Por que nos querem com medo?

Coluna Valdete Souto Severo

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Golpe e a intervenção

Disseminar o medo é uma forma relativamente comum de tentar conduzir as pessoas a aceitarem falsas soluções para problemas reais. Ou pior, conduzi-las por caminhos que não seriam adotados, se refletissem com mais calma. Hannah Arendt tratou disso em seu livro sobre as origens do totalitarismo.
Aconteceu recentemente em nosso país. O impeachment da Presidenta Dilma salvaria o Brasil da crise econômica. A palavra crise era insistentemente trazida pelos meios de comunicação, criando um clima de medo, que só seria aplacado com a mudança de governo. O golpe ocorreu. Nada mudou. Então, o medo da crise foi utilizado como razão para as “reformas” trabalhista e da previdência. Apenas a destruição dos direitos dos trabalhadores salvaria o Brasil. A “reforma” trabalhista foi aprovada e aqueles que nos amedrontaram tiveram que admitir que o desemprego segue aumentando no país, enquanto reduz o poder de consumo de boa parte da população.
A violência no Rio foi o argumento para o primeiro ato de intervenção militar. A intervenção ocorreu e os índices de violência seguem aumentando.
Agora, representantes do exército se utilizam das redes sociais para inocular novamente o medo. E o fazem para pressionar o STF, em razão do julgamento de habeas corpus proposto por Luiz Inácio Lula da Silva. Falam em repúdio à impunidade e respeito à Constituição, mas é justamente a Constituição que garante, como direito fundamental, a presunção de inocência e a ampla defesa. É a Constituição que afirma, no artigo 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Aqueles que falam em nome de instituições como o exército conhecem a Constituição. O que pretendem, então, ao dizer que estão atentos, que não admitirão impunidade? Manter Temer no poder por mais tempo? Ou talvez trocá-lo por Rodrigo Maia? Estão preocupados com moralidade?

A disseminação do medo

Na década de 1960, o falso temor do comunismo justificou a intervenção militar que, ao contrário do que declarou Temer recentemente, não era desejada pela sociedade. As pesquisas indicavam vitória de João Goulart no pleito eleitoral. Ainda assim, a disseminação de um medo irracional fez da intervenção a aparente solução para todos os males. O medo venceu. A intervenção veio, e com ela o AI-5 em 1968, o desaparecimento de mais de 400 pessoas, a tortura, o exílio, a morte. Os problemas sociais não foram solucionados. Ao contrário, a violência foi institucionalizada.
Em 2018, quando completaremos 30 anos de vigência da Constituição cidadã, novamente o medo está sendo disseminado e com argumentos que nos remetem ao período mais dolorido de nossa história recente.
Pela primeira vez desde a abertura democrática, algumas pessoas comemoraram o golpe civil-militar, chamando-o de “revolução de 1964”. Circulou inclusive um post com a frase “eu vivi a ditadura militar e gostei”. Os que partilharam tal comentário infeliz, certamente não tiveram pessoas próximas torturadas ou desaparecidas. Talvez fossem apenas crianças naquela época, protegidas por adultos que tentavam levar a vida sem olhar para os lados, fingindo não ver os efeitos terríveis que a ausência de liberdade mínima provoca.

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Vivemos um estado de exceção. Isso não é novidade. A ruptura democrática iniciou ainda antes do afastamento de Dilma e se concretizou como golpe em 2016. Já vivemos uma espécie de ditadura branca, com perseguições e mortes daqueles que ousam denunciar o saque que o Brasil vem sofrendo. Estamos entregando nossas riquezas naturais, eliminando nossos jovens e incentivando uma violência sem controle.
Ainda assim, temos a Constituição, que nos garante liberdade, independência para julgar e direitos, que precisam ser respeitados.
Talvez nada disso esteja no horizonte de perspectivas de quem espalha o medo em redes sociais, jornais, revistas. Talvez se trate apenas de disseminar o medo.
É que o medo pode nos paralisar.
Então, talvez o que se pretenda seja apenas isso: causar medo. Para que cesse a luta pela inclusão social, pelos direitos humanos, pela dignidade de quem não tem casa ou comida, nesse Brasil de tantas misérias. Para que juízes e juízas se sintam pressionados a julgar desse ou daquele modo, se sintam pressionados a calar, a consentir.
Para que a Constituição seja negada quando for conveniente.
Já vivemos uma intervenção militar, já aprendemos, com dor e sofrimento, o custo da completa ruptura democrática. Sabemos o que significa perder o direito de eleger nossos representantes. Sabemos o que significa, concretamente, uma intervenção militar.
É improvável que queiramos repetir essa experiência.
É inaceitável que o medo nos paralise agora.
2018 é um ano de eleições. Temos o direito de eleger nossos representantes, em um pleito eleitoral em que os candidatos não estejam previamente determinados ou vetados. Temos o direito a julgamentos livres de pressão midiática, militar ou de qualquer espécie.
Então, que o medo não nos paralise, mas nos fortaleça na luta necessária pelo retorno de uma lógica democrática e inclusiva em nosso país!

Não me entrego sem lutar
Tenho ainda coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então!

(Metal Contra As Nuvens
Legião Urbana)

 

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Valdete Souto Severo é Articulista do Estado de Direito – Mestre em Direitos Fundamentais, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC do RS. Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e RENAPEDTS – Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social. Professora, Coordenadora e Diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região.

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