Em decisão válida para todo o País, STJ julgará se é nula a cláusula que obriga o consumidor a assumir nova dívida ao fim do contrato. Cobrança chega a ser o dobro do valor do imóvel
O alagoano Ednaldo Nazário da Silva pagou durante 20 anos todas as parcelas de R$ 528 de seu apartamento. Ao quitar a dívida, descobriu que ainda faltava um saldo devedor de R$ 211 mil, que ele deveria pagar por mais 10 anos, em prestações sete vezes maiores (R$ 3.879,29).
Sem condições de pagar o valor, Ednaldo recorreu à Justiça para tentar renegociar a cobrança da Caixa Econômica Federal. Venceu a ação em primeira instância e no TRF-5 (Tribunal Regional Federal da 5ª Região). Mas o banco recorreu da decisão ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Agora, o caso de Ednaldo será julgado como referência para todos os outros que correm no País, por meio de um recurso repetitivo.
Caberá à 2ª Seção do STJ bater o martelo sobre se a cláusula que responsabiliza o consumidor pelo pagamento do saldo residual após quitar o imóvel é nula, nos contratos de financiamento imobiliário feitos pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação), em grande parte operados pela Caixa.
O saldo residual é a correção por juros e outros encargos que o mutuário deve pagar após o término do financiamento, em contratos que não são cobertos pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Esse fundo, extinto em contratos mais recentes, isentava o consumidor de pagar a temida cobrança por meio de uma taxa de 3% o valor do imóvel.
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“Desde 2012, os mutuários que terminam o financiamento estão se deparando com um saldo devedor impagável”, afirma o advogado Anthony Fernandes Oliveira Lima, que representa Ednaldo na ação contra a Caixa.
Se o STJ decidir que a cláusula deve permanecer, os mutuários correm sério risco de perder seus imóveis já quitados, pela incapacidade de pagar a dívida, acredita Oliveira Lima, que diz já ter atendido casos em que a prestação de R$ 300 foi convertida em R$ 19 mil ao fim do contrato. “O mutuário nunca vai conseguir saldar”.
Pode pesar a favor dos consumidores o argumento de que uma cláusula muito onerosa contraria o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o direito à moradia garantido pela Constituição Federal, diz o advogado. “Muitas pessoas não se dão conta de que existirá essa cobrança ao fim do contrato. Se soubessem, nem teriam assinado”.
O STJ ainda não pacificou o entendimento sobre o assunto. Embora haja decisões de instâncias inferiores a favor dos mutuários, a Corte tem se firmado no sentido de que, nos financiamentos pelo SFH, sem a cobertura do FCVS, o saldo residual deverá ser pago pelo comprador.
“Daria para comprar outro apartamento”
Quando a professora Maria de Fátima Souza*, de 51 anos, terminou de pagar seu apartamento de R$ 200 mil, em agosto do ano passado, levou um susto. O saldo residual era de praticamente mais R$ 200 mil. “Daria para comprar outro apartamento”, conta.
Inconformada, ela tentou negociar a dívida com a Caixa, que não abriu mão da cobrança. Procurou então a Associação Nacional dos Mutuários (ANM), por meio da qual entrou com uma ação contra o banco, pedindo para renegociar a dívida. O juiz da 19ª Vara Cível aceitou o pedido de Maria, mas a Caixa ainda pode recorrer.
“Eu não me nego a pagar o saldo residual, desde que seja um valor justo”, diz a professora. No ano passado, a entidade fez cerca de 300 acordos judiciais para reduzir as dívidas de mutuários e obteve algumas liminares para suspender a cobrança.
A associação estima que cerca de 15 mil contratos com saldo equivalente a duas ou três vezes o valor do imóvel vão vencer este ano.
Para o presidente da ANM, Marcelo Augusto Luz, o resídio é resultado da má gestão administrativa dos contratos pelo SFH e cria desilusão no comprador. “O saldo residual é um câncer que precisa ser estirpado do Sistema Financeiro da Habitação. O mutuário não pode ser escravo dele por mais tempo”, diz.
O que gera resíduo no contrato habitacional é a cobrança de juros sobre juros, que pressiona o saldo devedor pra cima, dependendo dos indexadores, como a tabela price, que na opinião de Luz necessita de revisão. “Muitos desses contratos só beneficiam o credor”.
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Para o advogado Luiz Guilherme Ferreira, especialista em direito imobiliário, os contratos imobiliários do SFH não são debatidos de forma bilateral, tirando a possibilidade de negociação. “Isso coloca o consumidor em latente desvantagem, o que pode anular a cláusla [do saldo residual]”, afirma.
Ferreira recomenda que, antes de assinar o contrato, o consumidor fique atento à existência da cláusula que prevê o pagamento do saldo após a quitação.
Procurada, a Caixa afirmou ao iG que “o TRF tem apresentado entendimento diverso neste assunto”, motivo pelo qual o banco considera oportuna a abordagem do assunto para uniformização jurisprudencial no STJ.
* A identidade da personagem foi preservada a seu pedido.
Fonte: http://economia.ig.com.br/