Estado de Coisas Inconstitucional: uma nova fórmula de atuar do STF

STF

Resumo

O presente estudo tem o objetivo de tratar sobre um instituto novo que caiu de pára-quedas no ordenamento jurídico brasileiro, através de uma ADPF ajuizada no Supremo Tribunal Federal em Setembro de 2015 pelo partido político PSOL.

Palavras chave: Estado de Coisas Inconstitucional

 

Introdução

No fim da década de 90 surgiu o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional, no qual tratou da crise que o sistema prisional colombiano passava e que afetava a estigmatizada população carcerária daquela localidade, passando a ser declarado quando o Estado através de seus poderes violasse demasiadamente Direitos tidos como fundamentais e não viabilizasse sua concretude.

Mas o Brasil só veio a recepcionar tal instituto, apenas no ano passado, tendo em vista também em razão de uma verdadeira e horrível estrutura das carceragens brasileiras, mas que tal tese pode chegar a tutelar também outras problemáticas como a violação dos Direitos Fundamentais Sociais como à saúde, alimentação, educação, segurança, entre outras questões sensíveis da Constituição Federal.

 

1. Evolução Histórica

 O Estado de Coisas Inconstitucionais  surgiu no ano de 1997 com a Sentencia de Unificación prolatada pela Corte Constitucional Colombiana, quando 45 professores das cidades de Zambrano e Maria La Baja, tiveram direitos previdenciários que era inerente à entidade de classe dos docentes, pelas autoridades daquela localidade, então com isso a Corte Constitucional Colombiana passou a investigar o caso e chegou à conclusão que havia omissões estruturais e problemas generalizados que maculava direitos humanos, do qual se elencava aquele pleiteado pelos 45 professores, só que, as omissões do Poder público não abrangiam apenas estes professores específicos, mas sim toda a classe. (CAMPOS, 2016)

Com a publicação da SU – Sentencia de Unificación 559/1997 a Corte Constitucional Colombiana, reconheceu pela primeira vez o Estado de Coisas Inconstitucional, enviando cópias da mesma para vários órgãos vinculados aos Poderes Políticos envolvidos em tal violação massiva de direitos humanos.

bandeira da Colômbia

Após este caso, a Corte Constitucional Colombiana analisou e julgou a questão do problema do Sistema Carcerário, que era um caos e violava os direitos humanos daquela comunidade, no qual na Sentencia de Tutela 153/98 foi reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucionais, bem como, a problemática do deslocamento forçado de pessoas (desplazados), que se tratava de migrações de pessoas dentro do território colombiano, devido questões de ameaças e perigo de vida destes indivíduos transportados pelo Estado, por parte dos terroristas das Farcs e outros conflitos armados, no qual a Sentencia de Tutela 025/2004 reconheceu também o Estado de Coisas Inconstitucional nesta espécie de migração.

Atualmente países como a Argentina, Estados Unidos, Índia, África do Sul e Canadá (MALDONADO, 2013: 129-159) adotam tal tese, e o Brasil na seção plenária do Supremo Tribunal Federal de 09/09/2015, em apreciação a Cautelar na ADPF nº 347/DF impetrada pelo PSOL face a crise do Sistema Penitenciário brasileiro, foi reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional aqui no Brasil, no qual o STF de plano julgou em sede de liminar

I – proibição do Poder Executivo de contingenciar os valores disponível no Fundo Penitenciário Nacional, determinando que a União  libere  este  saldo  acumulado para atender a sua finalidade;

II –realizar audiências de custódia para viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária, num prazo de até 24 horas da prisão.(JUNIOR, 2016)

Tal decisão causou bastante preocupação doutrinária, haja vista aqueles mais conservadores ser contra e tachar como um grande caos da atuação do Poder Judiciário via STF, e que pode chegar a declarar a inconstitucionalidade da Constituição Federal vigente, e por falta de atuação dos Tribunais, o STF fecharia estes; poderia decretar a inconstitucionalidade do Congresso e fechá-lo.

brasil

Conforme os argumentos supracitados, por ser o Brasil um país de conchavo político daqui e propinas acolá, devido a corrupção imperar perante boa parte dos parlamentares, passaram os ortodoxos a pensar além, no que pode acontecer caso esta tese constitucionalista venha
ganhar corpo e produzir efeitos, mas na verdade os direitos calcados na Constituição vigente, não são garantidos pelos Poderes Público, tais como:  dignidade da pessoa humana, direito a saúde, educação, segurança, alimentação, ordem tributária, etc.

 

2. Distinção entre Judicialização da Política, Ativismo Judicial e Estado das Coisas Inconstitucional

Judicialização da Política é um instituto de origem norte-americana, nascido com a política the global expansion of judicial Power (LIMA, 2007: 224) elaborada por Tate e Vallinder, ocorrendo quando o Judiciário analisa uma questão de natureza política, prevista na Constituição Federal e que lhe é levado para apreciação por intermédio de um indivíduo, mediante uma demanda por este ajuizada, devido ter um Direito Fundamental seu lesado pelo Poder Público.

Nesta mesma senda se posiciona o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso:

Luiz Roberto Barroso

Ministro Luiz Roberto Barroso

 A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. (BARROSO, 2015)

Agora sobre o Ativismo Judicial que se reporta num atuar proativo do Poder Judiciário em face de questões políticas, sem ter sido provocado, conceituou doutrinador pátrio em Seminário realizado pela OAB como:

Uma forma de interpretação constitucional criativa, que pode chegar até a constitucionalização de direitos, pelo que se pode dizer que se trata de uma forma especial de interpretação também construtiva (…) onde não há decisão política, é preciso resolver o problema; mais que isso, onde haja um direito fundamental e de sua maioria, o Judiciário precisa intervir. (SILVA, 2014)

No Ativismo Judicial o Judiciário intervém construindo, elaborando uma fórmula de se concretizar direitos fundamentais, no qual deveria ser garantido pelo Poder Executivo, ou pelo Legislativo, mas por estes serem omissos ou por alegarem insuficiência de recursos embasados na malfadada tese da reserva do possível, não os tornam viáveis a sociedade, como ocorre com o direito à saúde, alimentação, moradia, educação, entre outros.

Para o professor Dirley da Cunha Junior só existirá ativismo se houver judicialização da política, uma não anda sem a outra[1], enquanto que, para Luiz Roberto Barroso os dois “são primos, vem da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens” (BARROSO, 2015).

Em suma, ousamos discordar do primeiro e se posicionar conforme o Ministro do STF, haja vista são institutos distintos, pois o Ativismo em regra é dado através do Controle Concentrado de Constitucionalidade e a Judicialização da Política por meio do Controle Difuso, aonde um leva ao Judiciário uma questão política sobre direito fundamental subjetivo violado e só resta ao Judiciário solucionar este conflito, enquanto o outro é um atuar proativo do Judiciário que exorbita de seu mister.

ativismo

Sobre o Estado de Coisas Inconstitucional, uns falam que é uma tese nova recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal, outros dizem que é um ativismo camuflado ou um ativismo estrutural, bem como, também já foi apelidado de “uma nova onda de verão” (MARMEISTEIN, 2015), e assim trazemos a baila algumas definições por parte da doutrina que domina a matéria.

Para o jurista Lenio Luiz Streck “o Estado de Coisas Inconstitucional é um ativismo camuflado, sendo o nome da tese tão abrangente que é difícil combatê-la”, (STRECK, 2015) e para o doutor Cláudio Campos “é um ativismo estrutural, visando superar bloqueios políticos e institucionais.” (CAMPOS, 2015)

Visto as definições acima mencionadas, vislumbra-se que todos são distintos, mas o Estado de Coisas Inconstitucional é uma espécie do gênero Ativismo Judicial, do qual o Poder Judiciário (STF) passa através de uma decisão de sua lavra, a exigir um comportamento positivo, uma ação, do Executivo ou Legislativo, no condão de concretizar Direitos Fundamentais massivamente violados por omissões reiteradas destes poderes, e assim, evite-se abarrotamento do Judiciário com demandas individuais.

É o Estado das Coisas Inconstitucional uma espécie de senha (STRECK, 2015) de acesso da Corte brasileira a tutela estrutural no afã de solucionar o problema institucional deflagrado acima.

 

3. A Tutela estrutural

Tutela estrutural se entende como, aquela que se busca no Estado de Coisas Inconstitucional perante o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o que se pleiteia é uma proteção da Constituição e seus valores, através de uma sentença estrutural.

Esta decisão estrutural no Estado de Coisas Inconstitucional, visa trazer soluções, um melhor desenvolvimento, bem como impor aos Poderes Executivo e Legislativo a elaboração de políticas públicas e seu implemento, elaboração de projetos leis para que direitos possam ser garantidos, sob o acompanhamento e fiscalização deste órgão de cúpula máxima da jurisdição.

supremo tribunal federal

In caso, buscará o Supremo Tribunal Federal, não penetrar como uma flecha na estrutura e atuação dos outros dois poderes, mesmo impondo na sentença estrutural as coisas que podem ser modificadas por causa do Estado de Coisas Inconstitucional, mas sim tentar auxiliá-lo através de fiscalização, audiências públicas e incentivos, para que o problema social, institucional e político possa ser revertido e tais direitos violentamente violados por omissão destes poderes possam ser respeitados e concretizados, e tal posicionamento do guardião da Constituição Federal não afetará a Separação dos Poderes, haja vista, a doutrina atual (BARROSO, 2015); (JUNIOR, 2011); (NUNES JUNIOR, 2009) e mais flexível que os ortodoxos (DE GIORGI, 2015); (RAMOS, 2010), entender que estes poderes devem ser harmônicos e não separados, devendo um auxiliar o outro e apontar o dedo quando ocorrer algum desvio de sua conduta no afã de correção e não de exurpação.

Em suma, a Tutela estrutural através de sua sentença estrutural, tem o condão de ceifar a violação massiva de direitos fundamentais que afetam a sociedade ou um grupo da coletividade por omissão dos que são competentes, impor a um poder político e seus órgãos que tomem medidas para solucionar tais problemas por eles causados e diminuir o número de demandas individuais no Poder Judiciário, pois o Estado de Coisas Inconstitucional tem eficácia erga omnes.

 

4. Considerações Finais

O Estado de Coisas Inconstitucional mesmo sendo um instituto novo, com quase vinte anos de idade, no Brasil é uma tese nova, que foi abordada recentemente pelo jurista Daniel Sarmento na petição da ADPF nº 347/DF do Partido Político PSOL-Partido Socialismo e Liberdade x União, no qual bem abordou em relação ao falacioso Sistema Penitenciário do Brasil, os requisitos essenciais para a caracterização do instituto em tela comentado, e este, ou seja, o Estado de Coisas Inconstitucional foi reconhecido em decisão liminar em sede de Cautelar na ADPF supracitada, trazendo a tona uma nova formula de atuar do STF.

 

Referências

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo e Legitimidade Democrática. Artigo publicado em pdf. Acesso em 28.12.2015

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Jota Mundo: Estado de Coisas Inconstitucional. Artigo publicado in: http://jota.info/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional acesso em 03.01.2016

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do Ativismo Judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 314-322

DE GIORGI, Raffaele; FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO, Celso. Estado de Coisas Inconstitucional. Artigo publicado in: Estadão em 19.09.2015, http://opiniao.estadao.com.br/estado-de-coisas-inconstitucional,10000000043 acesso em 01.01.2016

JUNIOR, Dirley da Cunha. Estado de Coisas Inconstitucional. Artigo publicado in: http://brasiljuridico.com.br/artigos/estado-de-coisas-inconstitucional acesso em 03.01.2016

JÚNIOR, Osvaldo Canela. Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2011

LIMA, Flávia Danielle Santiago. Da judicialização da Política no Brasil após a Constituição de 1988: Linhas gerais sobre o debate; in: Estudantes Caderno Acadêmico. Edição comemorativa. Recife: Editora Nossa Livraria, 2007

MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitutionalism of the Global South. The Activist Tribunals of India, South Africa and Colombia. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 129-159

 

MARMEISTEIN, George. O Estado de Coisas Inconstitucional – ECI: apenas uma nova onda do verão constitucional? Artigo publicado in: http://direitosfundamentais.net/2015/10/02/o-estado-de-coisas-inconstitucional-eci-apenas-uma-nova-onda-do-verao-constitucional/ acesso em 03.01.2016

NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988 – Estrategias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009

Ordem dos Advogados do Brasil, http://www.oab.org.br/noticia/25758/jose-afonso-da-silva-aborda-o-ativismo-judicial-em-seminario-da-oab acesso em 29.12.2015

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010

STRECK, Lenio Luiz. Estado de Coisas Inconstitucional é uma nova forma de Ativismo. Artigo publicado in: http://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estado-coisas-inconstitucional-forma-ativismo acesso em 02.01.2016

 

 

Andrey StephanoAndrey Stephano Silva de Arruda é Articulista do Estado de Direito –  graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade ASCES em
Caruaru/PE, Advogado inscrito na OAB/PE, Escritor.

 

[1] Definição abordada no V Congresso Internacional de Direito Processual.  Uninassau, Recife, 2015

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