Impeachment: a vida sempre continua

 Créditos: Juca Varella/Agência Brasil


Créditos: Juca Varella/Agência Brasil

Falsa democracia

Quando estudava sobre a história nem tão recente do Brasil: suicídio de Getúlio Vargas, campanha da legalidade, golpe militar, eu sempre pensava se seria possível seguir a vida normal, pagar contas, ir trabalhar, levar os filhos à escola, enquanto a democracia ruía. Hoje, tenho a resposta. É possível. É mesmo inevitável. A vida sempre continua. Nossos compromissos cotidianos, por vezes pequenos e sem importância, devem continuar sendo honrados.

Enquanto isso, sob o manto de uma falsa democracia, um verdadeiro circo arma-se em Brasília. O desvio de discurso, de tão facilmente identificável, vem sendo apontado pela mídia como uma polarização na linha do que ocorre no futebol: quem está contra o impeachment x quem está a favor, com direito a xingamentos, sobretudo por meio do uso de recursos virtuais como o facebook.

Uma pena, porque o que estamos discutindo em realidade é a falência de um modelo de Estado, que já vem dando sinais de esgotamento há muito tempo.

Trocar A por B certamente não implicará mudanças no caminho de uma realidade mais democrática e inclusiva. Não implicará mudanças na política econômica predatória que vem sendo praticada, especialmente em relação aos direitos sociais.

 

Créditos: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Créditos: Marcelo Camargo / Agência Brasil

A decisão dos próximos dias

A decisão a ser tomada nos próximos dias, portanto, não promoverá as mudanças reivindicadas nas ruas. Moralidade, combate à corrupção, decência na gestão da coisa pública, respeito aos direitos sociais. Nada disso será obtido com o passe de mágica da troca do governante.

Entretanto, é preciso estar alerta, porque admitir, como a mídia e os parlamentares aliás, já vem admitindo em seus pronunciamentos, que é preciso afastar a presidenta eleita porque não há condições de governabilidade, mesmo que nenhum crime de responsabilidade tenha sido cometido, implica abrir uma verdadeira caixa de pandora, em que nenhuma garantia constitucional poderá ser assegurada.

Se estamos descontentes com a política que vem sendo adotada, que haja articulação eficiente, para que nas próximas eleições candidatos melhores se apresentem para o cargo. A pantomina do impeachment tem servido apenas para aguçar tudo que há de reprovável em termos de política partidária: a troca de votos por favores; os conchavos e a repressão àqueles que pensam diferente. A vida continua e continuará depois de concluído o processo de impeachment, independentemente de seu resultado.

E nós? O que faremos com o saldo desse processo de desintegração política e desvelamento da face exaurida de um Estado que talvez precise se reinventar?

 

Valdete Souto SeveroValdete Souto Severo é Articulista do Estado de Direito – Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Professora, Coordenadora e Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região. Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC do RS. Especialista em Processo Civil pela UNISINOS. Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela UNISC, Master em Direito do Trabalho, Direito Sindical e Previdência Social, pela Universidade Europeia de Roma – UER (Itália). Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade da República do Uruguai.
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