Publicado na 46 edição do Jornal Estado de Direito.
Renata Maria G.S.L. Esmeraldi
Escreveu o livro Planos de Saúde no Brasil, publicado pela Saraiva, junto com o autor José Fernando da Silva Lopes
A Lei nº 9.656/98 (LPS) que constitui verdadeiro código de proteção do consumidor de serviços assistenciais de saúde obriga que seus específicos contratos antes de postos à comercialização (art. 9º, II), após a vigência desta lei, sejam registrados – entenda-se examinados e aprovados – perante a Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia instituída por lei (Lei nº 9.961/2000) como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde (art. 1º).
Essa obrigação legal é necessária e justificável. A existência de contrato assistencial de saúde e de seu prévio registro significa e garante ao consumidor a aquisição de contratação com teor previamente examinado e aprovado pelo ente regulador de modo a se evitar que da pactuação se observe cláusula cujo conteúdo pudesse prejudicar ou amesquinhar quaisquer direitos inerentes à cobertura assistencial contratada. Aliás constituiria rematado e supino absurdo que a Agência Nacional de Saúde Suplementar, instituída para proteger o consumidor de serviços de saúde, frustrasse sua missão de regulação, controle e fiscalização e deferisse registro de contrato em cujo bojo estivesse alojada cláusula ou cláusulas abusivas dotadas de aptidão para prejudicá-lo.
Sem dúvida, essa premissa parece certa e correta para agregar aos contratos assistenciais de saúde a presunção de regularidade e validade de suas cláusulas pelo só fato de seu regular registro. Certamente aqui e acolá poderá aflorar – o erro humano não deve mas pode ocorrer – alguma controvérsia em torno de cláusula contratual defeituosamente redigida que possa frustrar algum ponto ou aspecto da cobertura contratual. Mas isto seria situação muito rara e excepcional, facilmente superável diante das demais disposições contratuais que disciplinam as normas gerais das coberturas contratadas, em princípio, pois, dispensável invocação de disposição estranha à lei específica (LPS) e às cláusulas do próprio contrato.
Portanto nesses contratos nada justifica ilegal e pernicioso desvio de enfoque e inaplicação dos dispositivos legais positivados no corpo da LPS para invocação de regras e disposições que a eles são estranhas trazendo a campo o Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei nº 8.078/90) para confrontar cláusulas de contrato assistencial registrado à luz das chamadas praticas abusivas (art. 39) e bem como trazendo à aplicação de cláusulas gerais do Código Civil em detrimento de regras claras e explícitas disciplinadas na LPS que justificadamente limitam a cobertura assistencial bem como positivam, por exemplo, a aplicação subsidiária das regras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor para solução de controvérsias que tenham assento e origem nos contratos registrados perante a Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei nº 9.656/98, art. 35-G).
Observe-se para perfeita diferenciação que paralelamente aos contratos celebrados no regime da Lei nº 9.656/98 (LPS) ainda remanescem e podem estar em plena vigência milhares de outros contratos que a ela são anteriores e que, de ordinário, não sofrem sua incidência tanto por óbvio quanto por explícita manifestação do Supremo Tribunal Federal (ADIn 1931-8). Nesses contratos antigos, sempre respeitado o teor da respectiva contratação e a extensão da cobertura neles contratada não há, em princípio, qualquer presunção de validade que possa ser invocada eis que não se tratam de contratos registrados perante a ANS cabendo, aqui sim, a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e de suas regras (Lei nº 8.078/, art. 39 e art. 51), observada na solução da controvérsia a boa fé e o equilíbrio contratual (Lei nº 8.078/90, art. 4º,
III). Podemos anotar, por fim, que existem contratos diferentes entre si, assentados em diferente regulamentação, cabendo a análise de suas premissas e conteúdo, sempre, a luz da boa hermenêutica.