ela política, econômica, social, religiosa ou jurídica, que as coisas são assim, porque sempre foram assim. Aliás, quanto a este aspecto, Lenio Streck fez autêntica crítica. Foi através da alegoria do hermeneuta que o jurista gaúcho retratou – com bastante propriedade aliás – a forma como se propaga o senso comum teórico na sociedade.
Em linha gerais, ele diz mais ou menos o seguinte:
[…] um hermeneuta chega a uma ilha e lá constata que as pessoas cortam (desprezam) a cabeça e o rabo dos peixes, mesmo diante da escassez de alimentos. Intrigado, o visitante passa a buscar as raízes desse mito. Descobriu finalmente que, no início do povoamento da ilhota, os peixes eram grandes e abundantes, não cabendo nas frigideiras. Consequentemente, cortavam a cabeça e o rabo… Hoje, mesmo que os peixes sejam menores que as panelas, ainda assim continuam a cortar a cabeça e o rabo. Perguntando a um dos moradores sobre o porquê de assim agirem, ouviu: “Não sei… mas as coisas sempre foram assim por aqui”!. Eis o senso comum.[2]
Como podem ver, o senso comum é como o óbvio: se esconde, dissimula. Além disso, ele é ladino, safado,[3] para não dizer cruel com o estudante recém formado.
A preocupação com o futuro profissional e a vontade de mudança
Mas, volto. O que os bacharéis em Direito devem esperar do futuro profissional? Bom, escrevi na última semana um texto que fala sobre o amor ao Direito – ou melhor, sobre a falta de romantismo pela Ciência Jurídica – e parece que foram poucos os que realmente assimilaram a crítica. Vejo, perceptivelmente, acadêmicos e bacharéis preocuparem-se com o futuro profissional sem, no entanto, fazerem alguma coisa para mudarem a realidade (jurídica) posta à vista.
Será que já não está na hora de mudar? Digo isso porque parece que parcela considerável da comunidade jurídica se entregou ao fatalismo, isto é, passou a aceitar a ideia de que todos os acontecimentos são fixados com antecedência pelo destino, a ponto de dizer coisas como “isso é assim mesmo”.[4]
E cá entre nós, essa sim, é uma triste notícia.
Foi então que percebi que não adiantava escrever algo sobre o futuro sem, necessariamente, tecer essas rápidas considerações sobre o presente.
Assim, quero pedir desculpas à Maria Luísa – e aos demais formandos pertencentes às 1,2 mil faculdades de Direito espalhadas pelo país.
E assim termino a presente coluna, com um trecho musical sobre tudo que eu disse e eventualmente esqueci de mencionar:
“Veja a nossa vida como está.
Mas eu sei que um dia a gente aprende.
Se você quiser alguém em quem confiar,
Confie em si mesmo.
Quem acredita sempre alcança.”[5]
Notas e referências bibliográficas:
[1] Cf. ZIZEK, Slavoj. Eles não sabem o que fazem. O sublime objeto da ideologia. Zahar, 1992, p.122.
[2] STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do Direito. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2014, p.09.
[3] Ibidem, p.14.
[4] STRECK, Lenio Luiz. Senso incomum – O que querem estudantes e advogados de Pindorama? Ao menos sabem?. Revista Digital Consultor Jurídico, Brasília, 24 jan. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-16/senso-incomum-estudantes-advogados-pindorama-sabem>. Acesso em: 20 set. 2016.
[5] VENTURINI, Flávio; RUSSO, Renato. Mais Uma Vez. In: Renato Russo. Presente. Rio de Janeiro: EMI Records, 2003. 1 CD. Faixa 1.