Para quem não me conhece, sou professor de Direito Empresarial, Civil e do Consumidor (a ordem é de chegada das matérias na minha vida). Já para aqueles que me conhecem, sabem que eu nutro um amor platônico, quase não correspondido, pelo Direito Constitucional (no Direito, assim como na vida, muitos amores são impossíveis).
A “culpa” é das lições do Prof. Luís Roberto Barroso (que fique bem claro que esse meu amor se resume aos seus ensinamentos). Por conta disso, dedico sempre uma parte do meu tempo ao estudo da matéria, e acabo me atrevendo e escrevendo, neste espaço, sobre assuntos ligados a esse que é, sem sombra de dúvida, o mais importante ramo do Direito.
E diante do presente cenário político, e também se levando em conta que o Direito e a Política acabam se misturando, ante a ampla constitucionalização de questões que deveriam estar reservadas ao espaço das discussões majoritárias do Legislativo, nada mais interessante do que falar sobre o impeachment.
Entendendo como funciona um processo de Impeachment
O impeachment é a sanção aplicável aos detentores de altos cargos públicos (Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado em condutas conexas com aquelas praticadas pelo Presidente, os Ministros do STF, dentre outros) que cometerem crimes de responsabilidade, isto é, infrações político-administrativas, de caráter político-constitucional e não criminal, no exercício de suas funções.
O art. 85 da Constituição prevê exemplificativamente as hipóteses em que pode ser instaurado o processo para apuração dos crimes de responsabilidade que sujeitarão a autoridade ao impeachment, de modo que todo e qualquer ato atentatório à Constituição Federal e que se assemelhe àqueles previstos na Carta são passíveis de sujeitar os responsáveis às penas previstas.
Note-se que, embora o rol da Constituição seja meramente exemplificativo, para que seja possível a aplicação da pena é preciso que a infração esteja prevista em lei. Quanto ao Presidente e Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e outros, os crimes de responsabilidade estão regulados na Lei no 1.079/50.
As infrações político-administrativas que levam ao impeachment são, basicamente, condutas praticadas no exercício da função que atentem contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do país, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
O julgamento dos crimes compete ao Senado Federal – art. 86 da Carta Política –, com um juízo prévio de admissibilidade da Câmara dos Deputados, em estrita observância ao sistema de freios e contrapesos, em que cada Poder se fiscaliza mutuamente.
A atribuição de responsabilidade do processo de julgamento
A grande questão, entretanto, é se o julgamento feito pelo Legislativo é técnico ou político, ou seja, faz-se necessário apurar e comprovar a prática dos atos, ou forças políticas são suficientes para levar à “condenação” e à aplicação da sanção? Vamos examinar a questão sob a ótica do Presidente da República.
Tecnicamente, embora seja um instituto de natureza política, o julgamento que pode levar ao impeachment deve ser técnico, inclusive possibilitando ao Presidente o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório.
O processo se inicia com a apresentação de uma acusação, por qualquer cidadão, na Câmara dos Deputados que, uma vez declarando-a procedente (aqui o critério adotado é político, onde a Câmara decidirá sobre a conveniência, ou não, da manutenção do Presidente no poder), autoriza a abertura do processo para julgamento no Senado Federal, onde se apurará a prática do crime de responsabilidade, de modo técnico, sem se admitir discricionariedade política.
Há que se observar que, uma vez admitida a acusação pela Câmara, na qual também o Presidente tem direito à observância do devido processo legal, com o contraditório e ampla defesa, a autoridade é afastada das suas funções, de modo a não poder exercê-las.
Esse afastamento será definitivo, caso o Senado Federal condene o Presidente, ou temporário, quando o órgão de representatividade dos Estados não concluir o processo em 180 dias, caso em que o Presidente retoma suas funções, sem prejuízo da continuidade do procedimento.
Curioso, nesse caso, é que após o transcurso de todas as etapas procedimentais, o libelo acusatório elaborado pelo Senado é remetido ao Presidente do STF, que presidirá o julgamento no Senado, submetendo à votação dos senadores, cuja sentença se dará através de uma Resolução do órgão legislativo.
Assim, então, se dá a destituição de um Presidente da República de seu cargo.
Essas breves linhas têm como objetivo, da forma mais simples possível, explicitar o que é, e como se dá, o impeachment.
Um processo que exige transparência
E isso porque a realidade política atual de nosso país é crítica. Mas, ela só existe por conta da democracia e da liberdade dos Poderes, dos órgãos de investigação e da imprensa. Já vivemos tempos mais difíceis, em que tudo acontecia à sombra, sem que ninguém soubesse. Mas nem por isso podemos dizer que os tempos atuais bons.
E tudo isso é fruto da forma como esse país é governado. Do mesmo jeito, há mais de 500 anos. O interesse particular sempre se sobrepôs ao privado. Por isso, muitas vezes me questiono se é relevante, de fato, discutir se ainda subsiste o princípio da supremacia do interesse público. E isso porque, na vida real, ele jamais existiu.
Também já vivenciamos, em tempos anteriores, o impeachment de um Presidente. Curiosamente, do primeiro eleito diretamente pelo povo após o período da ditadura. E parece que, ainda assim, os governantes não aprenderam o caminho certo. Naquele momento, tudo se iniciou com a compra de um veículo FIAT Elba para uso pessoal do então Presidente, cujo dinheiro adveio de contas fantasma de seu tesoureiro de campanha.
Considerações finais
Hoje, além das dificuldades econômicas, a faísca que acendeu o pavio da dinamite é o maior escândalo de corrupção já visto, o Petrolão, sob as barbas de todas as autoridades, envolvendo os nomes daqueles que, em verdade, deveriam agir no interesse do povo.
O que mais entristece, em toda esta história, é saber que enquanto poucos enriquecem ilicitamente, milhares de inocentes morrem nas portas de hospitais, sofrem em filas astronômicas para embarcar em um veículo de transporte público, ou são vítimas de violência nas ruas pela falta de segurança pública.
Não há falta de dinheiro. O que há é a malversação dos recursos. E no final, quem paga a conta é o próprio povo, com o acréscimo e criação de novos tributos. É a inversão de todos os valores e interesses que levam ao caos.
O processo de impeachment da atual presidente se avizinha. O final? Não sabemos. Por mais técnico que deva ser o julgamento, no final das contas o que conta são as movimentações políticas. E não há hora melhor do que esta para a prevalência do interesse público.
Thiago Ferreira Cardoso Neves é professor da EMERJ e sócio do escritório Sylvio Capanema de Souza Advogados Associados.