Não sei quantos escutam a Rádio USP aqui em São Paulo, e no Brasil, mas eu sou um deles. No USP Notícias, das 7hs às 8hs, sempre tem entrevista com algum professor e educador. Estes dias um professor discutia em que termos a educação básica e o ensino médio precisam de um “choque de gestão”, ou, por outro lado, um “choque de moralidade”. Bem, o professor se referia à educação em São Paulo, pasmem, onde o Secretário da Educação é um Engenheiro Mecânico! Os professores estão em greve há meses por todo o país! Em São Paulo estão acampados na frente da secretaria da educação há meses e não conseguem ser atendidos. Não vou me deter muito sobre este fato, até porque todos sabemos como a educação tem sido tratada pelos nossos governantes, em São Paulo, no Paraná, pelo Brasil, não bastassem as condições míseras e vexatórias a que os professores são submetidos em seu digníssimo trabalho, ainda são tratados com a máxima violência policial e mortos. Do ponto de vista da gestão pública não é uma novidade que a “biopolítica” (FOUCAULT) procure soluções em uma pedagogia mecanizada, tecnoburocrata, um padrão e modelo que a gestão educacional governamental conhece pelo “ótimo de Pareto”: o máximo resultado possível com o menor dispêndio possível de recursos.
Na sociologia americana isso foi implementado na conhecida Escola de Chicago, um desastre e um desânimo para os sociólogos sérios e comprometidos, porque o mundo das relações sociais fica restrito a números, a estatísticas, pior, aos mecanismos biopolíticos de controle disciplinar das massas, preconizados pelos Estados modernos e pós-modernos. O “ótimo de Pareto” também chegou às universidades e aos cursos de direito! A começar pela ideia estatal preconizada por muitos: “a máxima justiça possível com o mínimo possível de recursos”. Eu só não sei se os “engenheiros” da educação e do direito sabem que Pareto apenas colocou na matemática o que a filosofia política já havia preconizado na passagem do século XVIII para o XIX pelos utilitaristas (Bentham, Mill, Hume).
Possivelmente, não por acaso, têm caído questões sobre os utilitaristas nos últimos exames da OAB (Exame da Ordem XIV). Para Jeremy BENTHAM (questão 11 do referido Exame), por exemplo, a máxima ética do governante a dirigir a estética do Estado, seria “(…) aproximadamente como aquela que encerra a maior felicidade possível para a maior quantidade possível de pessoas”, segundo Wilhelm DILTHEY (Sistema de Ética, 1994: 38). Vilfredo Pareto viveu de 1848 a 1923, e é mais conhecido pelo famoso gráfico onde 20% de causas são responsáveis por 80% de consequências. Aplique isso à gestão pública e verão o estrago que isto provoca! No direito conhecemos essa utilidade, pelos porta-vozes das políticas educacionais jurídicas, como “reserva do possível” – filosoficamente o famigerado “mínimo existencial”. Famigerado porque não se entende o “mínimo” na ótica, por exemplo, de ROUSSEAU, o mínimo igual para todos viverem com dignidade e desenvolverem em condições isonômicas as suas potencialidades intelectuais. Porque, estou cada vez mais convicto, que a “diferença” e a “desigualdade” de cada pessoa só será conquistada se cada indivíduo for respeitado como cidadão, quer dizer “igual” ao outrem. Já pensaram se um professor entrar na sala de aula e acreditar que seus alunos são irreversível e inelutavelmente “desiguais” em condições de aprenderem e quererem aprender?! Olhemos a frase de Bentham com atenção: concluímos que “apenas alguns” alcançarão “algum” quantum de felicidade, logo a felicidade, o bem estar, a dignidade e o desenvolvimento das potencialidades humanas não é para todos os humanos! Me faz pensar sobre o senador Cristovam Buarque que no Congresso Nacional sugeria emendar a Constituição Federal com o “direito à felicidade” como garantia fundamental de todos os brasileiros!
Nossa educação seguiu modernamente as diretrizes curriculares e pedagógicas estadunidenses em detrimento de uma pedagogia crítica e formadora de um cidadão consciente e livre (PAULO FREIRE) – nosso ministro da educação assim anuiu em entrevista recente quando comparava o ensino universitário nos EUA e na França. De forma correlata, o direito brasileiro abandonou o ideal moral de justiça, preferindo as leis e os códigos a serviço dos que podem pagar por sua hermenêutica, ao invés da ética em favor de um “direito pedestre” (SARAMAGO). Olhe-se para as matrizes curriculares dos cursos de direito no país, para os planos pedagógicos dos cursos jurídicos, e veja-se a relevância que se dá às disciplinas chamadas de “propedêuticas”. Pergunte-se a um aluno do 10º semestre de um curso de graduação de direito o que é o Código Visigótico (desta vez vou ficar só na História do Direito!)?! Mas, ao que parece isso não é importante, nada disso é interessante, nada disso renumera o esforço do aluno, de sua família e vai ao encontro dos interesses da sociedade brasileira! E pensar naquela maravilhosa introdução do professor José Humberto PIERANGELI (Processo Penal – Evolução Histórica e Fontes Legislativas). Um país sem história é um país eternamente sem caráter! Um direito sem história é efetivamente um direito que pratica a desigualdade!
A antiga PEC 1/2010 que tratava sobre o exame da OAB, foi arquivada em 18/03/2015. O problema agora é o Projeto de Lei 7.116/2014 (este institui os “paralegais” – bacharel que sem OAB pode advogar por 3 anos), e que foi desarquivado pelo deputado Eduardo Cunha e tem como apensado uma propositura do próprio parlamentar (PL. nº 2.154/2011), este sim, pedindo o fim do exame.
O Exame da Ordem dos Advogados não constitui um problema e nem é, em si mesmo, elitista. Elitistas somos nós, a sociedade brasileira que fecha os olhos para a educação fundamental e superior! Fingimos que atendemos aos nossos alunos, mas lhes entregamos um ensino acadêmico sofrível, inadequado e imoral! Imagine então as condições em que os mais necessitados se formarão e a dedicação que se dá aos mesmos? Quem acha o Exame da Ordem elitista deveria saber – se é que não sabe?! – o que acontece em nossas salas de aula. A questão da Inscrição é o de menos, claro, mas serve para distrair. A OAB já possibilita que o aluno seja isento de inscrição; mas o aluno mais pobre dificilmente conseguirá pagar um “cursinho” preparatório para o Exame da Ordem!
A elitização do direito brasileiro começa em sala de aula, da pior forma possível: nivela-se por baixo! Não precisamos de mais “choque de gestão”, precisamos, isso sim, de um “choque de moralidade”!
Em um artigo anterior neste mesmo Jornal – Educação Sentimental, não educação para o PIB -, pensei que uma criança educada para a concorrência desenfreada do mercado dificilmente estenderia a mão a um coleguinha que no pátio da escola caísse se estivesse disputando algo com ele. Fico pensando agora, quando mais experientes e formados, o que os bacharéis farão ao se depararem com a tremenda e vergonhosa desigualdade e pobreza de nosso povo; e entre este povo e os grandes escritórios eles estarão!
Acredito que nenhum de nós gostaria de ser operado por um médico incompetente e sem escrúpulos; entendo que nenhum de nós residiria em uma casa mal construída e cujo engenheiro não sabe fazer contas e medições; acho que nenhum de nós entraria em um avião se soubesse que o comandante e seus auxiliares são relapsos e irresponsáveis; da mesma forma repudiamos um líder espiritual que não acredita no que prega, um professor que não sabe, e se sabe, não tem interesse em ensinar, um magistrado que não prima pela busca “insana” da verdade, um promotor que não esteja convicto das provas contra uma pessoa, um defensor público que não se indigne com o descaso e a maldade que se faz com os pobres, um delegado que não tenha a razoabilidade, o bom senso e a isenção em sua investigação, o advogado que não possua a habilidade e a destreza para a defesa. Em uma palavra, a todos estes profissionais do direito, e os demais, NÃO PODE FALTAR-LHES A ÉTICA! Por isso educar vai muito além da gestão numérica e fria dos resultados e dos “ótimos de Pareto”. Para não dizerem que só falei das flores: o exame da Ordem também deveria avaliar o caráter e a ética do seu futuro associado!