Aborto do microcéfalo: sancionamento penal

zika

O zika vírus e a microcefalia

A difusão do “zika vírus” é preocupação de toda a comunidade nacional e internacional. Ocorre a transmissão por meio da picada do mosquito “Aedes aegypti”, da dengue. Os sintomas são febre, coceira, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, dor no corpo e nas juntas e manchas vermelhas pelo corpo. Existe, pelas pesquisas promovidas, relação entre infecção por “zika” na gravidez e malformações neurológicas, tais como a microcefalia.

A microcefalia é definida como qualidade do microcéfalo, ou seja, aquele que tem cabeça muito pequena, a qual, com frequência, é acompanhada de deficiência mental (Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4 ed. Curitiba: Editora Positivo, 2009, p. 1326).

Em tempos passados, era uma dádiva o nascimento de um bebê sadio. Todos davam graças a deuses. Repudiava-se, em algumas sociedades, a vinda de uma criança com alguma anomalia. Em outras, até mesmo, sacrificava-se o recém-nascido, pois tinha aparência de um “monstro”. Mal sabiam que a anomalia poderia ser emocional ou psíquica, mesmo com aspecto físico saudável.

Com o passar dos séculos, conseguiu-se constatar algumas irregularidades e doenças nas crianças. Isso se deve ao progresso científico e tecnológico obtido na medicina. Começou-se a realizar também o diagnóstico pré-implantacional, antes de se colocar o embrião no útero, na reprodução assistida.

Questões bioéticas começaram a ser estudas: eliminação do embrião pré-implantatório; congelamento de gametas e de embriões; cessão temporária de útero (“barriga de aluguel”); eliminação de embriões após alguns anos, mesmo sem o consentimento dos “pais”, dentre outros.

O medo da microcefalia X Aborto

Agora, especificamente no Brasil, vêm-se muitas pessoas com angústias, dúvidas e temores.

Alguns casais estão postergando a gravidez para evitar os males da microcefalia. Para alguns, não haverá mais possibilidade de reprodução, com ou sem auxílio de profissional próprio.

microcefalia

O problema maior é para quem está grávida e teme contrair a “zika vírus”, com a possível microcefalia.

O questionamento que surge na mente dessas pessoas, se o diagnóstico for positivo para a microcefalia, é se devem abortar ou não o produto da gravidez.

Se um procedimento investigativo é aberto, redundando numa ação penal, os pais poderiam ser condenados pelo aborto do microcéfalo, se optaram por essa intervenção, num primeiro tirocínio.

Existe impedimento legal, no Código Penal, ou seja, no capítulo correspondente aos “crimes contra a vida”, que proíbe o aborto e, para quem interpretar restritivamente seus preceitos, não existe previsão normativa de exclusão da ilicitude.

A maneira mais tolerante de encarar a situação, no entanto, não conduz a mesma resposta. A interpretação não pode ser alheia à realidade.

A vida é intangível, inatingível, todavia, em alguns casos, existem exceções para suprimi-la, na guerra, no aborto sentimental ou terapêutico, em legítima defesa, no estado de necessidade e no exercício regular de um direito, apenas para mencionar algumas hipóteses.

No caso em tela, quanto à sanção aplicável, não iria trazer qualquer ressocialização aplicar a pena privativa da liberdade, duvidosa a recuperação, além disso, a prevenção, primordialmente especial, ficaria esvaziada.

A pessoa que cometeu o aborto do microcéfalo não é um criminoso, delinquente ou violador das regras penais.

Foi acometido de um mal, transmitido para o ser que vai nascer, numa situação inesperada, imprevisível, totalmente fora de controle. Não contribuiu em nada para isso, ao contrário, surpreendeu-se pela repercussão da doença, que mudou completamente sua rotina.

Não deseja beneficiar-se gratuitamente ou causar mal ao feto. Ao contrário, quer resolver uma situação concreta e dar conforto a alguém que poderia sofrer com tratamentos apenas amenizadores e não curadores, e discriminações diversas.

feto na mão

Quer, na verdade, exercitar seu poder familiar na completude. Escolher a melhor opção para si e para a criança. Toda escolha tem um ônus, positivo e/ou negativo, não só neste caso. Concilia os princípios bioéticos da autonomia e da justiça, além de respeitar o ordenamento jurídico.

Enfim, a maternidade e paternidade estão sendo exercitadas com responsabilidade, não com egoísmo ou com mesquinharia. Exigir de quem conviverá com essa criança, se nascer, o dever de ampará-la e arcar com os custos de cuidados variados, além disso, que seja altruísta, desprendida, compromissada, nas circunstâncias retratadas, não parece razoável.

Acrescente-se que as políticas públicas da saúde, principalmente no Nordeste, Região mais afetada, não são das melhores. A pessoa teria de dispender horas e horas de seu dia para cuidar do microcéfalo, com prejuízo à renda familiar e ao equilíbrio, físico-psíquico dela e de toda entidade familiar.

Talvez a discussão a ser realizada seja o barateamento dos custos de transporte, dos tratamentos de saúde mais alcançáveis, a educação escolar mais acessível, do apoio psicológico e psiquiátrico da família gratuita. Isso não está em voga, por enquanto, com intensidade, mas deveria.

saúde

É paliativo dizer que o microcéfalo deve nascer e ter assistência dos pais, apoio dos parentes e deixar o poder público ao lado da questão. O Estado, nas esferas municipal, estadual e federal, mais que qualquer outro, tem o dever de garantir a saúde para todos. De zelar pelo cuidado da população.

No momento que se convive com outro ser vivo deve-se ter compaixão, solidariedade, comprometimento com seus sentimentos, respeito, isso tudo deve ser levado em conta antes de um apontamento recheado por críticas.

 

Conclusão

As ideias colocadas são reflexivas. Todas elas convergem para a afirmação de que escolher uma sanção penal para quem opta pelo aborto do microcéfalo é desumano e despropositado, significa torturar alguém por optar em dar uma solução mais próxima do aceitável para sua vida, que também deve ser digna.

 

Edison Tetsuzo NambaEdison Tetsuzo Namba é Articulista do Estado de Direito –  Juiz de Direito em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Docente Assistente da Área Criminal do Curso de Inicial Funcional da Escola Paulista da Magistratura – EPM (Concursos 177º, 178º, 179º e 180º). Docente Civil da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Comitê Regional Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – São Paulo e no Comitê Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo. Autor do livro Manual de bioética e biodireito, São Paulo: Atlas, 2ª ed. 2015.
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